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Narcotizado, Iêmen masca seu futuro

O entretenimento iemenita de mascar a folha estimulante do khat está cavando o túmulo desse país. Foto: Cam McGrath/IPS
O entretenimento iemenita de mascar a folha estimulante do khat está cavando o túmulo desse país. Foto: Cam McGrath/IPS

 

Sana’a, Iêmen, 4/2/2014 – A capital do Iêmen, Sana’a, tem mais de 2.500 anos, o que a torna uma das cidades habitadas mais antigas do mundo. Mas está vivendo tempo emprestado. Mais da metade dos quatro milhões de habitantes que a cidade terá em 2030 não contarão com alimentos suficientes, alertam economistas. Contudo, antes que isso aconteça, a capital ficará sem água.

“Sana’a consome água muito mais rápido do que a natureza repõe”, destacou o especialista em hidrologia Noori Gamal, do Ministério do Meio Ambiente. “O lençol freático diminui seis metros por ano. Até 2025, poderá ser a primeira capital do mundo a ficar sem água”, afirmou. O Iêmen é um país árido e sua capital recebe apenas 20 centímetros de chuva por ano. Mas o clima não é a razão do veloz esgotamento de seus recursos hídricos subterrâneos. A culpa é inteiramente dos humanos.

A obsessão pelo khat (Catha edulis), uma erva cujas folhas de gosto amargo ao serem mastigadas liberam uma substância semelhante às anfetaminas, está arruinando a economia iemenita e bebendo sua preciosa água.

Há 30 anos, mascar folhas de khat era um passatempo ocasional. Hoje é parte essencial da vida cotidiana neste empobrecido país árabe de 26 milhões de habitantes: 70% dos homens e um terço das mulheres a consomem habitualmente. Estima-se que diariamente são gastos US$ 20 milhões em khat e 80 milhões de horas de trabalho são perdidas por seu consumo.

“O dia inteiro gira em torno do khat”, disse à IPS o vendedor de couros Ali Ayoub, que dedica à mastigação quatro horas por dia. Podem ser mais se há um casamento ou outra comemoração. “Às duas da tarde já não se encontra ninguém trabalhando. Todo mundo vai embora cedo para comprar khat”, afirmou.

Como muitos outros pobres, Ayoub gasta mais dinheiro na droga do que com alimentos para sua desnutrida família. Ele argumenta que o khat estimula a mente e serve de fuga para a dura existência iemenita: pobreza absoluta, grande desemprego e enfrentamentos políticos. “As pessoas dizem que o khat é a raiz dos problemas do Iêmen, mas é apenas um sintoma”, afirmou.

Na medida em que cresce o vício pelo khat, os agricultores, atraídos pelos ganhos que deixa, abandonam os cultivos tradicionais de alimentos e para exportação. Em 1997, havia cerca de 80 mil hectares plantados com khat. Em 2012, já eram 250 mil hectares, segundo dados oficiais. O cultivo de khat, que cresce 10% ao ano, ocupou lugar do trigo e do milho, elevando o preço dos alimentos. Isto se volta contra os pobres, que são 40% da população.

“Até a década de 1980, mais de 90% da produção de alimentos era local, mas, por culpa do khat, o Iêmen agora importa 90% de seus alimentos”, destacou Gamal à IPS. Segundo sua estimativa, cada hectare de khat consome 50% mais água do que um hectare dos cereais que cederam lugar à droga.

Em geral, os produtores regam as árvores de khat com água bombeada de aquíferos que foram abastecidos por chuvas ocasionais entrando pelo solo, durante milhares de anos. Fontes do governo estimam que os campos de khat absorveram no ano passado mais de um bilhão de metros cúbicos de água, ou um terço de todo consumo de recursos hídricos subterrâneos.

Este país já tem uma disponibilidade anual de água por pessoa das menores do mundo: 125 metros cúbicos, quando a média mundial é de 7.500 metros cúbicos. A menos que sejam tomadas medidas drásticas, esta proporção cairá para 55 metros cúbicos por pessoa até 2030. Uma população com disponibilidade anual de mil metros cúbicos por pessoa enfrenta escassez hídrica. E um ser humano necessita de cem metros cúbicos de água por ano para sobreviver.

As autoridades sanitárias também notam um alarmante aumento de problemas de saúde ligados ao khat. Um estudo da Universidade de Adén encontrou mais de cem tipos de praguicidas no cultivo. Sabe-se que muitos deles entram no organismo dos bebês no leite materno. Segundo o Ministério da Saúde, um aumento de 70% de novos casos de câncer é atribuível a praguicidas cancerígenos que os produtores usam para aumentar a produção de khat. Os tumores de boca e garganta são generalizados e superam com juros as médias mundiais.

Nasser Al-Shamaa, secretário-geral da não governamental Fundação Eradah por uma Nação Livre de Khat, compara a mastigação desta droga com o tabagismo. Enquanto esse vício continuar tendo ampla aceitação social será muito difícil garantir o sucesso das iniciativas de erradicação, afirmou.

Além disso, é preciso passar sobre os obstáculos que opõem funcionários governamentais com interesses pessoais na produção e distribuição da droga, das quais obtêm dinheiro, seja cobrando impostos, seja com subornos. “Levará tempo mudar as percepções sobre o khat. Mas, tempo é o que não temos. Está destruindo nosso futuro”, acrescentou Al-Shamaa. Envolverde/IPS