Lusaka, Zâmbia, 7/11/2012 – Zâmbia pode perder sua batalha pela segurança alimentar se os produtores de pequena escala continuarem sendo expulsos de suas terras tradicionais para dar lugar à grande agroindústira, segundo o catedrático Mickey Mwala. “Os pequenos agricultores são os responsáveis pela segurança alimentar de Zâmbia. Sua expulsão terá efeitos de longo prazo nesse sentido, caso se prolongue e se amplie”, advertiu Mwala, decano da Faculdade de Agricultura da Universidade de Zâmbia.
“A monopolização de terras aumenta a incidência e a prevalência da pobreza no país, ao aumentar a quantidade de pessoas que não podem cultivar seu próprio alimento nem enviar os filhos à escola”, disse Mwala à IPS. A expulsão de agricultores de suas terras tradicionais começou há 12 anos, mas ganhou maior relevância depois de 2005, quando o governo exortou por maior investimento direto estrangeiro, segundo a organização Zambia Land Alliance. A monopolização de terras por investidores locais e estrangeiros é considerada atualmente lugar comum.
No distrito de Masaiti, na província rica em minerais de Copperbelt, mais de dois mil produtores foram expulsos de suas terras em 2011, quando uma empresa nigeriana fabricante de cimento adquiriu 200 hectares, e a eles pagaram indenização de apenas US$ 250 por hectare. A instalação de empresas mineradoras nas províncias de Copperbelt e Luapula também deixou milhares de pequenos agricultores sem lar.
Segundo o estudo Monopolização de terras e crise alimentar global, realizado em 2011 pela organização internacional Grain, 3% das terras cultiváveis de Zâmbia estão nas mãos de estrangeiros que as usam para produzir alimentos. A Grain é uma organização que promove a gestão sustentável e o uso da biodiversidade agrícola. Para o independente grupo de estudo Instituto Oakland, o investimento no setor agrícola aumenta neste país porque o governo “comercializa e planeja em segredo o desenvolvimento de pelo menos 1,5 milhão de hectares sem seu território”.
Não há uma investigação sobre a quantidade exata de deslocados, mas o Sindicato Nacional de Agricultores de Zâmbia (ZNUF) diz que podem chegar aos milhares. O vice-presidente do ZNUF, Graham Rae, disse que a expulsão de agricultores de suas terras tradicionais é um assunto que preocupa, pois “ocorre há algum tempo”, afirmou. “A segurança alimentar pode ser afetada porque, provavelmente, há alguns milhares de agricultores sem produzir”, ressaltou.
“Em países como a África do Sul, a segurança alimentar depende de grandes agricultores, mas em nosso caso o setor de subsistência desempenha um papel importante. Por isso, a segurança alimentar pode ser afetada, e não apenas em nível familiar, mas nacional”, pontuou Rae. Os pequenos agricultores representam 70% do setor em Zâmbia, segundo o ZNUF. O Sindicato tem 200 mil agricultores emergentes e comerciais, e 400 mil de subsistência. Porém, em todo o país poderiam ser o dobro, ou o triplo, pois muitos não são filiados à organização.
O diretor executivo da Zambia Alliance Land, Henry Machina, atribuiu a expulsão de pequenos produtores aos procedimentos “enganosos” para obter títulos de propriedade e às leis arcaicas que não reconhecem os direitos consuetudinários. Segundo a lei de Zâmbia, as escrituras são o único documento legal que prova a propriedade da terra. “Tramitar requer entre dois meses e dez anos. É um sistema muito arcaico e centralizado. A escritura só é expedida pelo Ministério de Terras”, informou à IPS.
Também é “muito caro”, acrescentou Machina. “Os produtores devem pagar transporte, alimentação e alojamento cada vez que viajam para fazer o acompanhamento do trâmite. Podem chegar a gastar cerca de dez milhões de kwachas (cerca de US$ 2 mil) no processo. Por isso, alguns ficam e continuam cultivando”, afirmou. Cerca de 59% dos 13,5 milhões de habitantes são pobres e 65% deles vivem em zonas rurais.
Pretorious Nkhata, do distrito de Mpongwe, província de Copperbelt, contou que em 2008 foi expulso, por uma empresa sul-africana, dos 21 hectares que cultivava desde os dez anos. Hoje com 68 anos, Nkhata disse à IPS que um líder tradicional lhe entregou seu terreno, mas sem o título de propriedade, da mesma forma que ocorreu com os outros agricultores expulsos dos 46.876 hectares onde agora se pratica uma agricultura comercial.
“Nos disseram que éramos invasores nessas terras. Perdi tudo”, lamentou. A companhia “veio com armas e ameaçaram atirar em quem resistisse. Queimaram nossos pertences, o armazém, roupa, lençol, cama, televisão, minhas terras. Éramos quase 200 famílias”, contou Nkhata. A empresa implicada em seguida vendeu as terras e encerrou suas operações em Zâmbia. A IPS não conseguiu localizar nenhum responsável pela companhia para obter uma declaração.
Um advogado que representa os agricultores deslocados, que não quis se identificar, disse que “os artigos 33 e 34 da Lei de Registro de Terras e Títulos estabelece que ter um certificado é a prova prima facie de propriedade de um terreno”. Explicou que “o princípio básico indica que quem tem o título de propriedade é o dono da terra e de tudo que há nela. Não importa o que tenha feito ali se não tiver esse documento”. “Lutamos para conseguir algum tipo de indenização pelo desenvolvimento que tiveram no terreno, mas os novos proprietários não têm nenhuma obrigação legal” de pagar compensações, destacou o advogado.
A secretária permanente do Ministério de Terras, Daizy Ng’ambi, disse à IPS que o governo estuda um documento para dar segurança aos que são proprietários consuetudinários. Também disse que o Ministério está voltado a melhorar o processo de entrega de títulos de propriedade para reduzir os prazos de tramitação para esse documento. Contudo, nada disto devolverá a terra de Nkhata, que atualmente vive a 40 quilômetros do que foi sua terra. “Estou perdido, não me deram nenhuma compensação nem alternativa”, lamentou. Envolverde/IPS