Com vários pronunciamentos, dirigentes da ONU assinalaram no início deste mês que já estamos a menos de mil dias do final de 2015, prazo para que se cumpram os chamados Objetivos do Milênio, dos quais ainda estamos bastante distantes – basta lembrar, como alguns deles fizeram e foi mencionado aqui na semana passada, que neste mundo de 7 bilhões de habitantes, embora 6 bilhões possuam telefones celulares, 2,5 bilhões não têm em suas casas instalações sanitárias adequadas e mais de 1 bilhão defecam ao ar livre. Não significa que não tenha havido progressos expressivos também: desde 1990 caíram pela metade os índices de extrema pobreza, assim como diminuíram a mortalidade infantil e materna; aumentou em 2 bilhões o número de pessoas com acesso a água potável; atingiram-se recordes nas matrículas escolares, tanto de meninos como de meninas. Mas ainda há muito a fazer, já que 40% da humanidade vive com menos de US$ 2,00 (R$ 4,00 por dia) e são graves muitos dos problemas de saúde.
No Brasil também há muito a fazer. Ainda temos 13,8 milhões de famílias vivendo com a renda mensal de R$ 70 por pessoa (US$ 1,25 por dia), inferior ao nível mínimo estabelecido pela ONU (Estado, 1.º/4). Pior ainda, o governo ainda não consegue localizar 700 mil famílias que nem a Bolsa-Família recebem. E mesmo esta não é suficiente sequer para comprar a dieta mínima proposta pelo Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde), que custaria R$ 3,43 por dia, ou R$ 103,10 mensais (Folha de S.Paulo, 10/3). Também há progressos claros em vários setores (Estado, 24/2): entre 2000 e 2010, o analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos de idade caiu no País de 13,6% para 9,6%; a mortalidade infantil, de 21,3 crianças por 10 mil nascidas vivas para 13,8. Mas avançou-se pouco no saneamento básico, de 61,9% das residências para 65,1%. E menos ainda na questão da concentração da renda, já que a parcela mais rica, 1%, detém 17% da renda.
Também na área da saúde continuam fortes as advertências da ONU, seja para a morte de crianças por doenças transmitidas pela água, seja para as mortes provocadas pelo fumo. E com novos avisos, pedindo atenção principalmente para um novo tipo de vírus transmitido por aves confinadas. Na China, onde entre 2003 e 2011 foram abatidos 400 milhões de aves, a preocupação é muito forte. A malária continua no centro das atenções. Assim como, no Brasil, a dengue, já em níveis inéditos.
Provavelmente a preocupação dos dirigentes da ONU terá aumentado nas últimas semanas, principalmente com a notícia de que o Canadá se está retirando da convenção sobre a desertificação – tema agudo, já que a cada ano aumentam em algumas dezenas de milhares de quilômetros as áreas desertas no mundo e comprometem os esforços para reduzir a fome. No próprio Canadá não se esconde o temor de que esse “mau passo” seja apenas o que antecede a retirada do país da Convenção do Clima, seguido de outros países. O Canadá já se afastou do Protocolo de Kyoto e agora quer avançar na exploração de petróleo em areias betuminosas, construir oleoduto para as retiradas da região ártica.
E isso tudo pode ser um péssimo exemplo, na hora em que o secretário-geral do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Rajendra Pachauri, afirma em Calcutá (Ians, 6/4) que a elevação do nível dos oceanos “ameaça a sobrevivência de cidades como Xangai (23 milhões de pessoas), Daca, a capital de Bangladesh (12,8 milhões, às margens do Rio Buriganga e de seu delta, no oceano) e Calcutá, na Índia (mais de 5 milhões de habitantes). Segundo Pachauri, a elevação, até o final deste século, pode significar alguns metros.
As palavras de Pachauri encontram eco nas de Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial e hoje consultor do governo britânico, figura respeitada. Stern acha que seus temores expressados há sete anos foram ultrapassados. Agora pensa que o aumento da temperatura terrestre tem 50% de possibilidades de subir 5 graus Celsius até o fim do século – quando o IPCC adverte que um aumento acima de 2 graus em meados do século terá consequências muito graves.
Uma terceira voz nessa direção é de Jim Yong King, do Banco Mundial, segundo quem (2/4) “o clima ameaça a economia mundial, o desenvolvimento e o combate à pobreza”. A seu ver, uma das estratégias mais eficazes na direção contrária seria suprimir US$ 1,9 trilhão por ano de subsídios para o consumo de petróleo e carvão. Suas palavras são acompanhadas pelo Institute for Environment and Development (4/4), para o qual a questão climática pode agravar a fome no mundo – com a população em alta, preços tendendo a ser mais maiores e as safras, mais incertas.
São muitas vozes. O governo da Austrália alerta sua população para a insustentabilidade que avança em certas regiões do país. Um órgão conceituado como a National Oceanic and Atmospheric Administration, dos EUA, prognostica aumento muito forte de chuvas e nevascas no país até o fim do século, com consequências graves em muitas áreas, inclusive da produção agrícola (latimes, 5/4). Já o jornal The New York Times chama a atenção (4/4) para estudo da Universidade de Ohio em que os cientistas demonstram que os gelos dos Andes peruanos, que levaram 1.600 anos para se formar, derreteram em 25 anos.
Como levar políticos e administradores a pôr os interesses planetários acima de suas preocupações miúdas? Há quem esteja pensando que o jeito é torcer para que avance e se dissemine estudo de pesquisadores japoneses (Estado, 5/4) segundo o qual é possível “identificar as imagens que passam pela cabeça de uma pessoa adormecida”. Sabendo o que se passa na cabeça dos políticos, talvez eles tenham medo e então se possam mudar os rumos. Utopias, mas não custa sonhá-las exatamente a partir de sonhos.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.