Ramalá, Palestina, 17/8/2012 – Após o assassinato de uma mulher em um movimentado mercado da cidade de Belém, na Cisjordânia, organizações de direitos humanos reclamaram reformas drásticas para acabar com a violência de gênero nos territórios palestinos. “Temos problemas com as leis”, disse à IPS a diretora do Centro Mehwar, Maysun Ramadan. Encarregada do único abrigo para mulheres na Cisjordânia, Ramadan destacou que “também temos que conscientizar sobre os direitos das mulheres. É um problema de mentalidade, de cultura. Temos muitos preconceitos que precisam mudar”.
Nancy Zabun, de 27 anos e três filhos, foi assassinada pelo marido no dia 30 de julho em Belém. O crime aconteceu quando ela saía de uma audiência de divórcio. Ao que parece, durante os dez anos de casamento ela apanhava com frequência. O corpo de outra mulher foi levado no dia 18 do mesmo mês ao hospital Shifa, na cidade de Gaza. A polícia teria detido dois familiares da vítima relacionados com o crime, sob suspeita de ter sido cometido para preservar a “honra da família”.
A Comissão Independente de Direitos Humanos documentou em 2010 os casos de nove mulheres assassinadas pela mesma razão nos territórios palestinos ocupados por Israel. Estudo de 2009, feito pelo Centro de Informação e Meios de Mulheres Palestinas, indica que 67% das entrevistadas disseram ser vítimas de violência verbal de forma regular, 71% de violência psicológica, 52,4% de agressões físicas e 14,5% de violência sexual.
“Quando chegam ao Centro estão em estado deplorável. Foram submetidas a abusos e diferentes tipos de violência durante anos. Perderam a confiança. Algumas vezes são agressivas, apresentam tendência suicida e depressiva, e têm pesadelos”, explicou Ramadan. “Sempre necessitam de alguém e não acreditam nelas. Tentamos fazer com que vejam suas capacidades e motivá-las a romper o ciclo”, acrescentou.
A Autoridade Nacional Palestina (ANP) aprovou, em janeiro de 2011, a Estratégia Nacional para Combater a Violência contra a Mulher 2011-2019. A iniciativa tem programas de capacitação trabalhista e empoderamento, oferece apoio social e promove um contexto legal para acabar com o problema.
“Nosso objetivo foi eliminar todas as formas de violência, sem importar qual, contra as palestinas”, afirmou à IPS a ministra de Assuntos de Mulheres, Rahiba Diab, de seu escritório em Ramalá. “Há um compromisso sério da ANP de apoiar todos os assuntos vinculados com as mulheres e de não esquecer a violência que surge da crítica situação política que vivem os palestinos”, pontuou Diab.
O presidente da ANP, Mahmoud Abbas, emitiu em maio de 2011 um decreto presidencial para suspender duas normas, o Artigo 340 do Código Penal da Jordânia, que data de 1960 e vigora na Cisjordânia, e o Artigo 18 das leis do mandato britânico, vigente em Gaza. O primeiro artigo concede isenções no processo e reduz a pena para homens que matam a esposa ou outra mulher de sua família que tenha cometido adultério. O segundo dava indulgência para o mesmo crime sempre que o homem pudesse provar ter agido para preservar sua honra ou a de outros.
Entretanto, organizações de direitos humanos disseram que a ANP deixou vigentes outras normas que permitem que a violência contra as mulheres fique impune. Os Artigos 97, 98, 99 e 100 do Código Penal jordaniano preveem circunstâncias atenuantes que podem ser usadas para justificar os “assassinatos por honra”. Em especial, um que permite aos responsáveis ficarem impunes se puderem provar que agiram em “estado de raiva”.
“As leis existentes continuam permitindo o assassinato de mulheres e a impunidade”, alertou Tahseen Elayyan, diretora do projeto Proteção de Mulheres em Conflitos Armados, da organização de direitos humanos Al Haq, com sede em Ramalá. “Para tomar medidas práticas e proteger as mulheres, especialmente dos chamados assassinatos por honra, a lei deve mudar e os responsáveis serem processados”, afirmou à IPS.
Segundo um estudo, divulgado em dezembro de 2011 pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU), “os altos níveis de pobreza, o desemprego e a frustração relacionada contribuíram para um aumento da tensão e, por fim, da violência familiar” nos territórios palestinos. Isto ocorre especialmente na Faixa de Gaza, onde as condições sociais e econômicas, cada vez mais angustiantes devido ao sítio imposto por Israel, se traduziram em violência contra a mulher, disse Mona Shawa, diretora da unidade de mulheres do Centro Palestino de Direitos Humanos da cidade de Gaza.
A Faixa de Gaza “está fechada. A situação econômica é muito ruim. Há uma alta porcentagem de pobreza e desemprego. A violência por ataques israelenses é frequente. Todas estas circunstâncias incidem na violência contra as mulheres”, afirmou Shawa à IPS. O primeiro passo é criar leis que as protejam, acrescentou, e também é crucial conscientizar sobre os direitos das mulheres e mudar atitudes dentro da sociedade palestina. “O mais importante é a comunidade e a cultura. Temos uma cultura baseada na discriminação contra a mulher, que não a considera igual ao homem. Isto incentiva a violência”, ressaltou. Envolverde/IPS