Atrasos escolares como os nossos, na forma de um pequeno índice de atendimento na educação infantil, grande quantidade de analfabetos e de adultos com poucos anos de estudo, evasão escolar muito alta ao longo do ensino básico e falta de profissionais qualificados, comprometem gravemente e de forma definitiva o futuro de um país. Para superar essa situação, precisamos elevar os investimentos diretos em educação pública. Mas será que aumentar esses investimentos pode comprometer outras atividades do país, em particular, as atividades econômicas?
A resposta é não, por várias razões. Uma delas é que os investimentos em educação têm altas taxas de retorno, ou seja, se pagam em pouco tempo. Portanto, aumentar esses investimentos não apenas não compromete a economia como, ao contrário, contribui para dinamizá-la. Outra razão é que, apesar das nossas limitações econômicas, há margens para aumentar os investimentos, em especial em um período de crescimento da produção acima do crescimento populacional, como tem ocorrido nos últimos anos. Vamos ver essa segunda razão.
O financiamento público da educação em outros países
O gráfico mostra a média dos investimentos públicos em educação no período entre 1988 e 2010, como percentuais dos PIBs em diversos países (foram incluídos apenas países com mais de cinco milhões de habitantes e que apresentaram dados anuais para pelo menos metade do período analisado)(1). Como vemos, o Brasil ocupa uma posição intermediária, a qual não seria confortável nem mesmo para um país sem grandes contingentes de crianças e jovens e sem atrasos como os nossos. Se continuarmos nessa posição, continuaremos mantendo nossa atual situação educacional: precária e insuficiente até mesmo para garantir as condições necessárias para uma real e permanente soberania nacional.
Embora haja algumas poucas exceções, os países que apresentam bons indicadores educacionais, ou que os têm melhorado significativamente, estão no grupo daqueles que fazem investimentos mais altos em educação. Também estão nesse grupo aqueles países que apresentam condições sociais melhores do que outros com as mesmas possibilidades econômicas. Cuba, Dinamarca e Suécia são os três que mais esforços investiram em educação naquele período. No conjunto com menores taxas de investimento em educação estão aqueles países que apresentam as piores situações, não apenas educacionais como sociais em geral: Camboja, Emirados Árabes Unidos(2) e República Dominicana são, entre aqueles cujos dados estão representados na figura, os três que menos investiram.
Se ficarmos onde estamos, não vamos superar as barreiras que impedem o aumento da produção econômica, nem promover o desenvolvimento social, enfrentar as desigualdades de renda e recuperar, ainda que em parte, nossos atrasos. Se nos deslocarmos na direção à direita do gráfico, vamos nos aproximar de países totalmente dependentes e/ou que apresentam indicadores sociais terríveis. Não podem restar dúvidas da direção que devemos nos deslocar nesse gráfico.
Existem fontes de recursos
Há muitas possíveis fontes para viabilizar o aumento dos recursos destinados à educação pública. Comparando a arrecadação de impostos sobre propriedade no Brasil com a realidade tributária em outros países capitalistas, inclusive tributos sobre grandes fortunas(3), o Ipea(4) aponta a possibilidade de um aumento dos recursos públicos em até 2,7%. Como aqueles países capitalistas não iam tomar decisões que pudessem prejudicar suas economias, a pergunta óbvia é: por que não fazemos o mesmo?
O mesmo documento do Ipea aponta que a não supressão de impostos e a redução das renúncias e dos subsídios poderiam gerar outros 3,7% do PIB. Além dessas possibilidades, cada 1% de redução na taxa básica de juros geraria mais 0,6% do PIB em recursos públicos para a União, os Estados e os municípios.
Correções de alíquotas dos diversos impostos ou o enfrentamento da sonegação poderiam aumentar ainda mais as possibilidades de financiamento do setor público, colocando-nos em uma situação mais próxima daquela ocupada pelos países mais organizados. E todas essas correções não apenas não afetariam negativamente a economia do país, como, ao contrário, poderiam ter impactos sociais muito positivos.
Mais e melhor educação cabem no PIB
Outra maneira de verificar que é possível o aumento dos recursos para a educação pública é analisar a evolução recente da economia nacional. Ao longo dos últimos oito anos, o PIB brasileiro cresceu perto de 25% acima do crescimento populacional, ou seja, o crescimento foi suficiente para absorver o aumento da população e, além disso, aumentar da quarta parte o valor econômico da produção por pessoa. Se uma fração desse aumento da produção fosse destinada à educação, poderíamos atingir investimentos significativamente mais altos do que os atuais sem afetar negativamente outras atividades nacionais. Ao contrário, dependendo da forma que o aumento da produção per capita for transferido para a educação e outras áreas de interesse social, pode haver ganho nos dois lados: melhoram-se os níveis educacionais da população ao mesmo tempo em que se inibe um consumismo doentio e destrutivo.
É necessário lembrar que, ao se transferir parte do aumento da produção econômica para a educação, não se estaria reduzindo ou se desfazendo dela: a indústria da construção civil seria aquecida mais intensamente na forma de reformas e construções de equipamentos escolares; o número de empregos formais também cresceria, com maior concentração na forma de trabalhadores em educação; a renda pessoal também cresceria, mas na forma de melhores remunerações para professores; haveria aumento da produção de veículos para atender à demanda gerada pelo setor educacional, incluindo aí seus trabalhadores. Da mesma forma, o aumento do consumo de eletricidade ou de equipamentos elétricos, eletrônicos e de informática também ocorreria, mas mais concentradamente pelos trabalhadores da educação e pelas instituições educacionais.
Enfim, tendo em vista a realidade de outros países, considerando as possibilidades de transferências de recursos para o setor público e, ainda, a realidade da produção econômica, vemos que é totalmente viável aumentar os investimentos em educação pública, bem como em outros setores de interesse social. O que nos impede de fazer isso? Será por ignorância, ou há um propósito pouco nobre por trás de tais decisões?
Notas
(1) Unesco Institute for Statistics. Sítio consultado em abril/2012.
(2) Os Emirados Árabes Unidos, apesar de terem uma renda per capita mais do que quatro vezes superior à brasileira, da ordem de US$ 48 mil pelo critério da paridade de poder de compra, têm taxas de analfabetismo quase exatamente iguais às nossas, apresentando talvez o maior desencontro entre as possibilidades econômicas e o padrão educacional.
(3) Nos Estados Unidos, as grandes fortunas são taxadas no processo de herança. Quando John D. Rockefeller morreu, em 1937, 70% do patrimônio foi recolhido na forma de imposto sobre bens herdados (New York Times, 8/6/2010, Legacy for One Billionaire: Death, but No Taxes). Após algumas décadas de recuo, a alíquota máxima do imposto sobre grandes heranças naquele país foi reduzida a 35%, devendo subir para 55% em 2013. Veja, por exemplo, o verbete “estate tax in the United States” da Wikipedia.
(4) Financiamento da Educação: necessidades e possibilidades, Comunicados Ipea nº 124, dezembro/2011, acessível por internet.
* Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.