Astana, Cazaquistão, 20/12/2013 (EurasiaNet) – Quando o banqueiro Darjan Botabayev tentou reservar um voo na companhia aérea nacional do Cazaquistão em setembro, o que começou como uma compra rotineira se converteu em um ataque que comoveu o país: o homem perdeu o controle e deu um soco no rosto da jovem vendedora de passagens.
Outro incidente violento ocorreu em outubro, quando Kanatbay Turmaganbetov, um prefeito rural do norte do país, se ofendeu porque uma mulher fotografou um cartaz do presidente Nursultan Nazarbayev. Ele a convocou em seu escritório onde “bateu sua cabeça na parede, lhe deu vários socos no peito e um pontapé”, segundo notícia divulgada na imprensa local.
Turmaganbetov foi julgado, multado e afastado do cargo. Botabayev foi obrigado a renunciar à direção do Kazinvestbank (banco cazaquistanês de investimentos) e acabou na lista negra da Air Astana, após o que se desculpou diante da vítima com um ramo de flores e doou US$ 10 mil a obras de caridade.
Esses incidentes comoveram o país, mas ativistas dizem que não são casos isolados. O mais perturbador é que muitos ataques contra mulheres ficam atrás de portas fechadas. Como o de Marina, que se casou com um homem abusador para escapar de um pai que se tornou violento com ela desde que, aos 15 anos, foi violada e engravidou. O caso de Irina, cujo marido incendiou o apartamento de sua mãe onde ela se refugiou para fugir dos seus abusos. Em alguns casos as vítimas não sobrevivem, como Rashida, cujo marido invadiu sua casa, fechou as filhas em um quarto e a matou a punhaladas.
Esses casos foram registrados mediante testemunhos pelo Centro de Crise Podrugi (Amigas), em Almaty, que oferece apoio psicológico e legal às vítimas e capacita profissionais dedicados à aplicação da lei, à educação e à saúde. A organização também tenta fazer com que o problema se converta em prioridade política.
Quando foi criada a Podrugi, há 15 anos, a violência de gênero não era reconhecida como um problema ou um crime. Costumava-se retratá-la como parte da vida privada das famílias. Incansáveis esforços de ativistas ajudaram a mudar as percepções. E no discurso sobre o estado da nação do ano passado, um “alarmado” presidente Nazarbayev disse que esse assunto exigia atenção.
“A violência não é um problema privado”, apontou Nadezhda Gladyr, a presidente da Podrugi, em entrevista ao EurasiaNet.org. “É um problema social, porque ultrapassa as fronteiras da família. É um problema do Estado”, afirmou. Um marco nessa luta foi a lei contra a violência doméstica, aprovada em 2009. O parlamento agora discute reformas para torná-la mais severa e garantir maior apoio às vítimas.
Ninguém sabe quantas mulheres sofrem abusos e maus tratos no Cazaquistão a cada ano. Paradoxalmente, as estatísticas oficiais (que em matéria de violência de gênero são claramente pouco confiáveis na maioria dos países) mostram que a quantidade de crimes sem registro caiu desde que a lei foi adotada.
Dados do Comitê de Estatísticas Legais do Escritório do Procurador Geral mostram que em 2012 foram registrados 783 casos, contra 887 em 2009. No ano passado, 285 mulheres morreram em incidentes relacionados com violência doméstica, disse Gulshara Abdykalikova, que dirigiu a Comissão Nacional para os Assuntos das Mulheres e da Política Demográfica Familiar e foi nomeada vice-primeira-ministra em novembro.
Representantes da Podrugi estimam que um quinto das famílias do país sofrem violência. O informe da Agência Nacional de Estatísticas sobre crimes contra mulheres em 2012 mostra que foram registrados 13.797 delitos violentos contra elas, “em muitos casos” de caráter machista.
Mas, quem denuncia é estigmatizada, portanto, “nem todas as mulheres falam, não querem lavar roupa suja em público”, disse Abdykalikova, em fevereiro. Tatyana Usmanova, do não governamental Centro de Apoio às Mulheres, disse em uma mesa-redonda realizada em janeiro que “a sociedade é muito tolerante com a violência doméstica”.
Mesmo quando procuram a polícia, frequentemente as denúncias são retiradas por pressão familiar ou pela dependência econômica que muitas têm com os agressores. Cerca de 20 mil mulheres apresentaram denúncias policiais por violência de gênero em 2011, disse no ano passado ao parlamento o vice-ministro do Interior, Kayrat Tynybekov. Contudo, apenas uma fração das denúncias iniciais acabam nos registros oficiais.
As divergências entre a quantidade de crimes registrados e a de mulheres que buscam ajuda é enorme. Em outubro informou-se ao parlamento que, desde o começo do ano até esse mês, 37 mil vítimas haviam solicitado ajuda das Unidades para Proteger as Mulheres da Violência, vinculadas ao Ministério do Interior, e que 11 mil haviam recorrido aos 28 centros de crises do país.
A proporção de condenações parece ter caído desde a adoção da lei. Em 2012, foram 509 sentenças, contra 988 em 2009. Essa queda de 48% é muito maior do que a baixa de 12% nos crimes informados, embora as condenações por acusações menores possam alterar os números. No ano passado, 386 pessoas receberam sentenças de custódia (76% das condenações).
A propósito da campanha 16 Dias de Ativismo Contra a Violência em Relação às Mulheres, que vai de 25 de novembro a 10 de dezembro, a Podrugi pressionou o governo para que criasse uma rede nacional de abrigos financiados pelos Estados para as vítimas. No momento, organizações não governamentais operam uma rede heterogênea, e algumas cidades importantes, entre elas Almaty, não têm abrigos designados.
Os legisladores se manifestaram em apoio do papel estatal. “Para nós, que representamos os direitos das mulheres, é importante que o Estado tenha um papel de protagonista na prevenção, e, portanto, os abrigos públicos são realmente cruciais”, enfatizou Gladyr. “O governo agora está nos ouvindo, e está conosco”, ressaltou. Envolverde/IPS
* Joanna Lillis é jornalista independente, especializada em temas da Ásia central. Este artigo foi publicado originalmente na EurasiaNet.org.