Bonpland, Argentina, 18/12/2014 – Os verões do nordeste da Argentina são quentes e úmidos. Na hora da sesta, os habitantes desse município rural se refrescam com o tererê (erva-mate gelada), que até há pouco não podiam preparar por falta de água potável ou de eletricidade. Mas, às vezes, um pequeno financiamento alivia grandes desigualdades.
Andrés Ortigoza, morador em uma das vilas de Bonpland, mostra orgulhoso seu novo e simples painel solar que alimenta um chuveiro elétrico. Durante o inverno, o tererê é substituído pelo mate quente, e tomar banho de água fria nem os curtidos gaúchos (trabalhadores rurais tradicionais do Cone Sul), como ele, aguentam. “Antes tomávamos banho com água fria, era duro no inverno, ou esquentávamos água com lenha”, contou à IPS.
Picada Norte, onde vive Ortigoza, só teve acesso à rede elétrica em 2010. Mas o serviço ainda tem falhas e seu custo altera a economia familiar. A instalação de aquecedores solares (aparelhos de água quente com energia solar térmica) é um dos projetos financiados em Bonpland pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial, por meio do Programa de Pequenas Doações (PPD). Com seus financiamentos não reembolsáveis de até US$ 50 mil, fica evidente como pequenas iniciativas comunitárias têm um impacto positivo em problemas ambientais globais.
A expansão da atividade florestal – principalmente destinada a fornecer matéria-prima para a indústria de papel – e o uso de lenha como recurso energético contribuem para o desmatamento da selva de Misiones, que abriga metade da biodiversidade argentina. A área integra a ecorregião da selva paranaense, que recebe nomes diferentes em cada país por onde se estende: Brasil, Paraguai e Argentina.
“Em nível internacional, falando dos três países, por volta de 1950 existiam 80 milhões de hectares, dos quais restam em pé apenas quatro milhões, e destes 1,5 milhão está em Misiones”, explicou à IPS o subsecretário de Ecologia da província. “Nosso território tem três milhões de hectares e praticamente a metade dessa superfície é selva paranaense”, acrescentou.
Segundo Ricardo Hunghanns, presidente da Associação Tabá Isiriri-Pueblos Del Arroyo, atualmente 45% do território produtivo de Misiones estão destinados à indústria florestal, o que mudou, a partir da década de 1990, a tradicional distribuição da terra e da economia da província. “Isso modifica radicalmente a estrutura agrária da província, onde 80% do produto interno bruto deixa de ser agrícola e passa a ser papel”, acrescentou à IPS o responsável da organização, que conta com dois projetos do PPD.
Por isso, o principal objetivo da Associação “é o fortalecimento da economia social, com a perspectiva de inclusão e de desenvolvimento produtivo de nossas comunidades”, afirmou Hunghanns. Para ele, “é fundamental o desenvolvimento de projetos que diversifiquem a atividade agrícola, e que, sobretudo, permitam que aqueles que foram expulsos de suas próprias terras, por suas unidades econômicas serem muito pequenas, possam regressar pela mão de experiências associativas”.
Em Bonpland, a Associação busca esse objetivo com projetos financiados pelo PPD. Mas antes tem de resolver questões básicas de sobrevivência. Sara Keller sofreu durante 45 anos com a falta de água. De sua aldeia ao riacho mais próximo, a um quilômetro de distância, carregava diariamente baldes de água de 20 litros, às vezes grávida e também carregando algum de seus filhos. O trajeto que percorreu supera os 20 mil quilômetros.
Agora, essa mulher casada, de 52 anos, com seis filhos e cinco netos, que vive na vila de Campiñas, tem água em sua casa, graças a uma simples tubulação de cinco quilômetros de extensão, financiada por outra iniciativa do PPD. “É algo impressionante o que sofri sem água, indo buscar longe em épocas de seca”, contou à IPS. Keller agora tem tempo livre para cuidar da horta, costurar e descansar.
Todos os projetos do PPD buscam incluir o componente de gênero. Muitas vezes as mulheres não querem participar das reuniões porque, por questões culturais, não gostam de opinar diante de seus maridos. Mas, definitivamente, são elas que estabelecem a prioridade dos projetos, ressaltou Hunghanns.
Assim aconteceu com a transformação de latrinas em banheiros. Soledad Olivera, casada com um camponês dedicado à extração de resina, que aos 18 anos já tem um filho de dois e está novamente grávida, desfruta do novo banheiro em sua casa em Picada Norte, que substituiu a latrina “suja e com mau cheiro”. “É tão lindo”, afirma enquanto olha, com um grande sorriso, para seu novo banheiro com vaso sanitário, chuveiro elétrico e, principalmente água.
O PPD é implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e financia 20 projetos em Misiones, que também incluem cuidado de vertentes naturais, desenvolvimento agropecuário sustentável, atividades ecoturísticas com comunidades indígenas guaranis, manejo de resíduos e produção de ervas medicinais.
“O nome de pequenas doações não é o melhor. Porque se trata de um compromisso entre partes. Nós colocamos algo e a comunidade e as organizações comunitárias também”, disse aos beneficiários René Mauricio Valdés, representante do Pnud na Argentina.
A contraparte da doação pode ser em dinheiro ou espécie, com mão de obra, por exemplo, ou entrega de máquinas de trabalho por parte dos municípios. Em todo o país, o PPD aplica US$ 1,8 milhão em 51 projetos nas províncias de Misiones, Corrientes, Entre Ríos, Formosa, Santa Fé e Chaco.
Diana Vega, representante da Secretaria de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Argentina, afirmou à IPS que o PPD não foi afetado pela queda em nível mundial da cooperação internacional. “Apostamos no programa porque são geradas mudanças fundamentais que levam a mudanças em nível local”, afirmou.
Vega explicou que “nos demos conta de que, muitas vezes, políticas nacionais não chegam aos lugares de base que são as comunidades, mas, ao contrário, aquelas iniciativas aplicadas em nível mais local e mais próximo da comunidade são as que podem ser replicadas da noite para o dia em níveis provincial e nacional”.
“Uma das coisas que mais gosto no PPD é que está estruturado de tal maneira que todo o dinheiro chega ao campo. Não se perde em gastos de escritório, administração”, afirmou Silvia Chalukian, presidente do Comitê Diretor Nacional do PPD.
Além de serem financiamentos pequenos, “facilita-se muito em termos de burocracia, trâmites, de comunicações para quem o maneja” e, por outro lado, “não se perde no ar, tem mais possibilidade de ser aplicado aos poucos, as pessoas vão aprendendo a manejá-lo durante o transcurso do projeto”, com duração de até dois anos, acrescentou Chalukian. Envolverde/IPS