Buenos Aires, Argentina, 27/5/2013 – Nos dez anos transcorridos desde a chegada de Néstor Kirchner à Presidência da Argentina, sucedido no cargo em 2007 por sua mulher, Cristina Fernández, a pobreza diminuiu, o emprego cresceu e melhorou o acesso à educação, embora não haja acordo sobre os números exatos das mudanças. “Estamos mais perto que nunca da fome zero, embora ainda existam crianças desnutridas”, resume o líder e cofundador da Rede Solidária, Juan Carr.
A fome, as recorrentes inundações, o frio extremo, as epidemias, a necessidade de um transporte urgente, são vários dos problemas sociais que colocam na linha de fogo Carr e sua gente da Rede Solidária, uma organização não governamental com voluntários por todo o país. “Os argentinos se indignam com a pobreza. Esta atitude é uma novidade de 15 anos. Antes não acontecia. O assunto só preocupava os mais progressistas. Hoje, todos se envolvem. Mas o olhar é um pouco imaturo. Muitos sentem raiva”, acrescentou Carr.
Na conversa com a IPS, Carr declarou que se preocupa em fugir da disputa entre porta-vozes do governo centro-esquerdista de Cristina Fernández e da oposição a respeito da queda, ou não, da pobreza. Para ele, os dados não são tão otimistas nem tão dramáticos como apresentados por um e outro lado. Mais de 54% da população argentina vivia na pobreza no final de 2001, quando começou a profunda crise socioeconômica que derivou em protestos de rua e uma forte repressão policial que deixou dezenas de mortos e feridos, e que, finalmente, levou à renúncia do presidente Fernando de la Rúa, que cumpriu apenas dois dos quatro anos de seu mandato.
Néstor Kirchner, que morreu em outubro de 2010 aos 60 anos, assumiu o governo em 25 de maio de 2003 após uma série de presidentes interinos, e desde então esse indicador quase não deixou da baixar. O último dado publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), correspondente ao final de 2012, indica que 5,4% dos 40 milhões de argentinos são pobres. Porém, opositores e alguns especialistas duvidam dos números do Indec, o qual questionam desde sua intervenção, em 2007. Consideram que se baseia em uma cesta básica subavaliada, que não contemplaria a inflação real.
Por exemplo, estudos apresentados pela Universidade Católica Argentina (privada) indicam que a pobreza ainda afeta 26,9% da população. Algo parecido ocorre com o desemprego, que segundo dados oficiais passou de 24% da população economicamente ativa, em 2002, para 16,3%, em 2003, e desde então seguiu a tendência à baixa até situar-se em 7,9% na última medição. Estes números também são questionados.
Carr afirma que, segundo sua organização e “olhando o assunto com certa desconfiança”, o dado real da pobreza “está no meio, e arrisca dizer que “não parece afetar 30%, mas tampouco 5%. Creio que o razoável é crer que um em cada cinco argentinos continua pobre”. Nesse contexto de luta contra a pobreza, o ativista destacou “dois documentos gloriosos” na última década.
Um é de 2003, quando a atividade agropecuária começou a se recuperar e o governo teve uma política social “muito boa”. Segundo Carr, “aí se começou a produzir alimentos fortemente, causando uma tremenda baixa nas mortes de menores de seis anos por problemas relacionados com a alimentação”. Depois, com a entrada em vigor da Ajuda Universal por Filho (AUH) para Proteção Social, impulsionada pelo atual governo de Cristina Fernández, chegou outro momento destacado por Carr. “Pelo menos 500 mil pessoas saíram da pobreza extrema em apenas alguns meses”, afirmou.
Essa ajuda universal, lançada em 2009, na metade do primeiro mandato da presidente Fernández, é uma transferência de renda do Estado para menores de 18 anos, filhos de pais desempregados ou com empregos precários (sem contribuir para a assistência social). Como contrapartida, os beneficiários devem estudar e passar por controles médicos periódicos. O Estado entrega 340 pesos (US$ 65) por mês e por filho, até o mês que vem, quando a quantia subirá para 460 pesos (US$ 88), para um universo de aproximadamente 3,3 milhões de menores integrantes de 1,8 milhão de famílias.
Esse auxílio também é recebido por mulheres grávidas sem emprego, por deficientes sem limite de idade e pelos que trabalham por conta própria em cooperativas apoiadas pelo Estado e que contribuem com um imposto mínimo, chamado monotributo social. À margem dos mais vulneráveis de sempre, também setores médios que haviam caído na pobreza conseguiram se recuperar na última década. Em alguns casos, inclusive, suas vidas mudaram completamente.
Guillermo Mesa, de 46 anos, tinha seu próprio táxi no final da década de 1990. Não havia terminado a escola secundária. A crise de 2001 foi fatal para ele. “Fiquei sem nada”, contou à IPS. Sem emprego, seu casamento acabou em poucos meses. “Naquela época começaram os roubos de carro. Levaram o meu e, quando o seguro pagou, o dinheiro não dava para comprar nada”, recordou. Ele se refere ao começo de 2002, quando a moeda argentina sofreu uma brusca desvalorização frente ao dólar.
“Fiquei dois meses sem conseguir nada. Fiz trabalhos eventuais. Consegui algum dinheiro como motorista de carro de aluguel, mas senti muito a separação. Tinha a menina de um ano e o menino de 12”, acrescentou Mesa. Em 2003, decidiu fazer os exames das matérias que faltavam do curso secundário. “Depois, comecei a fazer cursos de encanador e eletricista”, afirmou. Os cursos foram feitos em um Centro de Formação Profissional em Lanús, sul de Buenos Aires. O centro dependia do Ministério da Educação. “Cheguei a ter muito trabalho e tive que contratar alguns ajudantes”.
Em 2008, a Central de Trabalhadores Argentina abriu novos centros de formação e o chamaram para dar aulas. “Fiz um curso de instrutor e agora dou aula de eletricidade para maiores de 16 anos”, contou Mesa. Está bom porque recebe “em blanco”, ou seja, com contribuição para a aposentadoria, assistência médica, férias e prêmios, e agora estuda para ser bibliotecário.
“Acabarei no ano que vem e quero estudar para ser professor de matemática”, acrescentou. Mesa nunca pôde ter acesso à casa própria. O automóvel não conseguiu comprar, mas voltou a casar e seu filho vai à universidade. “Foi duro, mas tive sorte. Agora é mais fácil conseguir trabalho e, se a pessoa tem estudo, isso ajuda muito”, ressaltou. Envolverde/IPS