Cidade do México, México, 14 de julho de 2014 (Terramérica).- O produtor de feijão Manuel Alvarado integra o majoritário grupo de agricultores do México que considera desnecessária a introdução de variedades dessa leguminosa geneticamente modificadas, que o governo defende. “Em rendimentos, não há um estudo que demonstre ser superior aos híbridos ou às sementes regionais. As pessoas ainda não sabem o que é um produto transgênico, nem os efeitos que provoca, mas algumas coisas que se conhece não são boas”, afirmou o agricultor, que lidera a organização Enlace ao Campo, na cidade de Fresnillo, no Estado de Zacatecas.
Entre os problemas que esses organismos geneticamente modificados (OGM) poderiam ocasionar, o também revendedor por atacado do grão disse ao Terramérica que “se fala que os transgênicos contaminarão os crioulos e os híbridos e as sementes das primeiras têm maior capacidade de germinação do que as transgênicas”. O feijão enfrenta no México um contexto de superprodução, preços baixos e importações crescentes, em um país onde há 300 mil produtores da leguminosa, metade deles de pequena escala.
Alvarado colheu entre 12 e 16 toneladas por hectare de dez variedades crioulas de feijão em uma extensão de 15 hectares. Além disso, testou 28 híbridos de milho de dez marcas comerciais e obteve até 15 toneladas por hectare em uma área de 14 hectares. Em 2013, no México foram cultivados 1,83 milhão de hectares de feijão, com produção de 1,28 milhão de toneladas e rendimento de 1,79 tonelada por hectare, segundo dados do independente Observatório de Preços. Os Estados de Zacatecas, Durango e Chihuahua são seus principais produtores.
A plantação de OGM no México está dando um giro, para deixar de se concentrar no cultivo de milho e soja, depois que em 2013 vários amparos legais congelaram sua semeadura. A ofensiva do governo mexicano e da indústria se amplia agora para o feijão e o trigo, entre outros. O estatal Instituto Nacional de Pesquisas Florestais, Agrícolas e Pecuárias (Inifap) apresentou em 22 de abril perante o Serviço Nacional de Saúde, Inocuidade e Qualidade Alimentar (Senasica) um pedido para o cultivo experimental de feijão (Phaseolus vulgaris L.) transgênico em 0,12 hectare no Estado de Guanajuato.
Esse pedido se baseia na pesquisa Resistência ao Colletotrichum lindemuthianum no Feijão Comum Transgênico, Expressando o Gene Defensina de Arabidopsis thaliana, financiado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e pelo Ministério da Agricultura, cujos resultados foram divulgados no ano passado na Revista Mexicana de Ciências Agrícolas.
Os cinco autores, especialistas do Inifap, geraram 20 plantas transgênicas de feijão a partir de cinco linhas independentes que mostraram resistência a dois tipos de fungo patogênico Colletotrichum lindemuthianum, causador da antracnosis. Isso não acontece com as plantas sem transformação genética. Essa praga, junto com a broca, a mancha angular da folha e o apodrecimento das raízes, afetam o feijão, do qual há cerca de 70 variedades no México.
Silvia Ribeiro, diretora para a América Latina do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia, Concentração, criticou como um novo “truque” que se recorra aos fundos públicos para promover essas pesquisas e assim se apoderar dos cultivos que sustentam a alimentação. “O uso de recursos públicos para desenvolvê-los aumenta a dependência técnica; o adequado seria dedicar esses fundos para apoiar o grande conhecimento que existe no manejo camponês do feijão, além de promover mais o manejo preventivo do sistema agrícola”, opinou ao Terramérica.
O Senasica recebeu este ano quatro pedidos de semeadura experimental e piloto de milho transgênico para dez hectares nos Estados de Sonora e Sinaloa por parte da companhia norte-americana Pioneer. Outras quatro semeaduras-piloto para algodão também partiram da norte-americana Monsanto, para 85 mil hectares em diferentes Estados.
Além disso, o Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo apresentou cinco pedidos de plantação experimental de trigo para meio hectare no Estado de Morelos, vizinho à Cidade do México. No ano passado, o Senasica recebeu 58 pedidos de cultivo transgênico experimental, piloto e comercial de milho em um total de mais de cinco milhões de hectares, apresentados pelas corporações Monsanto, Pioneer, a suíça Syngenta e a norte-americana Dow Agrosciences.
Também foram registradas 29 semeaduras experimentais, piloto e comercial de algodão em mais de 700 mil hectares da Monsanto e da alemã Bayer. Esta firma também pediu três autorizações para plantação experimental de soja em 45 hectares nos Estados de Campeche, Quintana Roo, Yucatán e Chiapas. Já a norte-americana Forage Genetics pediu aval para plantação experimental de alfafa em 0,38 hectare no Estado de Coahuila.
“Querem desviar o foco do debate de que só as empresas apresentam pedidos e demonstrar que há capacidade para a pesquisa nacional”, apontou ao Terramérica a coordenadora do programa Sistemas Alimentares Sustentáveis, do não governamental Grupo de Estudos Ambientais, Catherine Marielle.
Em julho de 2013, 53 particulares e 20 organizações da sociedade civil entraram com um amparo coletivo contra os pedidos de cultivo de milho transgênico e, em setembro, um juiz federal concedeu a suspensão cautelar de qualquer autorização para sua semeadura. Os Ministérios de Agricultura e de Ambiente e as empresas afetadas apresentaram mais de 70 impugnações à sentença, mas o caso “levará tempo”, segundo fontes do tribunal.
Além disso, desde março organizações de apicultores e comunidades indígenas ganharam outros dois amparos provisórios contra o cultivo comercial de soja transgênica em Campeche e Yucatán. Em junho de 2012, o Ministério da Agricultura aprovou a Monsanto para plantação comercial de soja transgênica em uma área de 253 mil hectares em sete Estados mexicanos, entre eles Campeche.
“Aperfeiçoamos pacotes tecnológicos sobre como se prepara a terra, qual semente usar, qual fertilizante aplicar. No médio prazo, buscamos migrar para fertilizantes orgânicos. Tudo isso jogaria por terra a imposição transgênica”, destacou Alvarado. Atualmente um produtor vende o quilo de feijão por US$ 0,30 a 0,45. Com um subsídio estatal de valor semelhante, os agricultores recuperam os custos de produção.
Para Alvarado, os produtores podem atender as importações norte-americanas “se nos organizarmos nas zonas produtoras e o Estado armazenar e oferecer linha de crédito para os produtores e houver valor agregado” à leguminosa.
Embora sejam comercializados desde meados da década de 1990, quase toda a produção OGM se concentra em dez países: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá, Índia, China, Paraguai, África do Sul, Paquistão e Uruguai, nessa ordem.
O governo apoia os OGM, explicam funcionários do setor, porque ajudarão a enfrentar no médio e longo prazos os efeitos climáticos sobre a produção de alimentos e, assim, garantir a segurança alimentar. “O México não precisa de transgênicos. O país nunca produziu tanto milho como agora. Além disso, com transgênicos não pode haver biossegurança, eles trazem a erosão genética”, porque a contaminação dos cultivos convencionais é inevitável, assegurou Ribeiro. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.