Katmandu, Nepal, 16/10/2012 – Ativistas do Nepal concordam que uma das razões pelas quais este país da Ásia não conseguirá a igualdade de gênero, um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), é a vigência do casamento precoce. A legislação nepalesa fixa em 20 anos a idade mínima para o matrimônio para os dois sexos, mas dados do Ministério da Saúde e de População mostram que pelo menos 23% das nepalesas se casam entre os 15 e 19 anos.
“É preciso acabar com o casamento precoce porque afeta não só a educação das jovens, mas também sua saúde”, disse à IPS o especialista em educação Sumon Tuladhar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O segundo ODM promove a educação primária universal, e o terceiro a igualdade de gênero e poder às mulheres. Os casamentos precoces também afetam o quarto objetivo, sobre redução da mortalidade infantil, e o quinto, dirigido a melhorar a saúde materna.
“Devemos exercer uma forte pressão contra o casamento precoce, mas este não é impedido pelo deficiente sistema para controlar o respeito às leis vigentes”, disse à IPS a subdiretora-geral do Departamento de Educação, Dibya Dawadi. De todo modo, as organizações não governamentais apontam a inutilidade das leis para ir ao fundo do problema.
“Colocar na prisão uma mãe não serve para nada, pois é muito possível que tenha outros filhos pequenos e ninguém que os proteja e alimente”, disse à IPS a especialista Helen Sherpa, da organização internacional World Education. Os ativistas acreditam que é preciso atacar a raiz do fenômeno: as dificuldades econômicas. As filhas representam uma ajuda valiosa no lar e nas terras em zonas rurais. “Nosso maior desafio é a atitude da família para a educação das meninas”, disse Dawadi.
Muitas famílias do campo entregam em casamento suas filhas com idades entre 11 e 13 anos porque quanto mais velhas, maior o dote pedido pelo noivo. A Kamala Chepang casou aos 13 anos porque seus pais não podiam pagar a educação de todos os filhos. “Vejo meus irmãos pequenos na escola e fico contente”, disse Kamala à IPS, na isolada aldeia de Shaktikhor, no distrito de Chitwan, 300 quilômetros a sudoeste de Katmandu.
Milhares de meninas como Kamala, em especial das comunidades mais marginalizadas como Chepang, não podem continuar seus estudos por causa da pobreza, das barreiras sociais e da falta de escolas em zonas rurais de difícil acesso. O costume de mandar as meninas casadas para a casa dos maridos mudou. A maioria fica agora com sua mãe até completar 16 anos, mas sua vida se transforma drasticamente depois do casamento e dificilmente voltam à escola.
“Depois que casam, raramente voltam à escola, e se o fazem seu rendimento é muito baixo”, disse Tuladhar. “O casamento precoce prejudica a confiança nelas mesmas”, acrescentou. Segundo o Unicef, 51% dos nepaleses se casaram ainda menores de idade. A pesquisa de demografia e saúde realizada neste país em 2006 mostra que 60% das mulheres entre 20 e 49 anos já estavam casadas quando completaram 18 anos.
O Nepal não tem bons índices em matéria de gênero. Em 2011, este país ocupou o 126º lugar entre os 135 do índice global de disparidade de gêneros, do Fórum Econômico Mundial. “O casamento precoce muda as opções de vida de uma menina porque seus pais já não querem investir “na propriedade de outro”, explicou Kaman Singh Chepang, ativista da Associação Chepang do Nepal.
A extrema pobreza e a falta de iniciativas estatais para favorecer a escolarização feminina, entre outros fatores mencionados por Chepang, explicam a situação das meninas no Nepal, onde mais da metade dos 30 milhões de habitantes sobrevivem com menos de US$ 1,25 por dia. Chepang acredita que para acabar com o casamento precoce é preciso uma estreita coordenação entre diferentes setores estatais, além de priorizar a escolarização básica. “Mas o governo não está preparado”, afirmou.
Nas aldeias isoladas, as meninas devem caminhar horas para chegar à escola, e quando regressam para casa estão tão cansadas que não conseguem fazer os deveres. Então, abandonam os estudos e ajudam os país enquanto esperam ser entregues em matrimonio.
O casamento precoce não só priva as meninas de educação como as deixa vulneráveis ao ciclo de discriminação, violência doméstica e abuso. A obrigação de ter filhos tão logo chegam à puberdade representa um risco para elas e seus bebês, destacam ativistas. “O casamento precoce é uma negação extrema dos direitos das crianças. Muitas meninas também sofrem abusos no casamento, pois se casam com homens mais velhos”, disse Sherpa, da organização World Education. Envolverde/IPS