Rio de Janeiro, Brasil, 11/4/2011 – O Rio Xingu, na Amazônia brasileira, corre entre ilhas, ilhotas, pedras, cascatas e corredeiras, com uma largura que aparenta ausência de leito em grande parte de sua extensão. Sua navegação é um risco constante. O projeto de construir a hidrelétrica de Belo Monte ali, no Estado do Pará, na Amazônia oriental, enfrenta uma variedade similar de obstáculos.
A oposição não se limita às usuais queixas dos ambientalistas e de algumas organizações sociais nacionais. Vai se formando uma ruidosa coalizão, com ramificação internacional, e somam-se críticas de especialistas em energia que duvidam da viabilidade econômica e dos benefícios anunciados de Belo Monte.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao governo brasileiro “suspender imediatamente o processo de licença do projeto e qualquer obra material”, para proteger os indígenas locais que sofrerão os efeitos da construção da hidrelétrica. As três “medidas cautelares” tomadas em 1º deste mês pela CIDH, órgão integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), respondem a denúncias feitas em novembro por 40 organizações não governamentais brasileiras.
Pede-se ao governo brasileiro que ofereça aos indígenas consultas “prévias, livres, informadas e culturalmente adequadas”, acesso ao estudo de impacto social e ambiental do projeto, com tradução para línguas nativas, e proteção da “vida e integridade pessoal”, incluindo a prevenção de doenças que surgirão com o início das obras e o fluxo migratório para a região. No dia 7, Brasília respondeu, por meio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que será devolvida “sem processar” a “intempestiva” solicitação da CIDH. “Tal como essa solicitação chegou, será devolvida”, afirmou.
O ex-presidente norte-americano Bill Clinton defendeu os direitos indígenas e a biodiversidade e sugeriu buscar alternativas para as hidrelétricas na Amazônia, durante sua participação no Fórum Mundial de Sustentabilidade, no dia 26 de março, em Manaus, capital do Estado do Amazonas. O cineasta canadense James Cameron, diretor do filme Avatar, está em franca campanha contra Belo Monte. Também em março, visitou indígenas do Xingu pela terceira vez, acompanhado do ator Arnold Schwarzenegger, ex-governador da Califórnia, que não opinou sobre a hidrelétrica, mas se manifestou favorável às fontes alternativas de energia.
Esta repercussão nacional, que afeta a imagem do país no exterior, incentiva iniciativas que tentam paralisar um projeto que, no entanto, muitos consideram um “fato consumado”, pois obteve a licença prévia das autoridades ambientais, o que permitiu a realização do leilão de concessão em 20 de abril de 2010. Contudo, o Ministério Público mantém na justiça dez ações para anular as licenças e o leilão, que o procurador Felício Pontes considera ilegal, entre outras razões, por não respeitar os direitos indígenas, como a consulta prévia e informada prevista no Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
As “obras materiais” de Belo Monte começaram há um mês, com a preparação das instalações para o trabalho inicial de construção, que exige abertura de estradas e desmatamento de 238 hectares. Para isso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) concedeu uma autorização não prevista na legislação. Para iniciar qualquer obra, o consórcio que venceu a licitação, formado por 18 empresas, deveria obter a licença de instalação após cumprir as 40 medidas de compensação preventivas, “condicionantes” impostas pelo Ibama com base no estudo de impacto ambiental, argumentam procuradores e ambientalistas.
Entre essas medidas não cumpridas estão saneamento básico e outras condições para que as cidades vizinhas possam receber quase cem mil migrantes – entre trabalhadores da construção e pessoas em busca de emprego – sem provocar epidemias nem causar colapso nos serviços existentes. As irregularidades se acumularam e provocaram a renúncia de vários responsáveis do Ibama, segundo os críticos. E, ao que parece, poderiam fazer com que Belo Monte se torne vulnerável aos questionamentos judiciais.
No entanto, a experiência obtida no Brasil mostra que os tropeços iniciais, por ações de promotores como Felício, acabam neutralizados por recursos em tribunais de apelação ou superiores. Os aspectos decisivos são econômicos. Belo Monte terá capacidade de gerar 11.233 megawatts, uma eletricidade que os planejadores consideram necessária para manter um crescimento do produto interno bruto nacional de 4% a 5% ao ano, e, espera-se, por um longo período.
Contudo, a geração elétrica efetiva alcançará, em média 60% dessa potência, porque o fluxo hídrico do Xingu diminui muito no verão amazônico, período de estiagem que vai de junho a novembro e que pode se prolongar e acentuar-se com a mudança climática, segundo as previsões. O fluxo de até 30 mil metros cúbicos por segundo nos dias de maior intensidade, baixa para menos de mil metros cúbicos nos meses mais secos.
A opção tecnológica escolhida, uma hidrelétrica de fio de água, agrava os aspectos negativos do sistema brasileiro que, para garantir eletricidade em época de pouca chuva, ativa suas centrais termoelétricas a gás, petróleo ou carvão, “sujando” e encarecendo a matriz energética. As novas turbinas escolhidas não necessitam de represas tão grandes quanto as anteriores. Um projeto anterior de Belo Monte, da década de 1980, quando se chamava Kararaó, previa inundar 1.220 quilômetros quadrados.
Agora a superfície inundável caiu para 516 quilômetros quadrados, com a esperança de assim neutralizar as pressões ambientalistas e evitar que terras indígenas fiquem sob a água. Porém, uma represa menor eliminará as reservas de água para a estiagem. As autoridades energéticas argumentam que, de todo modo, ao operar com grande potência nos meses chuvosos, Belo Monte permitirá economizar água nas demais represas, assegurando eletricidade por mais tempo.
No entanto, diante das incertezas que cercam Belo Monte, vários especialistas em energia passaram nos últimos tempos a defender a ideia de uma grande represa, ignorando as pressões ambientalistas e indigenistas, como forma de melhorar a segurança energética do Brasil. Também creem que a hidrelétrica do Xingu custará, pelo menos, 50% mais do que o previsto, hoje em torno de R$ 19,6 bilhões.
Os trabalhos serão gigantescos, porque será desviada a maior parte das águas por um canal que exigirá a remoção de mais terra e rochas do que a construção do Canal do Panamá, segundo os ambientalistas. Esse desvio reduzirá o fluxo em um trecho de cem quilômetros da chamada Volta Grande do Xingu. Essa alteração do regime hídrico afetará a biodiversidade e a pesca, tirando condições de vida e transporte dos grupos indígenas, que somam pouco mais de 200 pessoas, e de populações ribeirinhas, denunciam ecologistas e biólogos, inclusive no estudo de impacto ambiental de Belo Monte.
Por outro lado, as autoridades energéticas e ambientais afirmam que os indígenas não sofrerão “impactos diretos”. Com isto, se busca evitar obstáculos jurídicos mais complexos, diante da proteção constituição de que gozam os povos autóctones. Mas a polêmica persiste em ganha dimensão internacional. IPS/Envolverde