As exigências feitas ao Enem são ideológicas e não técnicas

Fernando Haddad pôs o dedo na ferida ao considerar que as exigências que alguns promotores e a Justiça têm feito ao Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) têm muito mais aspectos ideológicos que técnicos.

Em nenhum processo seletivo, seja os vestibulares das universidades mais famosas, como os realizados pela Fuvest (USP), Vunesp (Unesp), concursos públicos realizados pela Fundação Carlos Chagas, pela própria Vunesp ou outras instituições, a maioria privadas, o Ministério Público se mobiliza para questionar critérios de correção, exigir devolução de provas para conferência, entre outros.

A argumentação de que os critérios de correção são “subjetivos” é piada. Vários concursos públicos para cargos de nível superior em instituições públicas são feitos com base em questões dissertativas e até incluem redações. Ou ainda concursos para docentes em universidades que incluem “entrevistas” – os critérios não são subjetivos?

E os processos seletivos para ingresso em programas de pós-graduação nas universidades que constam de redação, entrevistas e “análise de projetos”? E muitos programas de pós-graduação sequer divulgam o número de vagas e as notas dos candidatos. Em 2010, houve um processo seletivo para o programa de pós-graduação em serviço social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em que a prova “dissertativa” foi feita em um dia e dois dias depois saiu o resultado dos classificados. Impressionante a capacidade de trabalho dos docentes daquele programa que conseguem, em menos de dois dias, corrigir centenas de provas dissertativas!

Enfim, se houvesse, de fato, uma preocupação do Ministério Público e da Justiça em exigir transparência dos processos seletivos, atuaria ou faria exigências em todos estes casos. Mas o que se vê é quase que uma obsessão com o Enem.

Por que? Será porque ele sinaliza para uma mudança nas formas de ingresso nas universidades, acabando com os famigerados vestibulares que tanto enriquecem fundações privadas e cursinhos pré-vestibulares? Ou porque ele evidencia os problemas do ensino médio e aponta para necessidades de mudança para além do mero preparo para vestibulares? Ou ainda porque ele tem possibilitado o ingresso de estudantes de escolas públicas em universidades públicas por meio do Sisu?

Enfim, toda esta “vigilância” aparente do MP, da mídia e da Justiça em relação ao Enem vai muito além da defesa do interesse público.

* Dennis de Oliveira é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate.

** Publicado originalmente no Blog do Dennis de Oliveira.