Havana, Cuba, 28 de julho de 2014 (Terramérica).- Casas distantes e pequenas plantações se misturam no caminho para a propriedade La China, na periferia da capital de Cuba. Ali trabalha Hortensia Martínez, uma engenheira mecânica que muitos chamam de louca por ter decidido se converter em camponesa. “Nossa história não é comum”, disse ao Terramérica esta mulher de 48 anos, na entrada da área de pouco mais de seis hectares, que foi entregue em maio de 2009 sob usufruto para seu marido, Guillermo García, em Punta Brava, no município de La Lisa, subúrbio oeste de Havana.
De um dos limites de La China, se vê terras ociosas até o horizonte. Segundo dados oficiais, em 2013 este país insular tinha 1.046.100 dos 6.342.400 hectares cultiváveis nessa situação. A falta de pessoas interessadas, com recursos e forças para produzir mais alimentos, é um dos obstáculos para o avanço da reforma econômica iniciada em 2008 e que destaca o setor agropecuário em um país que necessita urgentemente aumentar a produção e baratear os preços.
Entre os fatores que atentam contra a evolução agrícola há realidades das quais pouco se fala, como o abandono das áreas rurais há décadas, que esvaziou os campos cubanos. Dos 11,2 milhões de habitantes, apenas 2,5 milhões povoam as zonas rurais cubanas, segundo dados de 2013 fornecidos pelo estatal Escritório Nacional de Estatística e Informação.
Metade da população rural é formada por mulheres, mas pela cultura machista não costumam trabalhar diretamente a terra. Para que isso mude, as autoridades reforçaram as estratégias para incorporar mais força feminina ao campo, embora o avanço nessa direção seja reconhecidamente lento. Em abril constava o registro de 65.993 mulheres associadas nas cooperativas agrícolas do país, contra 64.063 em fevereiro de 2011.
Tanto em cidades como nos povoados, Cuba envelhece de maneira acelerada e irreversível. Até 2025, se prevê que as pessoas com 60 anos ou mais representarão 25,9% da população total. “La China foi uma forma de voltar às nossas origens”, contou Martínez que, como seu marido, descende de uma família camponesa de Granma, 730 quilômetros a leste de Havana.
Por décadas, as mães e os pais agricultores colocaram orgulhosos nas paredes de suas casas os diplomas universitários de seus filhos, que tinham acesso gratuito e maciço à educação com os planos implantados após a revolução de 1959. Essas gerações educadas emigraram para as cidades a fim de trabalhar em suas novas profissões.
Além disso, na década de 1980 se pensou que era mais barato importar alimentos do que desenvolver a agricultura, graças ao comércio subsidiado com o bloco da hoje extinta União Soviética. O colapso deste bloco comunista, em 1989, afundou a economia cubana em uma crise que chega até aos dias de hoje. Um dos resultados da crise foi que os profissionais passaram a ganhar menos do que os produtores de bens.
“Nos incorporamos ao trabalho agrícola para sustentar a família”, afirmou Martínez ao explicar que na propriedade também trabalham seus sobrinhos e os de seu marido. “Agora temos uma alimentação mais sadia e melhor renda”, acrescentou. Eles criam coelhos, carneiros, porcos e 18 espécies de aves. Também cultivam verduras, tubérculos e frutas.
Em La China há uma longa área para coelhos, vários currais, extensos sulcos e até um ranchón, como se chama em Cuba uma fileira de colunas de madeira com teto de palha de onde pendem plantas em vasos, que enfeitam o lugar e serve de descanso. Mas “ainda não temos casa aqui. Tomara que a aprovem”, lamentou Martínez, que diariamente deve percorrer cinco quilômetros de ida e volta, de sua casa até La China, onde deixa um guarda durante a noite.
O Decreto Lei 259 de 2008 abriu a possibilidade, às pessoas naturais e jurídicas, de solicitar terras ociosas para usufruto por dez anos prorrogáveis, mas somente em 2012 outra lei, de número 300, permitiu a construção de moradias nessas áreas. “É um trâmite muito burocrático”, lamentou a produtora. A burocracia é um mal crônico do setor, muito controlado pelo Estado, inclusive a parte em mãos de particulares.
Durante a sessão no parlamento do dia 5 de julho, foi informada a redução de 41% do pessoal do Ministério da Agricultura e suas delegações provinciais e municipais, por razões que misturam ajuste econômico e redução da burocracia. Das terras cultivadas, 26,6% estão em mãos privadas, 21,7% sob usufruto e o restante é de propriedade estatal ou de cooperativas.
“É muito difícil voltar ao campo se não se tem conhecimento, capacidade e possibilidades econômicas”, opinou Mireya Ramírez, de 44 anos, que deixou seu trabalho com informática para dirigir a propriedade familiar quando seu sogro machucou a mão. Ramírez contou que até cinco anos atrás ela nada sabia de lavrar a terra embora vivesse desde que se casou na fazenda Los Solos, em Campo Florido, também na periferia de Havana.
“Se as terras estão longe é preciso transporte para chegar. Produzir seriamente exige forte capital financeiro. Para mim foi muito difícil girar o capital para diversificar a produção, e isso porque recebi coisas já prontas”, contou a agora agricultura. Mas, finalmente, “agora tenho liquidez como nunca antes”, acrescentou sorridente.
As autoridades também abriram microcréditos para agricultores, lojas com alguns implementos e sementes, aumentaram a retribuição pelos produtos da majoritária cota destinada ao Estado e permitiram que entidades turísticas comprem diretamente dos produtores, entre outras mudanças. Mas agricultores e especialistas disseram à IPS que são medidas insuficientes.
“Falta maior amplitude e generosidade nas políticas, desde mais créditos para comprar sementes e filhotes para criação, até facilidades para alugar ou comprar veículos e construir casas, armazéns, currais e vias de acesso aos campos”, afirmou o jornalista Roberto Molina em uma conversa interativa digital promovida pelo Terramérica em Cuba.
Os rostos dos produtores agropecuários variam segundo a proximidade com os centros urbanos e o desenvolvimento econômico de cada província. Na periferia da capital e de províncias ocidentais como Mayabeque, Artemisa e Matanzas, há famílias camponesas prósperas que têm automóveis e casas confortáveis. Nas montanhas e em lugares intrincados, muitos moram em bohíos (casas de pau a pique ou madeira), com chão de terra e latrinas secas, carecendo de luz e água.
“Minha experiência de muitos anos percorrendo o campo cubano me diz que a atividade social é pobre, cheia de limitações e carências. Os salários dos agricultores não bastam para cobrir suas necessidades primárias”, explicou à IPS o agroecologista Fernando Funes-Monzote. Este profissional, de 43 anos, também está colocando em marcha, junto com sua família, a Finca Marta, em Artemisa, província vizinha a Havana. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.