Abidjan, Costa do Marfim, 24/3/2014 – As crise em Mali e na Costa do Marfim geraram um enorme número de refugiados na África ocidental, e a nova onda de violência em formação poderia impedir que estes regressem aos seus lares no curto prazo. Na Nigéria, grupos islâmicos lançaram ataques contra civis, muitos dos quais se esconderam nos vizinhos Níger e Camarões.
Em Mali, ainda que a missão da Organização das Nações Unidas (ONU) dê apoio à população, os islâmicos do Movimento para a Unidade da Jihad na África Ocidental (Mujwa) continuam sendo uma ameaça, e houve uma série de atentados com bombas nas últimas semanas. A Costa do Marfim sofre insegurança. O país se recupera da violência pós-eleitoral, que acabou com as vidas de três mil pessoas entre 2010 e 2011, e os refugiados começam lentamente a regressar de Gana, Togo e Libéria.
Atualmente há 93.738 refugiados marfinenses na região, principalmente na Libéria, Gana e Togo, bem como 24 mil refugiados internos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). A situação no oeste do país, na região de Bas-Sassandra, onde ocorreu a maioria das matanças durante a crise, continua sendo frágil, sobretudo depois do reinício dos ataques nas últimas semanas.
Ilmari Käihkö, estudante de doutorado em pesquisa de paz e conflitos na Universidade de Uppsala, na Suécia, realizou amplos estudos de campo no leste da Libéria e sobre os refugiados marfinenses no país. Em conversa com a IPS, explicou que os expatriados marfinenses estão esperando o resultado das próximas eleições presidenciais, previstas para 2015, antes de decidirem se voltam ou não ao seu país. “Os refugiados acreditam que o atual presidente, Allassane Ouattara, perderá. Pode haver uma reação negativa se ele vencer”, alertou.
O governo marfinense fez um esforço especial para estimular a volta de seus compatriotas. Por exemplo, enviou delegações aos acampamentos para garantir-lhes que serão bem-vindos em seu país. Esta política está dando alguns resultados. O ex-presidente Laurent Gbagbo retornou à Costa do Marfim, bem como o ex-diretor da Autoridade de Portos, Marcel Gossio, e mais de 1.300 ex-combatentes. Gbagbo é acusado de crimes contra a humanidade durante a crise, e espera seu julgamento no Tribunal Penal Internacional.
Para Ilmari, a situação continua tensa e a possibilidade de a violência recomeçar continua sendo alta, pois ainda há problemas sobre a propriedade da terra no oeste da Costa do Marfim que devem ser resolvidos para garantir um regresso seguro dos refugiados.
Os marfinenses que emigraram para a Libéria são em sua maioria originários do oeste da Costa do Marfim, importante zona produtora de cacau. Mas muitos ocupavam suas terras de fato, sem ter os títulos de posse, e se regressarem poderão ter um conflito com os novos ocupantes da área. Segundo Ilmari, esses temas referentes à propriedade da terra são a razão fundamental para muitos decidirem permanecer na Libéria. Consideram que já não têm para onde voltar.
A Nigéria também enfrenta uma grande insegurança. Nos últimos meses, os ataques cometidos pelo grupo islâmico Boko Haram, no norte do país, obrigaram 1.500 pessoas a fugirem para o sul de Níger, e mais de quatro mil para Camarões. O Boko Haram, atacou escolas, hospitais e outras instituições que considera pró-ocidentais. E, enquanto aumenta o número de refugiados, as operações para dar assistência a esses grupos são limitadas pela insegurança.
Em toda África ocidental ocorrem sequestros e ataques contra trabalhadores humanitários. No dia 8 de fevereiro os islâmicos do Mujwa atacaram um comboio da Cruz Vermelha e sequestraram cinco empregados malineses. Diante dos ataques, as agências humanitárias são obrigadas a gastar mais dinheiro em sua segurança, quando esse fundo poderia ser usado para melhorar sua atenção.
“Temos que contar com escolta militar nessa região para proteger a missão de possíveis sequestros”, contou à IPS o chefe de informação do escritório do Acnur em Burikina Faso, Mohammad Bah. Este país faz fronteira com Mali e, embora a situação ali permaneça relativamente estável, o Acnur informou que “há rígidas medidas de segurança nas áreas rurais, particularmente em Dori e Djibo, que limitam o acesso desta agência às populações que mais preocupam”.
Isso complica tanto as operações de ajuda como os esforços de repatriação. “Precisamos do apoio da Minusma (Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas em Mali) para ajudar os repatriados. Várias organizações não governamentais limitaram sua presença nessas áreas”, disse o chefe do escritório do Acnur em Mali, Olivier Beer.
Em dezembro de 2012, poucas semanas antes de as forças francesas lançarem uma operação contra os islâmicos em Mali, havia pelo menos 500 mil refugiados desse país. Agora, enquanto os esforços de estabilização continuam e a Minusma assume progressivamente as operações, o número caiu para 167 mil refugiados, fundamentalmente em acampamentos isolados em Burkina Faso, Níger, Argélia e Mauritânia, e para cerca de 200 mil dentro do território de Mali.
O Acnur ainda não recomenda o retorno. “Para um regresso organizado são necessários certos critérios de proteção que devem ser cumpridos, de forma a garantir a segurança e a dignidade”, ressaltou Beer. A falta de moradias, escolas e um sistema de justiça eficiente, bem como a insegurança latente, atrasam o retorno dos refugiados. Outro problema grave é a crise de alimentos que a região sofre.
Mais de 800 mil malineses, segundo a organização humanitária Oxfam, necessitam de ajuda alimentar, e a situação se agravará quando acabarem as reservas e começar a habitual temporada de carestia em meados de maio. Os refugiados de Mali enfrentam problema semelhante. O chefe do escritório do Acnur na Libéria, Jassim Diagne, advertiu que, se não for aumentada a ajuda, nos próximos dois meses mais de 52 mil marfinenses morrerão de inanição. Envolverde/IPS