Rio de Janeiro, Brasil, 30/3/2012 – Organizações sociais denunciaram que o primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff se caracterizou pelo “maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar”, revertendo uma tendência sustentada desde 1998. A denúncia consta de um documento que será apresentado ao governo brasileiro e ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, junto com uma carta assinada por 39 organizações ecologistas.
“É uma situação lamentável”, declarou à IPS o ativista Mario Mantovani, da SOS Mata Atlântica, ao falar na entrevista coletiva realizada no dia 28 com correspondentes da imprensa estrangeira. “Vivíamos um crescimento das questões ambientais desde o fim da ditadura (1964-1985) e o que vemos agora é que este governo colocou este assunto como moeda de troca, o que é muito ruim, porque se troca por coisas com uma importância política momentânea”, denunciou Mantovani se referindo a acordos com partidos de oposição.
“O Brasil entrou novamente naquela coisa de 1700, quando era fornecedor de matéria-prima, agora com tecnologia”, destacou com referência a produtos “altamente concentradores de terra” que degradam o meio ambiente. Mantovani se referiu ao retrocesso de “grandes conquistas”, como a função social da terra, que foram possíveis graças à colocação de limites às grandes fazendas em poucas mãos, um fenômeno “que exclui e que mata”.
“É um retrocesso impensável quando vem de um governo que foi produto da reação da sociedade”, destacou ao se referir ao Partido dos Trabalhadores (PT), que chegou ao governo em janeiro de 2003 com Luiz Inácio Lula da Silva e permanece com Dilma, que tomou posse em janeiro do ano passado.
As organizações, responsáveis pelo documento “Retrocessos do governo de Dilma na Agenda Socioambiental”, recordaram que os êxitos das duas últimas décadas permitiram ao Brasil ser o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de crescimento das emissões de carbono, o que contribuiu para colocá-lo como um líder ambiental no mundo. Contudo, ao contrário do prometido por Dilma, desta vez não se avançou e também se retrocedeu.
“Temos importantes sinais de que a agenda socioambiental futura será de desconstrução do realizado nos últimos 20 ou 30 anos”, disse à IPS o ativista Bazileu Margarido, do Instituto Democracia e Sustentabilidade. A advertência tem a ver com o projeto de reforma do Código Florestal, em discussão no Congresso, que reduz a proteção das selvas e concede ampla anistia ao desmatamento irregular registrado até julho de 2008.
Caso seja aprovado, “será instaurada uma impunidade que estimulará o desmatamento, além de reduzir as reservas legais e as áreas de proteção permanente em todo o país”, advertiu Margarido. Os ecologistas recordam que nos governos anteriores houve tentativas de reduzir os mecanismos legais de proteção das florestas e do meio ambiente, cuja “maior parte foi impedida pelo Poder Executivo devido à forte reação da sociedade”. Hoje, o governo “é cúmplice ou omisso no desarme” da legislação protetora, ressaltam.
O governo assegurou que o índice de desmatamento da Amazônia caiu 11,7% entre agosto de 2010 e julho de 2011, alcançando seu nível mais baixo registrado pelo terceiro ano consecutivo. Esta porcentagem equivale, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a uma área desmatada estimada em 6.238 quilômetros quadrados de selva, e constitui o menor índice de desmatamento neste país desde o começo do controle por satélite, em 1988.
Nilo D’Avila, coordenador de políticas públicas da filial do Greenpeace no Brasil, destacou que, precisamente, esse avanço se deu com o atual Código Florestal – que agora querem abrandar –, cujas penas incluem multas por desmatamento que impossibilitam o acesso ao crédito por produtores rurais infratores.
“Políticas com essas são as que deram resultados”, disse Brenda Brito, do Imazon, ao mencionar o caso dos frigoríficos “forçados” a não comprarem carne de gado criado em reservas ambientais que foram desmatadas. O documento também se refere à interrupção do processo de criação de unidades de conservação, um sistema legal de proteção de ecossistemas.
Na Amazônia, foram “excluídos 86 mil hectares de sete unidades de conservação para quatro grandes projetos hidrelétricos”, afirmou Margarido. “O governo de Dilma é o primeiro que não só deixa de criar novas áreas de proteção como as reduziu”, destacou Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental. Outra crítica se dirige à “fragilidade” dos órgãos ambientais do Estado, que fez decair o poder de controle e facilitou a entrega de licenças, por exemplo, no caso de Belo Monte, uma hidrelétrica que está em construção na Amazônia.
“Belo Monte destruiu as regras, as condicionantes ambientais e as populações indígenas afetadas”, ressaltou Valle ao alertar que, além dela, serão construídas na Amazônia outras 170 hidrelétricas, mais de 60 delas de grande porte e sem a suficiente “avaliação estratégica”. O conjunto destas obras provocará mais desmatamento, associado à emigração e especulação agrária. “Também vai alterar o regime hidrológico da região e afetará de forma irreversível as populações indígenas e comunidades de trabalho” do lugar, afirma o documento.
No texto é mencionado o congelamento dos reconhecimentos de terras indígenas e quilombolas (habitadas por descendentes de escravos africanos). Também alerta para outros projetos de alteração da legislação ambiental, em discussão no parlamento, como a que dificultará a criação de novas unidades de conservação e homologação de terras indígenas, o que “fragiliza” o bioma da Mata Atlântica, uma floresta de toda a costa brasileira contínua ao Oceano Atlântico, que hoje tem apenas 7% de sua extensão original.
Outras ações legais poderiam permitir a plantação de cana-de-açúcar na Amazônia e em outro bioma importante, o Pantanal, ou autorizar atividades de mineração em áreas indígenas, segundo os ecologistas. A mensagem parece ser que, “em nome do desenvolvimento, vamos facilitar os empreendimentos de uso intensivo de recursos naturais”, alertou Valle. Desde a última etapa do governo Lula, “vemos um governo desenvolvimentista que vê as condições ambientais como um entrave a ser eliminado”, acrescentou.
Outros retrocessos estão vinculados à “lentidão no saneamento” por uma queda considerável nos investimentos. Apenas 44,5% dos 198 milhões de brasileiros têm serviço de esgoto e, do material coletado, uma proporção muito baixa recebe tratamento, “o que significa que mais de 80% do esgoto deste país vai parar na natureza”. A regularização da propriedade agrária teve, segundo os ecologistas, “o pior desempenho” quanto à distribuição de terras da reforma agrária desde 1985 e também o menor orçamento para executá-la.
Diante da lista do que consideram retrocesso, as organizações exortaram Dilma a cumprir os compromissos ambientais assumidos em sua campanha. “Só uma ação forte desse tipo evitará graves prejuízos para a sociedade brasileira e que o Brasil viva o vexame de ser ao mesmo tempo anfitrião e vilão da Rio+20”, conclui o documento. O Brasil abriga quase 12% da biodiversidade do planeta, com quatro dos biomas mais ricos do mundo, entre eles a Amazônia. Envolverde/IPS