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Aumenta a indignação pelo racismo na Índia

Uma fotografia de Nido Taniam, assassinado em um ataque racista, exibida em Arunachal Bhawan, em Nova Délhi. Foto: Bijoyeta Das/IPS
Uma fotografia de Nido Taniam, assassinado em um ataque racista, exibida em Arunachal Bhawan, em Nova Délhi. Foto: Bijoyeta Das/IPS

 

Nova Délhi, Índia, 26/3/2014 – L. Jino, de 27 anos, mantém viva a lembrança da véspera de Natal há quatro anos, no centro comercial de Connaught Place, na capital da Índia: luzes cintilantes, a multidão, o frio de inverno… e o gosto salgado de suas lágrimas. Ela acabava de chegar a Nova Délhi; vinha de sua casa no Estado indiano de Manipur. “Estava tão emocionada… mas, de repente, um grupo de homens me cercou. ‘Quanto cobra por uma noite?’, perguntaram. Gritei para irem embora, mas beliscaram minha bochecha e passaram a mão na minha bunda”, contou à IPS.

Outros riram, alguns gargalharam. Uns poucos tiraram fotos com seus telefones celulares. “Chinki, chinki”, continuaram gritando enquanto ela fugia para uma estação do metrô. Chinki é uma referência ofensiva aos traços asiáticos que possuem muitas pessoas do nordeste da Índia. Jino é uma das milhares de jovens que a cada ano emigram dos oito Estados do nordeste para Nova Délhi, Mumbai, Bangalore, Pune e outras cidades em busca de “educação superior e melhores oportunidades”.

Jino trabalha em um centro de terceirização de processos empresariais em Gurgaon, cidade satélite da capital indiana. “Já basta. Todos os dias nos chamam de chinki, nos atacam e nos assediam. O que é isso? Só discriminação e racismo?”, perguntou. Segundo ativistas e grupos estudantis, as pessoas do nordeste vivem experiências terríveis em toda a Índia. Há anos são vítimas de ofensas verbais, difamação, piadas, ataques físicos e sexuais, além de fraudes por parte de empregadores e proprietários de terras.

As coisas atingiram seu ponto mais crítico em janeiro deste ano, quando assassinaram Nido Taniam, de 19 anos, filho de um legislador do Estado de Arunachal Pradesh, no nordeste do país. Estudante do Estado de Punjab, Taniam estava visitando Nova Délhi. Havia parado em uma loja para perguntar sobre o caminho a seguir, quando os que trabalhavam no local brincaram com seu cabelo tingido de ruivo. Isto levou a uma briga na qual foi seriamente atacado. No dia seguinte, morreu.

Sua morte causou protestos generalizados em toda a Índia. Muitos da comunidade do nordeste agora fazem campanha pela aprovação de uma lei antirracismo que puna os crimes de ódio. Em fevereiro foi criado o Fórum da Índia Oriental Contra o Racismo (Neifar). Seu porta-voz, Phurpa Tsering, disse à IPS que foi aceita a demanda da entidade por um trâmite rápido em todos os casos pendentes de crimes de ódio. “No longo prazo queremos uma exaustiva lei antirracismo, porque a maioria dos indianos, incluindo o governo, nega que exista racismo”, disse Tsering, natural de Arunachal Pradesh e que estuda na universidade Jawaharlal Nehru de Nova Délhi.

Nos últimos tempos uma série de ataques contra pessoas procedentes do nordeste da Índia geraram descontentamento. Os manifestantes dizem que os habitantes do nordeste são vítimas de estereótipos. As mulheres são acusadas de terem moral duvidosa e de estarem sempre sexualmente disponíveis, enquanto os homens são considerados “bons para nada”, viciados ou insurgentes.

Ao redor de 86% das pessoas do nordeste que vivem em Nova Délhi sofrem discriminação, segundo investigação da Linha de Ajuda e Centro de Apoio ao Nordeste, com sede em Nova Délhi. Alana Golmei, sua fundadora, pontuou que recebe entre 20 e 30 telefonemas por mês, e que a maioria se queixa de que não recebe seus salários e que são vítimas de ataques.

“Nos tornamos imunes a que nos chamem de chinki, momo, bahaduries, nepaleses, chow-chow, king-kong”, todos termos que se referem à sua aparência física, explicou Golmei. Quando ela chama empregadores e proprietários de terra para negociar, eles dizem que é uma estranha. “Uma rígida lei antirracista nos daria maios poder de negociação”, afirmou.

Em 2012, o Ministério de Assuntos Internos emitiu uma diretriz para punir quem chamasse de chinki uma pessoa oriunda do nordeste, com até cinco anos de prisão segundo a lei de proteção a “castas e tribos desfavorecidas”, que são alguns dos setores mais marginalizados socialmente na Índia. Mas Golmei afirma que essa disposição terá poucos resultados: até agora não houve nenhuma condenação. No nordeste muitos não estão categorizados como castas ou tribos desfavorecidas, argumentou.

Sanjoy Hazarika, diretor do Centro para Estudos e Pesquisas Políticas sobre o Nordeste, na universidade Jamia Millia Islamia de Nova Délhi, prefere enfocar esforços em que esta mesma diretriz se amplie. “É difícil fazer novas leis e também conseguir que sejam aprovadas”, explicou à IPS. Hazarika, que procede de Assam, no nordeste, ressaltou à IPS que “queremos incluir todos no país, e todos os casos de discriminação com base na aparência, no idioma, no gênero, na alimentação e no vestuário”.

A Índia assinou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1967. Contudo, o jornal The Washington Post, dos Estados Unidos, publicou um infográfico que usou dados do World Values Survey para mostrar que Índia e Jordânia são os países com maior intolerância racial. Às pessoas do nordeste também se nega o acesso a bens e serviços, apontou Kadambari Gladding, porta-voz do escritório indiano da Anistia Internacional. “Não ser discriminado não é uma concessão, mas um direito”, enfatizou.

Em lugar de uma lei para toda Índia, o Neifar defende uma legislação específica para o nordeste, que desencoraje ataques racistas contra quem tenha traços do leste asiático, e inclua ações afirmativas, como tratamento preferencial, e campanhas de conscientização, sensibilização da polícia e inclusão da história do nordeste nos livros escolares.

Atualmente, o Neifar pesquisa as leis antirracismo de outros países, particularmente da Bolívia, para impulsionar um modelo que se adapte à Índia, disse Id Gil, natural de Manipur que estuda em Nova Délhi e trabalha para o Fórum. “Cada comentário racial tem o potencial de matar alguém, como vimos no caso de Nido”, destacou à IPS. Envolverde/IPS