Cidade do México, México, 21/12/2012 – A indústria têxtil mexicana, em particular a que elabora produtos para grandes marcas de prestígio mundial, é acusada de inundar rios e outros cursos de água com resíduos contendo substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente. Esta situação, apesar de ser denunciada, continua sendo negada, afirmam ativistas.
Praticamente a totalidade da roupa feita nas grandes fábricas do país “contém substâncias químicas perigosas”, assegurou à IPS o coordenador da campanha Tóxicos, do capítulo mexicano do Greenpeace, Pierre Terras. “São amplamente usadas, o que é preocupante. Não sabemos o quanto pode ser perigosa sua exposição, mas quando liberadas na água se tornam ativas e se convertem em tóxicas”, acrescentou.
Em seu informe Fios tóxicos: Desnudados. Expondo o papel da indústria têxtil na contaminação dos rios do México, o Greenpeace indica que as têxteis nacionais Lavamex, do Grupo Inisa, e Kaltex, filial do consórcio de mesmo nome, lançam poluição no São Pedro e no São João, dois cursos fluviais que atravessam os Estados de Aguascalientes e Querétaro, ao norte da Cidade do México. A Inisa e a Kaltex são fornecedoras de redes globais de vestuário, com as norte-americanas Levi Strauss e Nike, a germano-holandesa C&A e a francesa LVMH, além de produzir, tingir e lavar tecidos neste país.
“Muitas das substâncias químicas identificadas são usadas na produção das fábricas têxteis, ou são criadas como resultado da decomposição das substâncias químicas usadas no processamento”, diz o documento, precedido por cinco estudos sobre descargas e usos de substâncias perigosas neste setor da economia e no de calçados, na China e em outros países. O documento sobre o México, divulgado no dia 5, afirma que se desconhece o alcance da contaminação e que a regulação é limitada e desobedecida.
A partir de 1994, instalaram-se no México dezenas de unidades de “maquiagem” (zona franca de fábricas para exportação), atraídas pelos baixos salários e custos para abastecer os mercados dos Estados Unidos e do Canadá, no contexto do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, assinado pelos três países naquele ano. Esse tipo de indústria, que goza de isenções de impostos, baixas tarifas de água e eletricidade, e flexibilidade trabalhista, se dedicam especialmente à produção de roupa e montagem de automóveis e aparelhos eletrônicos.
As indústrias têxteis nestas áreas empregam mais de 500 mil pessoas na confecção de camisetas, calças jeans e outras peças com algodão rústico, para exportá-las aos Estados Unidos, de quem o México é o quarto fornecedor de tecidos e vestuário, segundo a Associação da Indústria Maquiadora e de Exportação. Desde outubro de 2011, o México exportou US$ 4,684 bilhões em roupas e tecidos para os Estados Unidos, segundo o Escritório de Vestuário e Têxteis do Ministério de Comércio norte-americano.
“Há uma enorme quantidade de descargas clandestinas. As que mais acontecem são as das indústrias e as do ‘rastro’ (instalação onde se mata e corta gado). Temos uma contaminação brutal. Não são aplicadas as normas. É incrível a negação do problema”, disse à IPS a ativista Enriqueta Medellín, fundadora em 1992 da não governamental Consciência Ecológica de Aguascalientes.
O Greenpeace coletou amostras dos lançamentos em maio, as quais analisou nos laboratórios da britânica Universidade de Exceter, e que apresentaram a presença de restos químicos como nonilfenol, benzenos triclorados e ftalatos, usados na produção de detergentes, resinas e plásticos. As normas mexicanas para descarga de águas residuais se baseiem em níveis permissíveis de oito indicadores de qualidade de água e concentrações de nove metais pesados. No entanto, não medem outras substâncias e falta regulação para as águas coloridas, como as lançadas pelas maquiadoras.
Em resposta à IPS, a Lavamex respondeu via e-mail que “se orgulha de ser um cidadão (sic) responsável com o meio ambiente e de trabalhar diligentemente com o governo, seus clientes e grupos de monitoramento para garantir que se cumpra, e até se exceda, os padrões” ambientais. Por sua vez, a Kaltex, que já se estendeu para Estados Unidos, América do Sul e Europa, negou-se a comentar a questão para a IPS.
Cerca de 60 casos de contaminação da água, superexploração de aquíferos e dificuldades de acesso ao líquido no México chegaram ao Tribunal Latino-Americano da Água, instância da sociedade civil criada em 2001 para julgar as políticas hídricas aplicadas pelos Estados. “Deveria ser declarada uma urgência nacional pela água. As políticas de desenvolvimento colocam em risco a riqueza hídrica”, afirmou o presidente do Tribunal, o costarriquenho Javier Bogantes.
Na semana passada, essa entidade considerou culpados a Cidade do México e o país como tal, pela “violação dos tratados internacionais e do ordenamento jurídico interno, que garantem o direito à água” e pela incapacidade das autoridades “para estabelecer mecanismos efetivos de acesso à justiça ambiental”. O tribunal, que analisou o expediente “Possível colapso hídrico no México e violação do direito humano à água de suas presentes e futuras gerações”, apresentado pela não governamental Assembleia Nacional de Afetados Ambientais, reconhece “a crescente deterioração do direito humano à água” e “a insuficiência dos mecanismos jurídicos e políticos” para freá-la.
O Greenpeace tenta conseguir que as marcas internacionais de grande prestígio exijam padrões ambientais das maquiadoras mexicanas. “A primeira resposta é da marca que compra desses fornecedores, porque tem a capacidade de mudar a cadeia de suprimentos para garantir aos seus clientes produtos sem tóxicos e sem contaminação”, destacou Terras.
Seis marcas de moda e roupa esportiva uniram-se ao desafio Detox, que o Greenpeace, que já realizou uma campanha mundial para que Levi Strauss também se integre, lançou em 2011 mediante compromissos individuais para alcançar o lançamento zero de substâncias perigosas até 2020. Além disso, a organização pede ao governo mexicano que liste as substâncias químicas perigosas para exercer ações imediatas e um registro público sobre os lançamentos, as emissões e os vazamentos desses compostos.
Em sua sentença, o Tribunal, que se reunirá novamente em outubro de 2013 na cidade de Lima, sugeriu defender as leis e políticas para o acesso à água e rever o sistema de procuração de justiça ambiental. Envolverde/IPS