Gaza, Palestina, 22/2/2013 – “Queríamos fazer algo para chamar a atenção para a difícil situação dos presos políticos palestinos, dos quais cinco mil estão em prisões israelenses, alguns em greve de fome e outros são crianças e mulheres”, explicou Mohannad Barakat, de 30 anos. Ele é um dos sete moradores de Gaza que fizeram a versão palestina do popular vídeo da canção Gangnam Style, do sul-coreano Psy, que já tem milhões de reproduções no Youtube. A versão feita em Gaza (https://www.youtube.com/watch?v=bW7PN9fn9PQ) mostra a crua realidade que a população palestina sofre sob a ocupação de Israel e o rígido bloqueio ao qual está submetida a Faixa de Gaza há anos.
“Queríamos contar ao mundo as circunstâncias impossíveis sob as quais vivemos, que nosso aeroporto foi destruído, que nossos pescadores não podem ir para o mar, que metade de nossa população não tem trabalho, que usamos túneis em lugar de passagens fronteiriças e burros porque o combustível é escasso”, afirmou Barakat. Esta nova versão do vídeo destaca alguns dos problemas mais angustiantes de Gaza, como cortes de energia elétrica, escassez de combustível, falta de liberdade de movimento e desemprego.
Vestidos de negro com as cabeças cobertas por kufiyyas, o tradicional pano branco e negro, cinco homens e dois meninos dançam uma fusão de Gangnam Style e dabke, a dança enérgica típica de muitos países árabes. O vídeo, de quatro minutos e meio de duração, mostra a costa de Gaza, contaminada pelo lançamento diário de 90 milhões de litros de esgoto sem tratamento, os postos de combustível, mas sem ele, os túneis utilizados como passagem fronteiriça, por onde entram os materiais de construção proibidos pelas autoridades israelenses e várias vezes bombardeados.
A explosão que aparece no vídeo original é muito adequada para a versão palestina, pois houve duas grandes ofensivas israelenses contra a Faixa de Gaza nos últimos quatro anos, além de outros numerosos ataques, anteriormente e entre as duas incursões. Os moradores de Gaza estão muito familiarizados com os bombardeios.
Wassim Abu Shabaan, de dez anos, é uma das crianças que aparecem no vídeo, e também é uma das milhares cujas casas foram destruídas por bombardeios e tratores israelenses nos últimos anos. “Toda a casa foi destruída, tudo ficou destruído, nosso computador, meu quarto, nossa roupa, tudo”, contou o menino se referindo ao bombardeio israelense de 2009. “As crianças palestinas podem reconhecer um avião de combate F-15 e um F-16, e os drones (não tripulados) com mísseis e, ainda, os de vigilância, apenas pelo som de cada um”, detalhou Barakat.
No ataque israelense de novembro de 2012 contra Gaza, os aviões de combate bombardearam o estádio palestino, um dos poucos lugares para espetáculos esportivos e onde treinavam atletas deficientes. Gagnam Gaza Style mostra a destruição do local com os cinco homens e as duas crianças entrando nele levando uma bola de futebol e encontrando as ruínas.
O Programa de Saúde Mental da Comunidade de Gaza constatou, em 2009, que 91% das crianças locais sofriam estresse pós-traumático de moderado a severo. Os menores constituem cerca de metade dos 1,7 milhão de habitantes da Faixa de Gaza. “Todos nós somos afetados pelo sítio e pelas várias guerras de Israel contra Gaza. Todos temos problemas psicológicos por vivermos nestas circunstâncias. Não havíamos nos recuperado da ofensiva de 2009 quando vieram os ataques de 2012”, contou Barakat.
A infraestrutura de Gaza tampouco havia se recuperado dos ataques ou do sítio. Os hospitais enfrentam uma constante falta de medicamentos essenciais e de outros suprimentos, e as escolas sofrem uma grave superpopulação. A maioria delas funciona em dois ou mesmo três turnos para poder atender os estudantes.
Desde 2006, quando Israel bombardeou a única usina de geração elétrica de Gaza, toda a Faixa ficou sem eletricidade, nos piores anos com cortes de 18 a 20 horas, e agora com interrupções programadas de oito horas com luz e oito horas no escuro. “Estamos no século 21, mas Gaza continua sem eletricidade”, pontuou Barakat. “O uso de velas e geradores dentro das casas durante os cortes de energia causou muitos incêndios e mortes por envenenamento com monóxido de carbono nos últimos anos”, acrescentou.
Agora, este território tem outro grande problema, que é a falta de gás para cozinha, a gravidade aumenta em especial nos duros meses de inverno quando os alimentos e as bebidas quentes ajudam a compensar a falta de calefação nas casas, que não costumam ter bom isolamento. Além disso, o problema do tratamento do esgoto ainda não foi resolvido pela falta de material de construção para ampliar velhas instalações.
A combinação de cortes de energia e, em especial, a falta de água potável são os principais elementos que contribuem para uma crise hídrica em Gaza, onde 95% da água é imprópria para beber, segundo padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2012, intitulado Gaza 2020: um lugar habitável?, prevê que o aquífero, já superexplorado e com pouca água, deixará de ser uma fonte de abastecimento em 2016.
Desde 2008, morreram pelo menos 81 pacientes por atraso em traslados médicos, segundo a OMS. Por sua vez, as autoridades palestinas informaram em 2012 que 400 pacientes com problemas renais estavam em risco por falta de equipamentos essenciais para fazer hemodiálise. A organização britânica Assistência Médica para os Palestinos (MAP) informou que 10% das crianças menores de cinco anos sofriam desnutrição crônica e que a anemia proliferava entre as grávidas.
Desde 2007, o exército de Israel matou 2.300 palestinos, segundo um informe do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, publicado em junho de 2012. O documento não inclui os mortos durante o ataque de novembro. A maioria dessas mortes, bem como das 7.700 pessoas feridas, ocorreram ao longo da fronteira de Gaza e no mar, onde agricultores e pescadores são atacados enquanto trabalham.
A zona de contenção delimitada por Israel restringe o acesso da população de Gaza a 35% das terras cultiváveis, o que tem grande impacto em sua economia e nas suas fontes de alimentos. A maioria dos jovens do vídeo Gangnam Gaza Style estudou ou cursa o terceiro grau, mas quase todos estão desempregados. O vídeo foi feito em duas semanas com a câmera de um telefone celular e seu custo foi de US$ 100. “A maior parte para táxi e cartão telefônico”, detalhou Barakat. Envolverde/IPS