Arquivo

Jovens “ociosos” obrigados a plantar

Homens e mulheres semeiam em um canteiro em Equatoria Oriental. Foto: Charlton Doki/IPS

 

Juba, Sudão do Sul, 11/9/2012 – A polícia do Sudão do Sul recruta à força jovens “ociosos” para que trabalhem a terra, a fim de enfrentar a grave insegurança alimentar. O comissário da Polícia Estatal no Estado de Bahr al Ghazal, Akot Deng Akot, disse à IPS que “não se pode permitir” que homens jovens bebam chá e joguem cartas o dia todo enquanto o país sofre uma carestia. “Qualquer um que não queira plantar será detido e forçado a plantar conosco. Mesmo sendo soldado, policial ou guarda de prisão, se decidir vestir a melhor roupa na sua folga, o levaremos para trabalhar, queira ou não”, acrescentou.

Cerca de 4,7 milhões de sul-sudaneses, quase metade da população, sofrem insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). “Um milhão sofrem insegurança alimentar grave, o que significa que só podem ter uma refeição ou duas a cada três dias, enquanto outros 3,7 milhões sofrem insegurança alimentar moderada, ou seja, podem ter acesso a uma refeição por dia”, explicou à IPS a coordenadora humanitária da ONU no Sudão do Sul, Lise Grande.

A insegurança alimentar no setor rural é atribuída a diversos fatores, entre eles a deficiência na produção de cereais. Segundo a ONU, o déficit passou de 200 mil toneladas métricas em 2011 para 470 mil este ano. O problema se agrava com o aumento dos preços dos combustíveis e o enfraquecimento da moeda local. Segundo o Escritório Nacional de Estatísticas, mais de 80% dos estimados 790 mil habitantes de Bahr al Ghazal sofrem insegurança alimentar. Esta situação levou as autoridades a tomarem medidas drásticas para incentivar a produção agrícola.

Arkot inclusive advertiu as pessoas para não perderem tempo nos tribunais apresentando disputas por temas menores. “Isto também se aplica às pessoas que vão aos tribunais para disputas sobre propriedade de vacas. Essas cortes não funcionarão durante a temporada de cultivo (de outubro a dezembro), assim todos poderão ir às suas terras produzir alimentos”, afirmou. Alguns jovens “ociosos” foram presos. Hou Akot Hou, jornalista de Bahr al Ghazal, disse que a polícia deteve dezenas de jovens sob as ordens de um chefe local, Atak Awan Anei, irmão do governador do Estado, Paul Malong Awan Anei. As prisões foram em julho em Warwar, mercado próximo à fronteira com o Sudão.

Alguns moradores apoiam estas medidas drásticas. “O governo deve obrigar a trabalhar na terra os jovens que já são capazes de cuidar de si mesmos e que estão ociosos nas cidades”, disse Justin Ayuer à IPS. Com ele concorda o adolescente Titotiek Chour: “Como jovens, temos energia para produzir alimentos. Temos a oportunidade de fazer mais, e devemos aproveitá-la para tentar produzir alimentos e melhorar a vida de nossa gente”.

O Estado de Bahr al Ghazal não é o único onde são aplicadas políticas drásticas para estimular a produção de alimentos. Desde abril os funcionários estatais nos Estados de Equatoria Oriental e Equatoria Central têm livres as sextas-feiras e os sábados, mas apenas para irem plantar. O governador de Equatoria Oriental, Louis Lobong Lojore, ameaçou reduzir o salário destes empregados se não destinarem seus dias de folga a trabalhar na terra. Lojore argumentou que a medida é necessária porque muitos funcionários se dedicavam a beber e jogar cartas ou dominó em lugar de plantar.

Seu ministro de Informação, Felix Otudwa, disse à IPS estar convencido de que estas medidas permitirão aumentar a produção de alimentos este ano. “Agora não se vê as pessoas sentadas debaixo das árvores, bebendo chá ou jogando cartas, como antes. Todos estão plantando, inclusive nos fins de semana. O governador, os ministros e outros altos funcionários estão envolvidos no cultivo. Este ano teremos uma grande colheita”, afirmou.

Mas nem todos concordam com estas disposições. Edmond Yakani, coordenador da Organização de Fortalecimento Comunitário para o Progresso, disse à IPS que estas políticas são ilegais. “Onde está a lei que permite prender pessoas apenas por não trabalharem a terra em horário comercial? Quem aprovou essa lei, e quando?”, perguntou. Ele também considera ilegal o governo de Equatoria Oriental cortar salários dos funcionários públicos que não usarem seus dias livres para plantar.

“Onde está a lei que permite reduzir os salários”, questionou Yakani. Para isso “deve ser aprovada uma lei, e só pode ser aprovada pela Assembleia Nacional do Sudão do Sul”, afirmou, acrescentando que o governo deveria promover o trabalho voluntário, facilitando o acesso a terras, ferramentas e sementes. Um funcionário, que pediu para não ser identificado, disse que a decisão de usar a sexta-feira e o sábado para plantar afetará a prestação de serviços de saúde.

Contudo, Isaac Woja, especialista em agricultura e manejo de recursos naturais, afirmou que as iniciativas podem acabar tendo êxito. “Creio que agora as pessoas levam a sério a agricultura em comparação com anos anteriores. Quando se viaja se vê mais plantações ao longo da estrada, e isto significa que mais pessoas se dedicam ao cultivo este ano”, contou à IPS. Porém, somente quando terminar a temporada de colheita se poderá determinar se a iniciativa teve, ou não, êxito, opinou.

O ministro da Agricultura de Equatoria Central, Michael Roberto Kenyi, reivindicou as políticas adotadas e afirmou que os empregados do Estado devem ter um papel protagonista na luta contra a insegurança alimentar. “Como funcionário público, deve ser um exemplo para a comunidade, e não se pode dar um exemplo se seu celeiro está vazio”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS