Bhubaneswar, Índia, 8/10/2012 – A 11ª Conferência das Partes do Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD) começa hoje e vai até o dia 19, em meio a uma “tragédia dos bens comuns”: a veloz perda de espécies em florestas, oceanos e terras agrícolas indígenas. Espera-se que dez mil pessoas participem da Conferência, ou COP 11, que adotou o lema “A natureza protege se está protegida” e acontecerá em Hyderabad, um centro de tecnologias da informação no sul da Índia.
Em duas semanas, os 193 países-membros do CDB avaliarão se houve avanço em converter as metas de Aichi – adotadas na COP 10 da cidade japonesa de Nagoya em 2010 – em planos de ação e estratégias nacionais de biodiversidade e abordarão a questão do dinheiro necessário para cumpri-los. Com tanto em jogo, ao secretário-executivo da CDB, o brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias, sobram preocupações.
Com três décadas de experiência que combinam a formação científica e um amplo currículo como negociador de temas de biodiversidade, Dias conversou com a IPS sobre suas expectativas diante da conferência.
IPS: Por que os governos não cumprem suas obrigações de frear a rápida perda de biodiversidade?
Bráulio Ferreira de Souza Dias: Em 2010 o informe Perspectiva Mundial sobre a Biodiversidade 3” afirmava que estávamos avançando pouco na implantação de medidas, e que os principais agentes da perda de diversidade biológica continuavam sendo poderosos. As políticas nacionais ainda promovem a mudança do uso do solo, degradando ecossistemas para potencializar a produção insustentável de alimentos (inclusive os procedentes dos oceanos) e de energia. A mudança climática e a acidificação oceânica exacerbam esta situação. Apesar de vermos um compromisso maior dos governos e da sociedade civil sobre a necessidade de proteger a natureza e potencializar a conservação, os compromissos ainda não coincidem com a verdadeira ação.
IPS: As áreas mais exploradas e as que apresentam a máxima perda de biodiversidade são os bens comunitários. Como corrigir esse fenômeno?
BFSD: A sobrepesca é um exemplo clássico da tragédia dos bens comuns, e a perda de biodiversidade nos oceanos se torna cada vez mais evidente. Um dos objetivos de Nagoya foi que os países reformassem instrumentos econômicos que têm impacto negativo na biodiversidade e nos ecossistemas. Na maioria dos países, a pesca insustentável é promovida pelos subsídios ao combustível e à formação de frotas pesqueiras. Precisamos eliminar essas subvenções e utilizar esses fundos para promover meios alternativos de sustento para os pescadores, por exemplo, e também criar áreas de exclusão temporárias, para que as espécies esgotadas se refaçam. Sabemos o que é preciso fazer para mudar a situação atual. Lamentavelmente, as políticas e os instrumentos econômicos ainda promovem o modelo de deixar tudo como está, que torna impossível a sustentabilidade.
IPS: Pode-se orquestrar um sistema legal para proteger as práticas tradicionais indígenas dos danos que as patentes podem lhes causar?
BFSD: É o que esperamos. Depois de muitos anos de negociações muito difíceis, a CBD foi essencial para chegar em 2010 ao Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Participação dos Benefícios, que introduziu este conceito de compartilhar os ganhos com aqueles que custodiam a biodiversidade, essencialmente comunidades indígenas de países em desenvolvimento. Previamente, Índia, Brasil e Austrália implantaram regras nacionais para o acesso e a participação nos benefícios que iam contra a biopirataria. O fato é que a maioria das empresas dos países industrializados não se sentiu obrigada a cumprir essas leis, porque não havia em vigor nenhuma norma mundial (que assim o estabelecesse).
IPS: Quanto falta para que a quantidade necessária de países ratifique o Protocolo de Nagoya e permita sua entrada em vigor?
BFSD: Necessitamos que no mínimo de 50 das 193 partes da CBD ratifiquem esse protocolo para que ganhe status legal. Temos 92 assinaturas, mas apenas cinco países completaram as formalidades requeridas para ratificá-lo. Segundo nossa informação, é provável que outros 12 o ratifiquem até o final deste ano. Porém, com isso chegaremos a apenas um terço do necessário. Espero que na COP 12, em 2014, consigamos as que faltam. Atualmente, nossa ênfase está em conscientizar, criar capacidade e efetuar consultas com diferentes setores, como saúde, agricultura e biotecnologia, para que os governos tenham toda a informação que necessitarem para ratificar o Protocolo e para promover as mudanças internas necessárias.
IPS: Nesse ínterim, que outros mecanismos os governos podem adotar de imediato para frear o alarmante desaparecimento de espécies e proteger as comunidades locais?
BFSD: Um mecanismo é a área protegida. Em muitos países os governos as estabelecem e as controlam. A CBD reconhece que também podemos ter áreas protegidas supervisionadas pelas comunidades, que sejam plenamente reconhecidas e apoiadas com financiamento das autoridades nacionais. Este é um processo participativo desejável, que promove a igualdade socioeconômica e tem um resultado totalmente positivo de potencializar a conservação da biodiversidade e o sustento das comunidades locais. A Namíbia já executou 70 desses acordos formais de conservação com comunidades locais. Bolívia, Austrália, Brasil e México também têm historias de sucesso. Na COP 11, a CDB apresentará um estudo que reúne experiências positivas ao longo de um dia inteiro de debates para incentivar os países a adotarem este instrumento.
IPS: Que papel atribui às mulheres na preservação da biodiversidade?
BFSD: As mulheres, especialmente nas comunidades indígenas, provêm de alimentos as famílias, criam os filhos e são as guardiãs de uma relação tradicional com a natureza, bem como do conhecimento coletivo sobre sistemas de produção alimentar. É muito importante garantirmos que se conte com esse conhecimento para um melhor manejo da conservação, reconhecendo o papel feminino e incentivando sua participação na tomada de decisões. Envolverde/IPS