Santiago, Chile, 27/11/2012 – A exploração sexual de meninas no Chile “está amparada por um Estado e uma cultura patriarcais”, que tornam possível alguns homens disporem livremente de seus corpos e, inclusive, pagarem para abusar delas. “Agressão sexual é um atentado gravíssimo contra a integridade física, psíquica e sexual das meninas e um ataque à sua dignidade como pessoas”, afirmou Camila Maturana, advogada da não governamental Corporação Humanas, uma das especialistas ouvidas pela IPS que denunciam esta realidade.
Soledad Rojas, da não governamental Rede Chilena Contra a Violência Contra as Mulheres, disse que “no Chile existe uma supervalorização do masculino sobre o feminino e isso, concretamente, se expressa no fato de elas ganharem menos que os homens em iguais postos de trabalho, ou seja, existe um lugar inferior das mulheres que é permanente e que acontece em todo sentido”.
As agressões às meninas “fazem parte do contínuo de violência que está presente na vida das adultas, de uma forma ou de outra”, disse Rojas, durante as atividades prévias à celebração, no dia 25, do Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher, instituído em memória do assassinato das irmãs María Teresa, Patria e Minerva Mirabal.
A Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu, em 1999, por esta celebração assumindo as homenagens anuais que eram feitas por organizações da América Latina e do Caribe às “Mariposas”, com eram conhecidas estas lutadoras contra o ditador Rafael Trujillo (1930-1961), que ordenou que fossem torturadas e executadas a golpes no dia 25 de novembro de 1960.
Rojas disse que no Chile impera uma estrutura cultural patriarcal que constrói as mulheres como seres dominados e invisíveis, que podem ser violentados pelos homens que, por outro lado, são dominadores. O Anuário Estatístico do Serviço Nacional de Menores (Sename) revela que 21,8% dos abusos contra crianças cometidos em 2011 no Chile corresponderam a violência sexual.
Outro estudo, este do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), indica que 81% dos menores abusados sexualmente são meninas ou mulheres adolescentes, enquanto 96% dos responsáveis por estes crimes são homens. A faixa etária mais afetada vai dos sete aos 13 anos. Com o objetivo de sensibilizar para esta tragédia cotidiana, as organizações da Rede Chilena se manifestaram, no dia 22, em uma marcha com velas pelo centro de Santiago.
Para a psicóloga Vania Acuña, do Centro de Estudo Sistêmico, o abuso sexual infantil pode ser a antessala da exploração comercial de menores. “Para que uma menina ou menino tenha chegado a isso, o abandono e o desamparo são muito grandes. Estes menores vivem em condutas de risco-limite, sendo que se relacionar com pessoas que abusam deles é mais uma”, acrescentou. Acuña disse que, no caso das exploradas, “em geral se trata de meninas que são abusadas de forma múltipla dentro de suas famílias. É muito raro uma menina chegar à exploração sem ter sofrido abuso antes”, ressaltou.
Esta realidade veio a público no Chile nos últimos dias, quando a polícia desbaratou uma rede de prostituição infantil da qual eram clientes frequentes conhecidas figuras da política, do mundo empresarial e da televisão. A justiça processou 16 pessoas e decretou sua prisão preventiva por considerá-las “um perigo para a sociedade”.
A Organização Internacional do Trabalho e o Sename, que preparam uma atualização sobre a exploração sexual de menores de 18 anos, indicam em seu último estudo, de 2003, que na época havia mais de 3.700 adolescentes nessa situação, com 12 anos como a idade média de início na atividade. Porém, o Sename explicou que somente em 2011 atendeu em seus centros 1.168 vítimas de exploração sexual infantil, as quais são submetidas nas ruas ou na produção de pornografia. O Sename e outros órgãos colaboradores executam 16 programas de luta contra a exploração sexual comercial em dez regiões do país.
Por trás do comércio sexual infantil e adolescente existe um mercado formado por adultos, na maioria homens, que submetem as vítimas, muitas delas carregando experiências traumáticas, a situações de vulnerabilidade que demoram anos para serem reparadas, explicou Acuña. “A maioria das vítimas tem fraturada a capacidade de se vincular, porque desconfiam de todos e aprenderam que ninguém pode ajudá-las, e, além do mais, estão desconectadas de si mesmas”, acrescentou a psicóloga.
Por este panorama exposto, a agressão sexual contra meninas é um dos eixos da campanha “Cuidado! O machismo mata”, que leva adiante a Rede Chilena Contra a Violência Contra as Mulheres. Maturana recordou que por muito tempo neste país a violência sexual contra meninas e mulheres foi naturalizada e invisível.
“No Chile, a impunidade da violência sexual contra meninas é tremenda. E quando o Estado não é capaz de punir adequadamente os agressores sexuais, contribui para manter as menores em uma posição de vulnerabilidade e falta de proteção e expostas à violência sexual como algo permitido ou, pelo menos, possível”, ressaltou. A violência contra as mulheres é uma das mais graves manifestações da discriminação de gênero, algo “que não pode ser tolerado nem avalizado de modo algum pelos órgãos do Estado”, afirmou Maturana. Envolverde/IPS