Rio de Janeiro, Brasil, 8/7/2013 – As manifestações de rua no Brasil, inicialmente apartidárias, começaram a ganhar as cores de bandeiras de agrupações políticas e sociais de esquerda, que agora tentam orientar a força de um movimento que nasceu como um “enxame” nas redes sociais. Augusto Franco, Fundador da Escola de Redes, definiu o motor que impulsionou o movimento, inicialmente em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, como um enxame, que explicou como uma “manifestação de interação que só pode ocorrer em sociedades altamente conectadas”, com as de Madri e outras cidades espanholas ou na egípcia Praça Tahrir.
Nascidas sob um objetivo pontual, reduzir a tarifa do transporte público, se constituíram nos maiores protestos depois dos registrados em 1992, que culminaram com a renúncia do presidente Fernando Collor. Desta vez começaram com cinco mil jovens e chegaram a mobilizar mais de 1,5 milhão em dez dias. Porém, com características inovadoras, segundo Franco. “Não foram convocadas centralizadamente, não havia liderança, e sim múltiplos líderes emergentes e eventuais. Não se trata de massas convocadas por organizações centralizadas, mas por multidões de pessoas agrupadas de modo distributivo”, pontuou Franco à IPS.
Um enxame sem abelha rainha que agora está em meio a uma “disputa ideológica”, segundo João Pedro Stédile, histórico dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aderiu aos protestos. “Como essa juventude não tem uma organização de massas, as classes sociais começaram um debate ideológico. Disputam as ideias dos jovens para influenciá-los”, afirmou o dirigente em entrevista à IPS. “Por um lado está a burguesia que utilizou o Sistema Globo (multimídia) e outros meios de comunicação para colocar na boca e nos cartazes dos jovens a demanda da direita. E, por outro, a esquerda e a classe trabalhadora, que tentam ir às ruas para colocar suas próprias propostas”, explicou.
Stédile considera que os protestos começaram por uma crise urbana desta etapa do “capitalismo financeiro”. Enumera fatores com a especulação imobiliária, que nos últimos três anos elevou em 150% o preço dos aluguéis e das propriedades, e o estímulo à venda de automóveis, que gerou um trânsito “caótico”, sem investimentos paralelos efetivos em transporte público. “Os jovens não são apolíticos. Estão fazendo a melhor política, que é nas ruas. Mas não estão vinculados a partidos. Sua rejeição não é a ideologia dos partidos, mas seus métodos”, destacou.
O sociólogo Emir Sader apresentou explicações mais subjetivas, como a utopia, a rebeldia e a “saudável falta de respeito em relação às autoridades”, próprias da juventude, e que o adolescente manifestante Rafael Farias definiu para a IPS como “o calor, a intuição, o chamado”, ressaltando que “somos jovens e queremos chamar a atenção”. E foram ouvidos pelos poderes Executivo, Legislativo e Judicial, que já lhes deram respostas conjunturais, como baixar o preço do transporte, criar mecanismos contra a corrupção, destinar mais recursos à saúde e educação e debater uma adiada reforma política.
No entanto, as vozes dos jovens chegaram também aos ouvidos das organizações sociais e do amplo leque de partidos de esquerda, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), base do governo de Dilma Rousseff. O próprio líder partidário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), os exortou a se somarem aos protestos. Segundo Lula, é preciso evitar que a direita se “aproprie” do movimento e “empurrar” o governo para a esquerda, a fim de “aprofundar as mudanças”.
“Não se trata de colocar palavras de ordem nas bocas dos jovens. Eles têm as suas e o simples fato de saírem às ruas e mostrarem sua indignação já é uma contribuição política para toda a sociedade”, opinou Stédile. “O problema é como mobilizar a classe trabalhadora, porque, quando esta se mover, poderá haver mudanças estruturais e afetar os interesses do capital e dos grandes meios de comunicação”, ressaltou. A estratégia já se refletiu nas últimas manifestações com lemas e atores mais diversificados. Desde sindicatos, movimentos pelos direitos da mulher e homossexuais, até camponeses e indígenas.
“Estamos tentando mobilizar a classe trabalhadora e incluir temas que interessam a essa classe e a todo o povo”, explicou o dirigente do MST. São propostos temas adicionais ao fortalecimento do investimento público em saúde e educação, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas, uma reforma tributária que onere os mais ricos e alivie os impostos dos mais pobres, bem como campanhas eleitorais apenas com financiamento público.
Querem reivindicações menos urbanas, como a aceleração da demarcação de terras indígenas e uma reforma agrária. Na agenda dos movimentos sociais há outras pautas, como a suspensão das concessões de mineração e de leilões na área do petróleo. “Em minha opinião, as revoltas têm bases econômicas e sociais”, afirmou Stédile. “Mais do que dar aos jovens uma direção política, é preciso pôr a classe trabalhadora em movimento, ou seja, levar também os pobres e os trabalhadores para as ruas. Este é o desafio”, ressaltou.
Um espaço representativo nas ruas, que perderam na última década de governo de um partido liderado por um dirigente sindical de longa trajetória e prestígio, como Lula, com o qual se identificavam e de quem foram se distanciado. “A esquerda, em geral, também se burocratizou em seus métodos, embora grupos desta tendência da juventude tenham apresentado, em muitas cidades, bastante incidência e conduzido de forma organizada os protestos, pontuou Stédile.
No entanto, Sader, militante do PT, entende que “a esquerda tem que disputar a direção e o sentido deste movimento com orientações claramente populares e democráticas”. É uma estratégia já conhecida na história latino-americana, cuja efetividade é duvidosa para alguns analistas e tem a aposta de outros.
“Este movimento tem uma agenda crescentemente plural. É um grito de basta. Embora grupos políticos específicos tentem capitalizar o movimento, ainda falta ver o resultado”, disse à IPS o historiador Marcelo Carreiro. Por sua vez, o economista Adhemar Mineiro afirmou “que o governo estará em bom caminho se sair dos trilhos aos quais retornou com o velho discurso de ajuste e competitividade e se dirigir às massas que estão nas ruas para debater um novo modelo de desenvolvimento”.
O poder de convocação dos sindicatos e organizações sociais será sentido no dia 11em sua “jornada nacional de luta e paralisação”. “Constatamos que os meios de comunicação e setores conservadores e de direita tentam influenciar as mobilizações com objetivos alheios aos interesses da maioria do povo brasileiro”, afirmou a Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma das 77 organizações que convocam a manifestação. Por isso, é “de fundamental importância a participação organizada da classe trabalhadora neste novo cenário, para encontrar uma saída positiva para essa situação”, enfatizou. Envolverde/IPS