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Governo à deriva é obstáculo ao resgate de estudantes na Nigéria

Reunião de integrantes do protesto diário BringBackOurGirls no parque de diversões Maitama, em Abuja, capital da Nigéria. Foto: Ini Ekott/IPS
Reunião de integrantes do protesto diário BringBackOurGirls no parque de diversões Maitama, em Abuja, capital da Nigéria. Foto: Ini Ekott/IPS

 

Abuja, Nigéria, 16/6/2014 – A busca pelas meninas e adolescentes sequestradas na Nigéria pelo grupo islâmico extremista Boko Haram está em perigo após uma série de desencontros entre funcionários do governo, sendo o mais recente um enfrentamento público entre o presidente e o chefe das forças armadas.

O Boko Haram, cujo nome significa “a educação está proibida”, sequestrou no dia 14 de abril cerca de 300 meninas e adolescentes de uma escola secundária na cidade de Chibok. O rapto desatou uma campanha mundial e um movimento maciço nos meios de comunicação sociais com a hashtag no Twitter #BringBackOurGirls (Devolvam Nossas Meninas). Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Israel enviaram especialistas à Nigéria para ajudar no resgate.

A falta de uma política clara poderia ser a razão pela qual no dia 9 foi informado que o Bokio Haram raptou ao menos 20 mulheres da comunidade Garkin Fulani, um assentamento nômade próximo a Chibok. O grupo tem uma ideologia fundamentalista religiosa e pretende fundar um Estado islâmico no norte da Nigéria.

Pouco se sabe da última incursão, já que nem militares nem governo comentaram sobre o ataque. Mas testemunhas locais dizem que homens armados levaram as mulheres em caminhões no dia 5 deste mês. Agora que diminuiu a atenção que o mundo deu ao sequestro de 14 de abril, o governo também parece dar marcha à ré em suas tentativas de resgate.

Mas talvez o que poderia ser considerado um primeiro revés do governo aconteceu apenas dois dias depois do sequestro, quando o exército afirmou ter liberado todas as meninas, menos oito. A afirmação teve que ser reconsiderada quando a diretora da escola em questão se queixou. Desde então, os funcionários dos governos central e local discordam sobre o número de meninas sequestradas, com números que variam de menos de cem para cerca de 300. Hoje ignora-se a quantidade exata.

Mas o exército anunciou em 26 de maio que sabia onde estava o primeiro grupo de estudantes sequestradas. Porém, desde então Abuja não atualizou a informação oficial a respeito e seus funcionários se limitam a dizer que “os esforços continuam, o governo está fazendo todo o possível para libertar as meninas”.

Ao longo da segunda semana deste mês vozes críticas afirmaram que as forças armadas dedicam tempo valioso a perseguir os meios de comunicação, já que os militares confiscaram jornais e acusaram a imprensa de prejudicar a segurança nacional com a cobertura que faz dos sequestros. Mas os militares asseguram que seu assédio à imprensa é uma “operação de segurança”, e negam que esteja relacionado com o conteúdo das notícias.

Entretanto, uma aparente divisão entre o presidente e o comandante militar sobre a tática para libertar as estudantes também poderia obstruir esses esforços. Para os nigerianos, esta aparente divisão destaca a histórica falta de uma estratégia coerente contra o Boko Haram, que matou mais de 12 mil pessoas nos últimos cinco anos, segundo o presidente Goodluck Jonathan. O mandatário qualificou o grupo radical de “Al Qaeda da África ocidental”, em referência à rede islâmica mundial.

Nigerianos diante da Unidade, em Abuja, no dia 30 de abril, pedem ao governo medidas rápidas para encontrar as 276 colegiais sequestradas no dia 14 daquele mês da escola secundária de Chibok, no Estado de Borno, pelo grupo islâmico radical Boko Haram. Foto: Mohammed Lere/IPS
Nigerianos diante da Unidade, em Abuja, no dia 30 de abril, pedem ao governo medidas rápidas para encontrar as 276 colegiais sequestradas no dia 14 daquele mês da escola secundária de Chibok, no Estado de Borno, pelo grupo islâmico radical Boko Haram. Foto: Mohammed Lere/IPS

 

Jibrin Ibrahim, analista político e defensor dos direitos humanos que lidera um protesto diário em Abuja com o nome BringBackOurGirls (devolvam nossas meninas), falou sobre as declarações contraditórias de Jonathan e seu chefe militar, Alex Badeh, com relação ao Boko Haram. “Se os militares dizem que não usarão a força, e o presidente diz que descartou as negociações com o grupo, então estamos em um beco sem saída, porque essas são as duas únicas opções”, opinou à IPS.

O grupo propôs entregar as meninas em troca de centenas de seus combatentes detidos, e ameaçou vendê-las ou casá-las se o governo não responder. Em um discurso transmitido pela televisão, Jonathan prometeu este mês que libertaria as estudantes sequestradas em abril. Entretanto, governo e militares devem chegar a um acordo imediatamente quanto à tática a seguir, ressaltou Ibrahim.

O governo inclusive lidou mal com o protesto BringBackOur Girls. No dia 2 deste mês o comissário policial, Joseph Mbu, proibiu os protestos. No dia seguinte, o inspetor-geral da polícia, Mohammed Abubakar, suspendeu a proibição. Ibrahim disse preferir que o governo negociasse com o Boko Haram, uma opção que Jonathan descartou há tempos. Resgates anteriores feitos pelos militares terminaram em derramamento de sangue, e em um caso os captores mataram um refém italiano e outro britânico.

“O perigo com o duplo discurso é que, além de enviar sinais equivocados ao grupo terrorista, também pode empurrá-los a tomar medidas mais violentas em sua tentativa de dobrar o governo”, afirmou Eric Ojo, do Centro de Direitos Humanos da Universidade de Pretória, na África do Sul.

O presidente do senado nigeriano, dois ministros e um alto funcionário de informação discordaram abertamente da linha de ação do governo para troca de presos com o Boko Haram. O ministro de Funções Especiais, Taminu Turaki, e o diretor-geral da Agência Nacional de Orientação, Mike Omeri, disseram que o governo estava preparado para negociar.

Mas o próprio Jonathan, segundo disse o ministro britânico para a África, Mark Simmonds, declarou que não consideraria uma troca de prisioneiros nem a negociação com o Boko Haram. O mandatário recebeu apoio do presidente do Senado, David Mark, e do ministro do Interior, Abba Moro. Contudo, fontes oficiais disseram que negociações secretas encaminhadas para a troca de presos dos dois lados foram suspensas por Jonathan em maio.

Ibrahim argumentou que o desacordo e a perda de tempo podem ser prejudiciais para as estudantes sequestradas. “Se as duas partes dizem não à força e não à negociação, isso significa que ninguém está disposto a fazer algo. Gostaríamos que todas as opções estivessem sobre a mesa, inclusive as negociações”, enfatizou. Envolverde/IPS