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Leis ainda amparam assassinatos de mulheres na Palestina

As leis palestinas ainda contemplam redução de sentenças para assassinatos de mulheres por questões de “honra”. Foto: Jillian Kestler-D’Amours/IPS

 

Ramalá, Palestina, 24/1/2013 – “Antes de ser assassinada, tampouco vivia. Contaremos sua história, começando por seu homicídio até seu nascimento”. Assim começa uma nova canção da banda de hip hop palestina DAM, que busca chamar a atenção para o persistente problema dos “assassinatos de honra”. O vídeo que acompanha a música mostra uma jovem de rosto inexpressivo sobre uma cama. De repente seu corpo se eleva e uma bala entra em sua fronte. Seu próprio irmão apertou o gatilho.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, em todo o planeta, cerca de cinco mil mulheres e meninas são assassinadas e abusadas por anos por parentes homens, como castigo por um comportamento que, segundo estes, manchou a reputação da família. Entre 2007 e 2010, foram registrados os “assassinatos de honra” de 29 mulheres na Cisjordânia. É um número relativamente pequeno comparado com outros lugares, mas suficiente para causar preocupação. Acredita-se que, na realidade, os números desse tipo de crime seja maior, mas o Ministério do Interior palestino se nega a divulgar mais dados. A Cisjordânia tem quatro milhões de habitantes e Gaza 1,5 milhão.

“Treze mulheres palestinas foram assassinadas nos territórios em 2012, pelos assim chamados homicídios de honra”, disse Soraida Hussein, do Comitê Técnico de Assuntos de Mulheres, grupo assessor do Conselho Legislativo Palestino, formado pouco antes dos Acordos de Paz de Oslo, de 1993. “A maioria desses assassinatos nada teve a ver com proteger a honra das famílias. Foram cometidos por diversas razões criminais. Em geral, as mulheres são assassinadas durante disputas familiares ou financeiras, e depois os homens dizem que foi em defesa da honra, para terem as penas reduzidas”, afirmou.

A lei palestina na Cisjordânia é baseada no Código Penal Jordaniano, dos artigos 97 ao 100, que reduz as condenações por qualquer assassinato cometido em “estado de ira”. Já a lei em Gaza se baseia no Código Penal Egípcio, que também diminui as sentenças de homens considerados culpados pela morte de familiares mulheres em chamados casos passionais, sobretudo quando argumentam que o fizeram em honra da família.

Segundo o Centro de Mulheres para Ajuda Legal e Aconselhamento, em Ramalá, apenas uma minoria de homens que cometem estes crimes é condenada e, em geral, as sentenças são de poucos meses. Em 2006, a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que controla a Cisjordânia, assinou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw). Hassan al-Ouri, porta-voz do presidente palestino Mahmoud Abbas, afirmou há alguns dias que a ANP apoia os esforços para acabar com a discriminação contra as mulheres sempre e quando não se violar a shariá (lei islâmica).

Hussein disse que essa declaração é absurda. “Em nenhuma parte do Alcorão diz que o assassinato de alguém está justificado com base na discriminação sexual ou ira. Nossa organização tem o apoio de líderes religiosos de diversos setores que condenam os assassinatos e, de fato, pedem penas mais severas para os responsáveis”, destacou Hassan. Contrariamente à crença popular, as leis sobre crimes passionais foram herdadas das diversas potências ocupantes, como turcos, franceses e britânicos, assegurou Hassan.

Os comentários do porta-voz de Abbas foram feitos após confirmar que a ANP não tem intenções de proibir abertamente os “assassinatos de honra”, apesar das promessas feitas pelo presidente no ano passado. Nessa ocasião Abbas assegurou que suspenderia a lei 340, que contempla o perdão a um assassino se este cometeu o crime ao encontrar sua esposa com outro homem. A promessa foi transmitida pela televisão depois da indignação popular gerada pelo brutal assassinato de uma jovem no sul da Cisjordânia. Em maio de 2011, Aya Baradiya, de Hebron, foi espancada e estrangulada por membros de sua própria família, que a acusaram de estar se socializando com homens. Seu corpo foi encontrado em um poço.

Muitos consideraram que as promessas de Abbas tiveram o único propósito de fazer o caso cair no esquecimento. O artigo 340 nunca foi invocado em um tribunal palestino desde sua sanção em 1960. Entretanto, as leis inspiradas nos códigos egípcio e palestino, que permitem a redução da pena em “assassinatos de honra”, permanecem intocadas.

“A questão dos direitos das mulheres é usada como um futebol político. As promessas de mudanças feitas pelos que estão no poder são resultado da pressão pública, mas o assunto é ignorado quando as forças conservadoras se colocam de pé”, explicou Hussein à IPS. “Além disso, a ANP só assinou a Cedaw porque não tem peso legal, já que a Palestina na época não era considerada oficialmente um Estado. Nossos líderes estão afastados da maioria dos palestinos, que se opõem a esses homicídios”, acrescentou.

Hussein destacou que a ocupação israelense afetou ainda mais o tecido social palestino. “As pessoas tentam alimentar suas famílias em uma economia decrépita. Os palestinos são assassinados de forma indiscriminada por Israel quase em ritmo diário. Por isso, às vezes, os direitos das mulheres ficam em segundo lugar na mente das pessoas”, ponderou. “É preciso mudar as leis, bem como os programas escolares e a atitude da mídia, pois todos reforçam a ideia de que as mulheres são inferiores aos homens’, ressaltou Hussein. Envolverde/IPS