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Quenianas das áreas rurais têm embaixadora em Doha

As mulheres de Turkana foram muito prejudicadas pela seca que afetou o Chifre da África em 2011. Foto: Isaiah Esipisu/IPS

 

Doha, Catar, 29/11/2012 – Doha, a capital do Catar, cheia de arranha-céus, está muito distante do lar de Cecilia Kibe, no distrito de Turkana, no Quênia, uma área isolada e gravemente afetada pelos efeitos da mudança climática. Graças à Fundação Mary Robinson-Justiça Climática, esta agricultora e socióloga pôde viajar para participar da 18ª Conferência das Partes (COP 18) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece em Doha, e ouvir como cientistas, pesquisadores e autoridades governamentais discutem casos com o de seu distrito, habitado em sua maior parte por comunidades nômades.

Kibe tem uma missão: reunir toda a informação possível para compartilhar com as mulheres de sua comunidade. Turkana foi uma das áreas mais afetadas pela seca que açoitou o Chifre da África em 2011. Segundo a Oxfam International, a escassez de chuvas nos últimos cinco anos prejudicou severamente as comunidades. No ano passado, a agência de notícias da Organização das Nações Unidas, Irin, informou que “Turkana apresenta taxas de desnutrição de até 37,4%, as maiores registradas em 20 anos e mais que o dobro do umbral de emergência fixado pela Organização Mundial da Saúde, de 15%”.

Em seu distrito, Kibe administra uma rede de intercâmbio de informação que ela mesma iniciou, porque se negou a permitir que as mulheres de sua aldeia passassem fome por perderem suas colheitas devido à persistente seca. “A maioria das mulheres nas comunidades rurais africanas ainda atribui o impacto da mudança climática a diferentes mitos, como o de que Deus está com raiva da população”, explicou à IPS. “Trabalho com quatro mil voluntárias que educam as demais integrantes de suas comunidades e as ajudam a adotar estratégias de adaptação”, contou.

Libe batizou sua organização de Mulheres Voluntárias do Quênia pela Justiça Climática, e agora prevê expandir a rede para beneficiar mais de três mil famílias. “As mulheres identificam suas áreas de necessidade e, com base na informação que recebo em conferências internacionais com esta, iniciamos projetos para enfrentar esses desafios”, destacou. Os projetos são financiados pela Fundação Mary Robinson-Justiça Climática.

Kibe lamentou que o conteúdo gerado em conferências como a COP 18 não seja levado em seguida às pessoas mais afetadas pelo aquecimento global. “Precisamos reunir informação nesta conferência para ajudá-las a entender exatamente o que está ocorrendo”, enfatizou. Uma das maiores preocupações de Kibe é a insegurança alimentar. A produção de mandioca, cultivo tolerante à seca, foi identificada como uma importante ferramenta para combater o problema. Anteriormente, a população do distrito de Turkana se dedicava fundamentalmente à produção de milho, que, em geral, não prosperava pela falta de chuvas.

Outro problema urgente é a escassez de recursos hídricos, afirmou Kibe. Mulheres, meninos e meninas devem caminhar longas distâncias para recolher água, que muitas vezes está contaminada. “Introduzimos um sistema de purificação de água que funciona com energia solar. Utiliza um pequeno aparelho que facilmente limpa a água quando colocado ao sol. É só apertar um botão”, destacou. Também, exorta as mulheres a plantarem cinco árvores cada uma para enfrentar as emissões de dióxido de carbono.

“A transferência de conhecimentos é muito importante porque sabemos que, além de se adaptarem, as mulheres precisam mitigar os efeitos da mudança climática com tecnologias inteligentes para sua agricultura e suas fontes de energia doméstica”, afirmou a pesquisadora Trish Glazebrook, da norte-americana Universidade do Texas. A cientista disse à IPS que as mulheres da África subsaariana não são apenas vítimas do aquecimento global, mas também geradoras do fenômeno porque carecem de tecnologia que melhore seus métodos de cultivo, e continuam dependentes da agricultura, setor que contribui para as emissões globais, explicou.

Mary Robinson, que foi a primeira presidenta da Irlanda (1990-1997), disse que a história de Kibe é um exemplo do motivo de as mulheres necessitarem de uma adequada representação na COP 18. “Muitas mulheres rurais como Cecilia fazem um grande trabalho no terreno a favor da adaptação, mas são muito pouco reconhecidas e trabalham com recursos limitados”, lamentou.

Ao falar, no dia 27, em Doha, sobre as atividades deste mês por ocasião do Dia da Igualdade de Gênero, no dia 25, Robinson pediu uma participação mais ativa das mulheres na conferência. Durante mais de dez anos, organizações de mulheres cobraram que a igualdade de gênero fosse contemplada na COP. “Precisamos de um equilíbrio maior de gênero em todos os órgãos da Convenção, e inclusive na participação” da conferência, ressaltou.

A secretária executiva da Convenção, Christina Figueres, concordou: “É muito insensato não ampliar a participação de um grupo que representa 50% da população mundial”. Ela também se mostrou orgulhosa por um texto sobre gênero ser incluído no processo da Convenção, embora tenha admitido que as palavras precisam ser traduzidas em ações.

Por sua vez, a ministra do Meio Ambiente de Moçambique, Alcinda Abreu, afirmou que a sociedade global precisa mudar de mentalidade para permitir que as mulheres façam contribuições significativas em todos os níveis do processo sobre a mudança climática. “As estratégias de adaptação devem priorizar os agricultores, particularmente as mulheres que se dedicam fundamentalmente ao cultivo de subsistência, e as comunidades onde vivem”, acrescentou.

Já o assessor especial da União Internacional para a Conservação da Natureza, François Rogers, disse à IPS que as mulheres de todos os setores podem ser capacitadas para participar dos processos de elaboração de políticas, tanto em nível local, quanto regional e internacional. “Não se trata apenas de cumprir cotas de gênero. Devemos assegurar que elas ganhem confiança e entendam os temas para que possam participar plenamente na tomada de decisões”, opinou. Envolverde/IPS