Carachi, Paquistão, 18/9/2012 – “Não imagino a vida sem o misoprostol”, disse o ginecologista obstetra Azra Ahsan, que apela para esse remédio há uma década para evitar que as mulheres sangrem depois do parto. A angústia desse médico paquistanês se deve aos pedidos para que a Organização Mundial da Saúde (OMS) o retire de sua lista de medicamentos essenciais. Originalmente indicado para casos de úlceras gástricas, o misoprostrol ficou cada vez mais popular por sua capacidade de induzir o parto e evitar hemorragias após se dar à luz.
“Sabia que serviria para evitar que mulheres morressem muito antes de 2009, quando seu uso foi registrado no Paquistão”, afirmou Ahsan, membro Comissão Nacional de Saúde Materna, Neonatal e Infantil. As pautas da OMS recomendam o misoprostol contra a hemorragia puerperal, enquanto a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo) sugere seu uso quando os agentes uterotônicos comuns, como oxitocina e ergometrina, não estão disponíveis.
Inúmeros médicos, como Ahsan, estão preocupados com as iniciativas para que a OMS reverta a decisão de abril de incluir o misoprostol entre os medicamentos essenciais que “atendem as necessidades da saúde da maioria da população” e que “estão disponíveis a todo momento em quantidades adequadas e em doses apropriadas, a um preço acessível à comunidade”. Pesquisas publicadas na edição de agosto do Journal of the Royal Society of Medicine foram usadas para sugerir à OMS que “reconsidere sua decisão de incluir o misoprostol na lista de medicamentos essenciais”.
Allyson Pollock, que encabeçou o estudo, disse que são insuficientes as provas que sugerem que o misoprostol serve para evitar a hemorragia puerperal. Por outro lado, esta especialista pede urgência aos países pobres para melhorar a atenção primária e evitar a anemia, para reduzir o risco de um sangramento excessivo depois do parto. Contudo, no Paquistão, segundo Ahsan, cerca de 80% dos casos de gravidez acabam com o útero não se contraindo naturalmente após o parto, o que requer o uso de agentes uterotônicos para reduzir o sangramento. “Quase 27% das mortes maternas no Paquistão são consequência de um excessivo sangramento após o parto”, declarou o médico à IPS
Segundo a última Pesquisa de Saúde e Demografia do Paquistão, de 2006, a mortalidade materna é de 276 em cada cem mil nascidos vivos, uma das maiores taxas da Ásia meridional. A hemorragia pós-parto, principal causa de mortalidade materna no mundo, conforme a OMS, é quando a perda de sangue supera os 500 mililitros depois do parto, e a hemorragia puerperal severa ocorre quando supera os mil mililitros.
O fato de o misoprostol ser usado de forma incorreta neste país, bem como em outras nações em desenvolvimento, como o Brasil, para induzir o aborto a um custo menor, incide na controvérsia em torno deste remédio. “Não me importa as pessoas pensarem que se usa ou se abusa dele. Sei que evita a morte de mães”, ressaltou Ahsan. Ao contrário de outros uterotônicos, o misoprostol tem a vantagem de não precisar de refrigeração para seu armazenamento e poder ser administrado via oral por pessoal obstétrico, explicou Ahsan.
Uma declaração conjunta da Figo e da Confederação Internacional de Parteiras diz que, “nos partos em domicílio, o misoprostol pode ser a única tecnologia disponível para controlar a hemorragia pós-parto”. Zulfiqar Bhutta, chefe do departamento de saúde de mulheres e crianças na Universidade de Aga Khan, em Carachi, concorda com Pollock quanto à necessidade de o misoprostol ser avaliada com maior firmeza. “Entretanto, não agiria com excesso de zelo”, afirmou Bhutta, também membro do grupo independente de especialistas sobre saúde materna e infantil que assessora o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon.
“É preciso aumentar seu uso em condições adequadas e também observar cuidadosamente seu abuso. Tampouco é uma panaceia e não deveria gerar complacência no provimento de serviços essenciais”, afirmou à IPS Bhutta, que também é um dos presidentes da Countdown to 2015 (Contagem Regressiva para 2015), uma organização que supervisiona os avanços para o cumprimento do quinto dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
“Creio que o objetivo do estudo publicado há pouco é separar a ciência do zelo messiânico”, destacou Bhutta. “O misoprostol é promissor e devemos realizar um esforço para avaliar sua segurança. Contudo, há gente no Paquistão que recomenda sua distribuição em grande escala para todos os partos. Será rentável, ou seguro?”, questionou.
O estudo de Pollock gerou preocupação em nível internacional. Upeka de Silva, da Federação Internacional de Planejamento Familiar, disse à IPS por e-mail que, se a OMS retirar o misoprostol da lista, significará que “uma incontável quantidade de mulheres ficará privada de atenção vital e obrigada a sofrer complicações relacionadas com a gravidez que são totalmente evitáveis”. E acrescentou que “estamos plenamente conscientes das limitações e de que é necessária uma pesquisa permanente sobre as melhores práticas de atenção materna”.
“Para paliar as necessidades urgentes das mulheres, especialmente de comunidades rurais e marginalizadas, confiamos em seguir a abundante literatura e evidência de especialistas que apoiam a segurança e a efetividade do misoprostol para múltiplas indicações em matéria de saúde reprodutiva”, argumentou Silva. “Não está certo criar confusão a partir de escritórios cômodos, enquanto a realidade no Paquistão é bastante diferente”, apontou Ahsan. “As condições nas quais trabalhamos são muito, muito limitadas. Não esqueçamos as altas temperaturas e os prolongados apagões”, que dificultam a refrigeração, enfatizou. Envolverde/IPS