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Educação sexual busca romper tabus no Sul em desenvolvimento

Na conferência Women Deliver, de Kuala Lumpur, na Malásia, as participantes compartilharam estratégias para romper os tabus religiosos em matéria de direitos sexuais e reprodutivos: Foto Stella Paul/IPS

 

Kuala Lumpur, Malásia, 7/6/2013 – A jornalista liberiana Mae Azango contou que durante um ano “viveu como morcego, indo de uma árvore a outra” junto com sua filha, para escapar dos fanáticos religiosos que a ameaçaram de morte por denunciar a mutilação genital feminina em seu país. Esta jornalista da FrontPage Africa contou à IPS que o governo da Libéria assinou em 2012 um tratado garantindo o direito à informação para seus cidadãos, mas continua escondendo dados sobre os direitos vinculados à saúde sexual e reprodutiva.

“Com cada artigo que escrevo, estou em risco”, afirmou Azango, acrescentando que depende totalmente de “fontes secretas” dentro do governo para obter informação, pois é muito pouco o que se leva até a opinião pública. Seus problemas repercutiram entre mulheres e especialistas em direitos de saúde, que se reuniram nesta cidade, capital da Malásia, para a terceira conferência anual da Women Deliver (As Mulheres Dão Vida), realizada entre 28 e 30 de maio.

Procedentes de diferentes pontos do planeta, as participantes não tiveram problemas para identificar os objetivos comuns: romper os tabus em matéria de educação sexual e criar um ambiente seguro para ativistas e profissionais da saúde e da educação, para gerar consciência sobre planejamento familiar e relações sexuais seguras.

No Marrocos, país de 32 milhões de habitantes, é proibida a educação sexual nas escolas porque os legisladores acreditam que se trata de um “conceito negativo, destinado a promover a promiscuidade”, afirmou à IPS a ativista Amina Lemrini. As melhorias nos serviços de saúde sexual nesse país são lentas por causa dos tabus que as autoridades religiosas buscam preservar, destacou.

Com um governo que não está disposto a desafiar os clérigos, o trabalho de fornecer serviços de saúde recai totalmente sobre a sociedade civil e, por fim, também as ameaças. Lemrini disse que não conhece nenhum defensor de direitos de saúde reprodutiva que não tenha sofrido uma ameaça, mas o governo não lhes dá nenhuma proteção.

Entre os especialistas que reconhecem o perigo está o diretor-executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Babatunde Osotimehin, que disse à IPS que o fundamentalismo religioso “é, certamente, uma preocupação”, no que diz respeito aos avanços em matéria de saúde sexual. Contudo, ainda assim, pede que os ativistas continuem com seu trabalho. “O fundamentalismo existe em todas as sociedades e em todas as religiões, o que importa é como comunicamos nossa mensagem”, afirmou, destacando que quanto mais gente conhecer seus direitos e opções, menos duvidarão em desafiar as leis e os chamados “tabus culturais”.

Uma rápida passagem pelas estatísticas mundiais basta para confirmar a necessidade de melhorar as comunicações. Segundo o UNFPA, quase 800 mulheres morrem por dia por problemas relacionados com a gravidez. Em um ano, são 350 mil mortes, 99% das quais vivem nos países em desenvolvimento. Os abortos seletivos em função do sexo e o descuido que sofrem as meninas recém-nascidas são responsáveis pela “falta” de 134 milhões de mulheres no mundo.

O UNFPA estima que “milhões de adolescentes” mantêm relações sexuais inseguras e carecem de informação sobre anticoncepcionais. Osotimehin disse que “33% das adolescentes entre 15 e 19 anos não contam com informação sobre planejamento familiar na Etiópia, 38% na Bolívia, 42% no Nepal, 52% no Haiti e 62% em Gana”.

Nyradzayi Gumbonzvanda, diretora da Associação Cristã de Mulheres Jovens, disse à IPS que não é uma opção renunciar à divulgação de questões sobre direitos e saúde sexual e reprodutiva. “Precisamos de um ambiente operacional para os que discutem estes temas”, afirmou. “É preciso proteger a imprensa, não é uma questão de opção. Os governos devem ampliar a cooperação com a mídia e oferecer apoio legal onde não existir”, ressaltou.

Gumbonzvanda acredita que o jornalismo social é uma forma efetiva de mitigar os riscos que representam os fundamentalistas, não só para amplificar as vozes que não são ouvidas, mas também para impulsionar a ação da cidadania. No Egito, onde a população enfrenta as políticas conservadoras do braço político governante da Irmandade Muçulmana, uma rede de jornalistas se concentra em questões de saúde sexual e reprodutiva, o que faz os islâmicos franzirem a sobrancelha.

Ahmed Awadalla, responsável de violência sexual e de gênero da Africa and Middle East Refugee Assistance (Amera), disse à IPS que toda pessoa que fala sobre este assunto corre risco de ser detida, assediada ou ir para a prisão. Isso faz com que a cada dia haja mais blogueiros. As pessoas fogem para o ciberespaço em busca de fóruns seguros para compartilhar informação e ideias. “Quando escrevo sobre os direitos sexuais das mulheres, violo duas normas”, explicou. “Primeiro por falar de um tema proibido e, segundo, por fazê-lo sendo homem. Não se entende que esteja do lado das mulheres”, afirmou este jornalista que está sob muita pressão mas que nada o convencerá a abandonar sua luta.

Os governos da África, América Latina e Ásia devem prestar contas aos doadores, disse Agnes Callamard, diretora-executiva da organização Artigo 19, com sede em Londres, que defende a liberdade de expressão no mundo. “Todos os governos se comprometeram a gastar certa quantia de dinheiro dos fundos de ajuda em saúde sexual”, observou. Pesquisar sobre o fluxo de dinheiro pode servir para pressionar os governos a melhorarem a difusão de informação.

Na verdade,o Grupo de Informação em Reprodução Escolhida (Gire), com sede no México, começou a rastrear a ajuda destinada ao fornecimento de informação sobre saúde sexual e reprodutiva em 2011. “Descobrimos que faltava quase um milhão de dólares”, informou Alma Luz Beltrán y Puga, defensora de direito à informação da Gire. “Iniciamos uma demanda contra o governo. Se for seguido o rastro desta forma em diferentes partes do mundo, poderá haver maior responsabilidade”, enfatizou.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que os países ricos doaram quase US$ 6,4 bilhões para ajudar a fornecer acesso e informação em matéria de saúde reprodutiva nas nações em desenvolvimento. Envolverde/IPS