Nápoles, Itália, 10/10/2014 – Os pequenos podem recorrer a opções como a intensificação agroecológica e a inovação, sem necessariamente lançar mão da agricultura inteligente, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), que desperta dúvidas entre especialistas mundiais reunidos nesta cidade italiana.
Para Allison Power, pesquisadora do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, esse conceito é um guarda-chuva que pode proteger assuntos em demasia. “Há dois enfoques para aumentar a produção, a intensificação da agricultura convencional e a agreoecologia. Mas nos últimos 20 anos a produção de alimentos duplicou, embora problemas como a pobreza não sejam resolvidos apenas com isso”, opinou à IPS.
“Então, é preciso a adaptação de pequenos produtores com inovações baseadas na agroecologia”, apontou Power, participante do XI Fórum Internacional para Meios sobre a Proteção da Natureza, na cidade italiana de Nápoles, entre os dias 8 e 11 deste mês. Os produtores familiares fornecem quase 80% dos alimentos no mundo. Embora o planeta produza mais comida do que em qualquer outro momento da história, a ONU estima que mais de 800 milhões de pessoas passem fome.
No dia 23 de setembro, a ONU lançou em Nova York a Aliança Global para a Agricultura Climática Inteligente, por ocasião da Cúpula do Clima. Ela é composta por governos, organizações não governamentais e grandes corporações. A iniciativa inclui conservação, rotação de cultivos, agrossilvicultura, melhores previsões do tempo e manejo integrado da agricultura com a pecuária. Seu objetivo é aumentar de modo ecológico a produção alimentar, para assim reduzir as emissões contaminantes.
O tema integra a agenda do XI Fórum, cujo lema é Gente que Constrói o Futuro. Alimentando o Mundo. Alimentação, Agricultura e Ambiente. Também são abordados assuntos como a luta contra a fome, o papel das corporações transnacionais e a adaptação da agricultura à mudança climática. Do encontro organizado por Greenaccord, uma rede italiana de especialistas dedicada à capacitação em assuntos ambientais, participam cerca de 200 pessoas entre jornalistas, acadêmicos, ativistas e estudantes, procedentes de 47 países.
A agricultura inteligente também desperta receio de acadêmicos e grupos da sociedade civil porque pode dar lugar ao fomento de cultivos geneticamente modificados, vistos como uma ameaça à produção sustentável. Para Stefano Padulosi, do Programa de Nutrição e Mercadologia de Diversidade da não governamental Biodiversidade Internacional, os climas variantes e a perda de riqueza natural exigem um coquetel de ações.
“É preciso fortalecer a resiliência dos sistemas alimentares e produtivos e a adaptação à mudança climática. São necessárias intervenções urgentes nas fazendas locais e no fortalecimento dos bancos de sementes comunitários”, apontou Padulosi, participante do encontro. “Pode-se construir capital local, enfrentar problemas e solucioná-los a partir das comunidades e fortalecer as redes de atores legais”, ressaltou à IPS.
Sua organização executa programas de pesquisa agrícola e alimentar para preservar o capital natural, melhorar o conteúdo nutricional de cultivos e a produtividade em nações em desenvolvimento. A mudança climática pode afetar a agricultura, ao diminuir a disponibilidade de água, elevar a temperatura do planeta, inundar áreas cultiváveis ou propiciar o surgimento de pragas, pontuou Padulosi.
Até 2050, a demanda por alimentos aumentará 65%, enquanto a população mundial chegara a nove bilhões de pessoas. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) alerta que o rendimento agrícola poderia baixar entre 0,2% e 2% por década, mesmo com um aumento da demanda de 14% na década.
Para Gary Gardner, pesquisador do norte-americano do Worlwatch Institute, as medidas a serem adotadas devem considerar os camponeses, e não fazer isso “careceria de sentido”. “Maiores esforços serão necessários para conservar os recursos e torná-los mais eficientes em seu uso. Mas grandes êxitos em eficiência estão disponíveis para os produtores, processadores, empresas e consumidores”, disse à IPS. O especialista prepara um capítulo sobre as ameaças ocultas à sustentabilidade para o informe de 2015 do Worldwatch Institute sobre o estado mundial.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que 11% do solo do planeta está altamente degradado e 25% o está de forma moderada. Essa agência das Nações Unidas calcula que as emissões globais originadas pela agricultura, a silvicultura e outros usos do solo ultrapassaram os dez bilhões de toneladas de dióxido de carbono. No entanto, o depósito desse gás nos sumidouros agrícolas, florestais e de outras utilizações da terra superou os dois bilhões de toneladas. A FAO antecipa que as emanações contaminantes poderão aumentar 30% até 2050.
A agricultura fornece serviços ecossistêmicos, como alimento, fibra, bioenergia e habitat natural, e ao mesmo tempo se beneficia deles, outra razão para promover as práticas sustentáveis. “Tem o potencial de aumentar a produção e a sustentabilidade. Pode-se otimizar práticas como melhoramento genético dos cultivos, manejo integrado de pragas e nutrientes, desenvolvimento da agricultura de precisão e gestão do solo e da água”, enfatizou Power.
Por sua vez, Gardner propõe preservar o tamanho e a qualidade da terra agrícola e mais rapidez na promoção da conservação de práticas agrícolas, além de desestimular o uso descuidado das terras marginais. Envolverde/IPS