Rio de Janeiro, Brasil, 14/4/2014 – A pressão para aprontar a tempo os 12 estádios brasileiros, onde será disputada a partir de junho a Copa Mundial da Fifa, impõe jornadas extenuantes, de até 18 horas, e amplia o risco de acidentes e mortes. Nove trabalhadores já morreram nas obras, sete por acidentes e dois por parada cardíaca.
O último caso fatal ocorreu no dia 29 de março na Arena Corinthians (Itaquerão), em São Paulo. Fábio Hamilton da Cruz, de 23 anos, morreu ao cair de uma altura de oito metros, quando trabalhava na montagem das arquibancadas. Sua morte causou a paralisação parcial das obras pela justiça, que exigia que a empresa demonstrasse ter corrigido as falhas de segurança. Mas, no dia 7, o Ministério do Trabalho autorizou o reinício dos trabalhos, pois o estádio deve estar pronto para a abertura do Mundial, no dia 12 de junho.
No dia 7 de fevereiro, o português Antônio José Pita Martins, de 55 anos, morreu quando uma peça que desmontava em um guindaste caiu sobre sua cabeça, no estádio Arena da Amazônia, na cidade de Manaus. Nessa obra já havia falecido Marcleudo de Melo Ferreira, de 22 anos, no dia 14 de dezembro, ao cair de uma altura de 35 metros, quando rompeu uma corda, isso às quatro horas da manhã.
Nesse mesmo dia, ao lado do estádio, morreu de infarto José Antônio da Silva Nascimento, de 49 anos, enquanto trabalhava na construção do Centro de Convenções do Amazonas, que integra o complexo preparado para o Mundial. Sua família se queixou das condições de trabalho e das jornadas “de domingo a domingo”. No dia 28 de março de 2013, havia falecido um quarto operário na Arena da Amazônia, Raimundo Nonato Lima da Costa, de 49 anos, por traumatismo craniano após cair de uma altura de cinco metros.
Em São Paulo, no dia 27 de novembro do ano passado, morreram outros dois operários, Fábio Luiz Pereira, de 42 anos, e Ronaldo Oliveira dos Santos, de 44, quando caiu um guindaste no Itaquerão. Uma parada cardiorrespiratória acabou com a vida de Abel de Oliveira, de 55 anos, dia 19 de julho de 2012. Ele se sentiu mal enquanto trabalhava na construção do Minas Arena (Mineirão). O primeiro acidente fatal das obras para a Copa Fifa (Federação Internacional de Futebol) ocorreu em 11 de junho de 2012, quando José Afonso de Oliveira Rodrigues, de 21 anos, caiu de uma estrutura de 30 metros de altura no Estádio Nacional de Brasília.
“O governo pressiona as empresas e essas descarregam nos operários que estão pagando com suas vidas”, disse à IPS Antonio de Souza Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP) e deputado estadual pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi uma “irresponsabilidade” atrasar as obras para depois, “com a data em cima, matar os trabalhadores com jornadas extenuantes de até 18 horas por dia”, afirmou Ramalho.
“Os males da Copa deixarão sequelas por muitos anos. Não podemos aceitar acidentes, são algo criminoso”, acrescentou Ramalho. Segundo o sindicalista, a queda do guindaste que matou dois operários em São Paulo foi antecipada pelos trabalhadores. Na área onde se constrói o Itaquerão se preencheu um canteiro apressadamente para sustentar o guindaste que transporta as peças da estrutura que cobre o estádio, quando era necessário construir uma base de cimento armado, explicou.
“Os próprios trabalhadores e os engenheiros de segurança alertaram que isso era inseguro. Sabemos que foi a pressa, pois fazer a base de cimento exigiria 60 dias e tinha seu custo. Preferiram improvisar”, ressaltou Ramalho. Vários meses depois dessas mortes, se desconhece o resultado da perícia técnica. Em dezembro, o Ministério do Trabalho e a construtora Odebrecht assinaram um compromisso de ajuste de conduta que impede os operários dos guindastes de fazerem hora extra ou trabalhar de noite. A jornada dos demais trabalhadores deve ser de sete horas e meia, mais uma hora de almoço, e só podem fazer duas horas extras por dia.
