Internet e novas tecnologias começam a abalar formas tradicionais de empréstimo e poupança. Haverá espaço para sistema financeiro alternativo?
A atividade bancária, na forma em que a conhecemos, está começando a parecer mais ultrapassada que uma impressora matricial.
Na China, os consumidores estão depositando suas poupanças em empresas de Internet, ao invés de bancos. Nas Filipinas, uma classe média emergente paga suas despesas utilizando-se de uma nova cepa de financiadores, baseados em redes sociais. Nos Estados Unidos, um terço dos integrantes da geração nascida a partir de 1980 dizem que esperam usar serviços financeiros baseados em tecnologia, ao invés de bancos. Ao mesmo tempo, 71% afirmam que “prefeririam ir ao dentista, ao que os bancos dizem”.
Greg McBride, analista sênior no Bankrate.com, teria dito, recentemente: “Podem me chamar de ultrapassado, mas para construir riquezas, poupar e investir, você precisará ser parte do sistema financeiro tradicional”. À luz dos fatos mais recentes, esta sentença soa como a de um pai dizendo aos filhos para evitar sexo antes do casamento.
Os bancos são, em essência, dados – montanhas de dados financeiros. Eles trabalharam intensamente, nas últimas décadas, para esvaziar suas próprias agências, por meio da tecnologia. Por isso, para muitos de seus clientes, eles não são mais uma entidade física. O dinheiro converteu-se em códigos trafegando em redes. A principal vantagem comparativa dos bancos são, hoje, as regulações que mantêm eventuais concorrentes afastados.
Mas mesmo estas regras não poderão proteger os banqueiros por muito tempo. O velho conceito de atividade bancária está sendo atacado por todos os lados, por instituições de novo tipo, que são mais hábeis no manejo de dados e os utilizam de forma mais imaginativa. Há anos, os bancos têm sido vistos, em teoria, como organizações prestes a ser superadas. Mas agora, parece claro como isso pode acontecer.
A superação pode ser disparada pela evolução tecnológica. Fenômenos assim ocorrem, às vezes, na forma de um colapso catastrófico provocado pela internet – como se deu com os CDs, após o advento da música digital. Mas os bancos podem viver uma experiência diferente – semelhante à lenta corrosão de uma casa infestada por cupins, que em certo ponto atingem, simultaneamente, diversas vigas de sustentação.
Um destes cupins pode ser o Lenddo. É uma empresa norte-americana que opera na Ásia, utilizando dados, para a atividade bancária, de uma forma que os bancos nunca considerariam. O insight da Lenddo é: os dados sobre quem você conhece, nas redes sociais, e sobre o que estas pessoas dizem de você, são mais precisos que a pontuação estabelecida pelos bancos para calcular se você pagará um empréstimo ou não.
“Por séculos, os empréstimos foram baseados em reputação”, diz Jeff Steward, o executivo-chefe da Lenddo. “As redes sociais permitem retornar a este princípio, agora em escala global”. Por enquanto, a Lenddo opera apenas nas Filipinas, México e Colômbia. Nestes países, surgiu uma classe média emergente que, no entanto, não tem acesso a empréstimos bancários. A Lenddo está oferecendo tais financiamentos com base em reputação social, desviando dos bancos uma geração de clientes.
A Lenddo não empresta nos EUA devido às regulações que favorecem o sistema bancário. “Atuamos nas Filipinas e fazemos empréstimos gastando menos do que custaria obter uma cotação de crédito no estado de Nova York”, diz Steward. Mas num mundo hiperconectado, as finanças são globais. Se a Lenddo e inciativas similares forem bem-sucedidas no mundo em desenvolvimento, isso não repercutirá nos próprios EUA e Europa, por exemplo?
Na China, empresas tecnológicas estão estabelecendo outro precedente. Há menos de um ano, a Alibaba, [maior empresa de comércio eletrônico do mundo], que tem centenas de milhões de usuários, começou a captar suas poupanças, oferecendo taxas de juros mais altas que as dos bancos chineses. Até fevereiro, 81 milhões de pessoas haviam aderido. Há pouco, o Baidu [um similar do Google, chinês], solicitou do governo licença para praticar atividades bancárias.
Por que uma empresa de internet entraria na atividade bancária? A resposta são dados! Nos bastidores, os executivos do Google e Facebook certamente estão observando Alibaba e Baidu, e sonhando em seguir seus exemplos. Nos EUA, apesar das regulações em favor dos bancos, estes estão sendo obrigados a enfrentar novas iniciativas, que os fustigam nas margens. Seis anos após a crise das hipotecas subprime, os grandes bancos ainda temem emprestar para pequenas empresas, o que cria um enorme contingente de sem-crédito. Isso abriu brecha para um novo tipo de emprestador, como o Dealstruck. Ele usa a internet para conectar gente com poupança disponível a donos de pequenos negócios que precisam de dinheiro. Estes emprestadores alternativos, baseados em tecnologia, estão crescendo muito rapidamente.
Há também as moedas virtuais. Ou o Bitcoin, ou outro sistema de transações digitais, irá explodir, em poucos anos. Exercerá, sobre as bandeiras de cartão de crédito, a mesma pressão que o Skype exerceu entre as empresas de telefonia de longa distância. Ao criar um modo mais simples e mais barato de pagamento, as transações digitais atrairão usuários dos cartões bancários e corroerão rendas vitais para o sistema.
À medida em que novas iniciativas oferecerem maneiras inovadoras de lidar com dinheiro, os bancos não poderão ser resgatados por suas relações com o público. A maior parte das pessoas não conhece melhor os caixas ou gerentes de banco do que conhece os operadores de pedágio. Ao operarem online, os bancos oferecem produtos não-diferenciados, cobram juros, impõem tarifas e fazem o favor de não deixar que nosso dinheiro seja roubado ou perdido.
A nova geração não despejará uma lágrima pelos bancos. Uma pesquisa de três anos, da Scratch – a mesma que comparou ir ao dentista com ouvir as instituições financeiras – concluiu que os nascidos entre 1981 e 2000 provocarão mudanças “sísmicas” na atividade bancária.
Mesmo a consultoria Accenture afirma que o futuro não parece luminoso para os bancos: “35% do mercado bancário nos EUA poderia ser abocanhado por outras iniciativas até 2020”, diz um relatório da empresa. Segundo ele, 15% do faturamento dos bancos tradicionais poderia migrar para empreendimentos baseados em tecnologia. Os grandes bancos, com todos os seus custos operacionais, pode não suportar os efeitos. Grandes estruturas precisam perder apenas uma ou duas vigas, antes de tremer e entrar em colapso.
* Kevin Maney é jornalista e escritor norte-americano. Colabora com publicações como The Atlantic, Newsweek, Fortune e ABC News./ Tradução: Antonio Martins.
** Publicado originalmente no site Outras Palavras.