Santiago, Chile, 11/6/2014 – O governo do Chile rechaçou definitivamente, ontem, o polêmico projeto de HidroAysén, para a construção de cinco hidrelétricas no sul do país, após anos de luta de grupos ambientalistas e comunidades afetadas, que alertaram o mundo sobre as consequências destrutivas para a Patagônia.
“É um dia histórico”, disse à IPS o coordenador internacional da campanha Patagônia Sem Represas, Juan Pablo Orrego, ao saber da decisão. “Me emociona o fato de a cidadania, porque esta é uma vitória dela, ter conseguido finalmente inspirar um governo a fazer o correto diante de um projeto gigante”, acrescentou.
A determinação foi tomada pelo comitê de ministros do governo da presidente socialista Michelle Bachelet, que se reuniu por três horas antes de divulgar sua decisão. O comitê, composto pelos ministros de Meio Ambiente, Energia, Agricultura, Mineração, Economia e Saúde, acolheu de forma unânime as 35 queixas apresentadas contra o projeto. Delas, 34 foram introduzidas por comunidades e opositores à iniciativa e a restante pela própria empresa envolvida.
A resolução demorou seis anos para chegar, após várias batalhas judiciais, e o anúncio fez as pessoas irem à rua na Patagônia para comemorar.
“Este comitê de ministros decidiu acolher os recursos de reclamação apresentados pela comunidade, pela cidadania, e deixar sem efeito a resolução de qualificação ambiental do projeto HidroAysén e neste ato administrativo irrecorrível se declara rejeitado o projeto hidrelétrico”, destacou o ministro do Meio Ambiente, Pablo Badenier.
A empresa, propriedade da firma italiana Endesa-Enel (com 51% das ações) e da chilena Colbún, tem 30 dias para apelar da resolução, perante um tribunal ambiental de Valdivia, no sul do país. Bachelet havia antecipado a rejeição de seu governo ao projeto durante sua campanha eleitoral para ser reeleita, quando afirmou que o projeto não era viável.
Em maio, ao divulgar sua Agenda Energética, antecipou que incentivaria as energias renováveis não convencionais e o uso do gás natural, em contraste com o plano do presidente Sebastián Piñera (2010-2014), que a sucedeu e antecedeu no cargo e que apostava na hidrelétrica.
O complexo HidroAysén foi apresentado em agosto de 2007, e pretendia a construção de cinco grandes centrais hidrelétricas nos rios Baker e Pascua, na Patagônia chilena. Já no ano seguinte, 32 dos 34 serviços públicos chamados a se pronunciar sobre o projeto foram contra.
A austral zona de Aysén, onde aconteceria a obra, cerca de 1.600 quilômetros ao sul de Santiago, é considerada pelos ambientalistas patrimônio natural da humanidade por sua vasta biodiversidade. Também é uma das maiores reservas de água doce do planeta.
O projeto contemplava a construção das centrais em uma área de 5.910 hectares e prometia uma capacidade total de geração de 2.750 megawatts (MW), que seriam entregues ao Sistema Interconectado Central (SIC). O Chile tem capacidade instalada de 17 mil MW: 74% estão no SIC, 25% no Sistema Interconectado Norte Grande (SING) e o restante em redes médias das regiões austrais de Aysén e Magalhães. A proposta também incluía uma linha de transmissão de 1.912 quilômetros, a maior do mundo, que passaria por nove das 15 regiões do Chile e 66 municípios.
O ministro da energia, Máximo Pacheco, afirmou que o projeto HidroAysén “sofre de falhas importantes em sua execução, ao não tratar com o devido cuidado e atenção os aspectos relacionados com as pessoas que aí vivem”. Acrescentou que como ministro da energia “votou com total tranquilidade e total clareza em relação a este projeto”. Também afirmou que a “decisão tomada hoje em nada compromete a política energética que desenhamos na Agenda Energética, pois se refere especificamente a um projeto”.
Para o ambientalista Orrego, com a decisão do comitê “se insinua o fim da era dos megaprojetos energéticos, termoelétricos e hidrelétricos, uma era que nos países desenvolvidos terminou há muito tempo”.
O Chile importa 97% dos hidrocarbonos que precisa e sua matriz energética é composta em 40% de hidroeletricidade e o restante por combustíveis fósseis e contaminantes, das centrais termoelétricas. A carência de fontes energéticas coloca o preço de produção de um megawatt/hora entre os mais caros da América Latina, com custo que supera os US$ 160. A mesma medida custa US$ 55 no Peru, US$ 40 na Colômbia e US$ 10 na Argentina.
O diretor-executivo da Associação Sindical de Empresas Elétricas, Rodrigo Castillo, disse ontem que esta resolução “se refere a um projeto em particular e não à impossibilidade futura de explorar os recursos hidrológicos do sul do Chile”. René Muga, por sua vez, da organização Geradores do Chile, assegurou que o projeto HidroAysén representa 40% da energia que o país necessita para os próximos dez anos, equivalente, segundo seus dados, ao que forneceriam sete ou oito centrais a carvão. “Essa energia realmente é necessária”, afirmou.
Orrego disse que a decisão do governo pode lhe causar “consequências políticas muito fortes. É um movimento corajoso”, afirmou, mas “inspirado pela cidadania, disso não temos dúvidas. São muitos anos de luta, que culminam com esta vitória ressonante da cidadania”, afirmou. A campanha Patagônia Sem Represas, impulsionada por um grupo de organizações ambientalistas e da sociedade civil, encabeçadas por Orrego e pela reconhecida ambientalista Sara Larraín, venceu fronteiras e conseguiu mobilizar um país inteiro contra o projeto HidroAysén.
Segundo as pesquisas, 74% dos chilenos entrevistados são contra o projeto e no começo de 2011 mais de cem mil pessoas fizeram uma marcha contra o HidroAysén, mobilização que abriu as portas para que outros, como o movimento estudantil, tomassem as ruas para apresentarem suas próprias exigências. Orrego, ecologista e ganhador do prêmio Right Livehood Awards Foundation 1998, “agradeceu ao Chile, porque essa campanha foi feita por todo o país”. Também reconheceu a participação de “aliados” em vários países do mundo, como Itália, Espanha, Bélgica e Argentina, entre outros.
Na região de Aysén os críticos do projeto aguardaram no cinema local a decisão do comitê ministerial e depois saíram à rua de Coyhaique, a capital, para comemorar.
Patricio Segura, da Coalizão Cidadania Aysén Reserva de Vida, disse à IPS que a decisão governamental “é o que corresponde em termos de sustentabilidade e de construir a matriz energética que merecemos como país”. Acrescentou que “esperávamos que fosse cumprido o compromisso político da presidente Michelle Bachelet, mas também com o dever de rejeitar um projeto irregular que avançou na base do lobby e das pressões”, acrescentou.
Segura reconheceu que o projeto “gerou uma polarização impressionante na região de Aysén” e ressaltou que “não foi colocado nem um tijolo e, no entanto, tiveram impacto na divisão dos habitantes de Aysén”. Assim, afirmou, esta decisão estabelece as bases para que em Aysén “nos sentemos para discutir o que realmente importa que é Aysén Reserva de Vida”. “Agora devemos discutir sobre uma matriz energética soberana e sustentável para a região, incluindo seus recursos hídricos e a energia eólica abundantes”, acrescentou. Envolverde/IPS