Segundo Ramalho, o acordo “não é cumprido”. O sindicalista informou que “apresentei uma denúncia para que a polícia investigue. Estamos vivendo uma enorme insegurança jurídica”. Uma das principais irregularidades das obras em São Paulo está nos contratos chave na mão, pelos quais se paga ao trabalhador por um serviço específico feito em um determinado prazo. “Ao se pagar por tarefa realizada, evita-se as leis trabalhistas que preveem encargos sociais. Todos sabem, mas não há como provar”, lamentou Ramalho.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Amazonas (Sinduscon-AM), Eduardo Lopes, disse à IPS que “o risco é inerente à construção, mas a corrida para entregar as obras gera um perigo muito maior, sem dúvida”. Porém, “nos dois acidentes fatais na Arena da Amazônia as vítimas usavam o equipamento de segurança. Foi imprudência dos trabalhadores que descumpriram as normas e entraram em áreas restritas”, ressaltou.
O certo é que, quando o cronograma aperta, a prevenção passa a segundo plano, admitiu o engenheiro mecânico e de segurança no trabalho Jaques Sherique, do Conselho de Engenharia do Rio de Janeiro. Na remodelação do Maracanã, concluída em abril de 2013, não houve mortos, mas vários feridos, a maioria por descarte inadequado de materiais e cortes por manipulação e sobrecarga, sem contar as longas jornadas de trabalho, inclusive noturnas. “A obra termina e o trabalhador fica doente depois. Quando o estádio fica pronto e bonito, a população de operários sai esmagada, esgotada e estressada”, apontou.
A construção civil é o setor que mais gera empregos no Brasil, com 3,12 milhões de novos postos em 2013, mas também é onde mais aumentam os acidentes. Em 2010, foram registrados 55 mil e, em 2012, 62 mil, aumento de 12%, segundo o Ministério do Trabalho. Segundo dados recopilados pelo Sintracon-SP, só em São Paulo quintuplicaram os acidentes de trabalho na construção nos últimos dois anos. Em 2012, foram 1.386 e 7.133 no ano seguinte.
Nas obras para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, na Rússia, morreram mais de 60 operários, segundo a Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira. Nas das Olimpíadas de Londres 2012 não houve mortes. “Muitas vezes os operários se alegram quando sofrem um acidente porque vão para casa descansar. E os que resistem desenvolverão doenças mais tarde”, observou o engenheiro Sherique.
É um paradoxo, mas as doenças trabalhistas que ganham protagonismo nesse setor são os distúrbios mentais ou psicossociais, destacou Sherique. “É um legado perverso e sub-registrado”, a parte submersa do iceberg da segurança do trabalho: as doenças adquiridas no trabalho. Isso não preocupa a indústria, especialmente nas obras esportivas que apresentam um ritmo intenso, pressão e prazos.
A lei prevê indenização de 6% do salário de um trabalhador por periculosidade durante o período em que está exposto a atividades perigosas, insalubres ou nocivas. “Isso não é razoável”, opinou Sherique, porque “na maioria das vezes essas doenças nem são notificadas”. Em 2011, o Tribunal Superior do Trabalho lançou um programa nacional de prevenção de acidentes que, no entanto, “não teve resultados reais”, pontuou.
Mais mortes
As más condições de trabalho também causaram mortes em instalações esportivas que não figuram na lista oficial da Fifa.
Em 15 de abril de 2013, parte das grades do estádio Arena Palestra, do clube Sociedade Esportiva Palmeiras, caiu e causou a morte do trabalhador Carlos de Jesus, de 34 anos. Outro operário ficou ferido pela queda de uma viga. No momento do acidente trabalhavam cerca de 500 operários, cinco deles no local da queda. Três escaparam ilesos.
Araci da Silva Bernardes, de 40 anos, estava colocando uma luminária na Arena do Grêmio, em Porto Alegre, quando uma descarga elétrica o matou, em 23 de janeiro de 2013. Esse estádio foi inaugurado em dezembro de 2012, mas não receberá jogos do Mundial. Envolverde/IPS