Manágua, Nicarágua, 23/8/2012 – Carla perdeu tudo aos 13 anos, quando ficou grávida: seu primeiro ano no ensino secundário, sua família, seu noivo e sua felicidade. Passou um ano mendigando nas ruas da capital nicaraguense antes de ser recebida em um centro para meninas-mães. Tudo explodiu em dezembro de 2006, quando sua mãe descobriu que ela estava no terceiro mês de gestação, produto da violação de um professor de sua escola primária. Então, a surrou sem dó com uma cinta e a jogou na rua, porque lhe disse, não tinha como alimentar mais uma boca.
O bebê de Carla (nome fictício) morreu ao nascer por problemas respiratórios. Durante a gravidez, uma antiga vizinha da família lhe deu abrigo em sua casa, mas não comida, por isso teve que vender doces artesanais e pedir esmola nos pontos de ônibus, onde sofreu assédio sexual de adultos que lhe ofereciam dinheiro, drogas e comida em troca de sexo.
Da Casa Aliança, a instituição que a acolheu inicialmente, passou, aos 15 anos, para um albergue escolar, onde fez cursos de beleza e cosmetologia, ramo no qual trabalha agora. Também atua como promotora voluntária no centro para meninas-mães, que para ela salvou sua vida e a ensinou que tinha direitos humanos. O caso desta jovem, agora com 19 anos, foi conhecido pela IPS graças a uma organização não governamental dedicada à proteção da infância e da adolescência em situação de risco, e ilustra uma realidade que alcança níveis preocupantes neste país centro-americano.
Na Nicarágua, com 5,8 milhões de habitantes, houve 1,3 milhão de partos no sistema sanitário público nos últimos dez anos. Desse total, 367.095 corresponderam a meninas e adolescentes, 172.535 delas meninas com menos de 14 anos, segundo estatística do Ministério da Saúde que inclui o período 2000-2010, divulgado no mês passado. Isto significa que 27% das grávidas eram meninas e adolescentes, das quais 47% tinham entre dez e 14 anos. Na verdade, 13% dos nascidos no país são filhos de mães que não têm mais do que 14 anos.
O médico Osmany Altamirano, assessor para direitos sexuais e reprodutivos do não governamental Plano Internacional Nicarágua, disse à IPS que o fenômeno é grave, mas está em queda dentro de suas elevadas cifras. “Em 2000, a porcentagem de mães adolescentes era de 31%. A taxa de gravidez baixou, embora continue sendo a mais alta da América Latina e uma das maiores do mundo”, acrescentou.
Um estudo do Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia, de 2007, situava a Nicarágua como o país do subcontinente com a maior taxa de fecundidade adolescente. As nicaraguenses em idade fértil (de dez a 49 anos) representam 65% do total e, entre elas, 37% têm entre dez e 19 anos.
Para Altamirano, o fenômeno da gravidez precoce na Nicarágua é parte e reproduz o ciclo de pobreza em que vivem as meninas e adolescentes que são mães. “As meninas grávidas reproduzem o ciclo da pobreza porque se tornam mães antes de amadurecerem biologicamente, isto é, mães com baixo peso e desnutrição crônica, que ao darem à luz têm seus filhos com baixa estatura e baixo peso”, explicou.
O médico indicou que 47% das meninas e adolescentes grávidas perdem seu direito à educação e não concluem o ensino primário. “Muitas são obrigadas a buscar trabalho em condições de desvantagem por não terem experiência ou preparação em uma profissão ou ofício, outra são jogadas na rua e muitas acabam vítimas de exploração sexual”, ressaltou. Segundo dados de 2009 da Organização Mundial da Saúde, 16 milhões de meninas entre 15 e 19 anos dão à luz a cada ano, o que representa 11% de todos os nascimentos no mundo.
Karla Nicarágua, da Associação Quincho Barrilete, explicou à IPS que uma pesquisa feita em 2011 com adolescentes de Manágua revela que 60% delas admitiram que são pressionadas e induzidas a terem relações sexuais por familiares, colegas de escola, vizinhos e até seus pais. O fenômeno se explica, entre outras coisas, por uma trama social “que vê a gravidez como algo normal”, e “por um sistema jurídico que obriga as mulheres a darem à luz mesmo sob total condição de risco médico”, explicou a representante de uma organização dedicada à prevenção e ao tratamento de toda forma de violência contra a infância e a adolescência.
Desde 2006, a Nicarágua é um dos poucos países do mundo que pune com prisão a interrupção voluntária da gravidez em todos os casos, inclusive quando a gestação é fruto de violação ou incesto ou quando a vida da mãe está em perigo, os quais até aquele ano eram permitidos. “A falta de orientação sexual científica e confiável nas escolas e famílias, o abuso e o assédio sexual, a pressão social dos círculos de amizade das adolescentes, a pobreza, o amontoamento, mais um sistema de justiça permissivo, influem nos números da maternidade juvenil”, detalhou.
Para Lorna Norori, do Movimento Contra o Abuso Sexual (MCAS), por trás dos números da gravidez precoce se escondem atos de violações sexuais. O Código Penal da Nicarágua estabelece que toda relação sexual com uma menor de 14 anos, ainda que ela alegue consentimento, é considerado crime de violação punido com prisão de 12 a 15 anos, recordou Norori. A ativista pelos direitos humanos das mulheres acusou o Estado nicaraguense de cumplicidade na política pública de obrigar meninas grávidas a darem à luz, apesar de a lei ser clara quanto a serem de violações, ao não permitir às suas famílias a decisão por um aborto.
Cerca de 40% das mulheres nicaraguenses vítimas de violação sexual não têm acesso à justiça, segundo o estudo Indignação: Dados Sobre Violência Sexual na Nicarágua 2011, preparado pela MCAS. Para fazer a pesquisa, a organização se baseou em registros do Instituto de Medicina Legal (IML) e do Departamento de Assessoria e Controle da Delegacia da Mulher e da Infância da Polícia Nacional.
O informe detalha que, enquanto o IML registrou em 2011 um total de 4.409 peritagens em mulheres sexualmente agredidas, a Delegacia da Mulher registrou apenas 3.047 casos atendidos pelo Ministério Público. Os registros do IML revelaram que mais de 85% das peritagens foram feitas em mulheres menores de idade. Delas, 36,5% eram adolescentes entre 13 e 17 anos, e 49% meninas com menos de 12 anos. Envolverde/IPS