Europa: chegou a hora da esperança

Mário Soares.

Lisboa, Portugal, maio/IPS – Conheço o presidente eleito François Hollande desde os tempos de seu antecessor e meu amigo François Mitterrand. Tem uma visão ampla, é a personalidade que a França precisa para sair da crise e empreender uma política de recuperação econômica e social. Mas sua vitória no segundo turno eleitoral no último domingo vai muito além: é a clamorosa confirmação de precedentes e inequívocos sinais de que a Europa comprovou o fracasso da ideologia neolibera e está mudando de rumo.

Os europeus de vários Estados perceberam, finalmente, que as políticas de austeridade impostas para agradar aos mercados usurários estavam nos conduzindo pelo mau caminho. Empurrou os países europeus e a zona do euro para a desagregação e a decadência.

A chanceler Angela Merkel vê que seus sócios europeus não só resistem a obedecê-la – como ocorre há três anos – como também começam a conspirar contra sua política e procuram enfrentar a recessão, que paralisa a economia real e favorece a virtual, aumentando o desemprego de maneira socialmente inaceitável.

É necessário por obstáculos a esta crise recessiva in crescendo, que sacode um país após outro. Já não castiga apenas Grécia, Irlanda e Portugal, as primeiras vítimas dos mercados e das perigosas agências de classificação. Também estão na mira países grandes como Espanha, Itália e França, e países ricos, porém menores, como a Holanda, cujo governo caiu, e a Romênia, onde o governo deposto foi substituído por um executivo socialista. Também começam a enfrentar dificuldades Eslováquia, Eslovênia, República Checa e até a Finlândia.

Neste contexto, a chegada de Hollande à Presidência da França inclina para a esquerda o fiel da balança europeia.

Desfeito o eixo que havia forjado com o presidente derrotado nas urnas Nicolas Sarkozy, a chanceler Merkel, que enfrenta problemas internos que estão piorando e o crescimento da oposição (tanto socialdemocrata quanto verde) parece óbvio, terá que mudar de política e buscar um entendimento com Hollande.

A virada que impulsiona a vitória na França, não só não surpreendeu s socialistas europeus com eles já estavam preparados para assumi-la. assim demonstra a “conspiração” que teve lugar em Roma no dia 19 de abril, com a participação de representantes de partidos socialistas, socialdemocratas e democratas progressistas de diversos países europeus para analisa a situação e coordenar a ação diante de um próximo governo socialista francês, que julgavam mais do que provável.

No entanto, não diminui a gravidade do cenário econômico europeu e mundial. Recentemente, o Reino Unido entrou em recessão pela segunda vez desde o surgimento da crise global em 2008. E os Estados Unidos, segundo as declarações do presidente de seu banco central, Bem Bernanke, teme o contágio que pode propagar a recessão europeia.

É uma triste ironia que nos apresentam a globalização desenfreada e a ideologia neoliberal que desencadearam a crise global, precisamente nos Estados Unidos, de onde chegou à União Europeia e em menor escala a numerosos Estados de outros continentes. E agora os norte-americanos temem um refluxo que volte a atacar sua economia. Recordo o ditado popular: quem semeia ventos, colhe tempestades.

Hollande teve o discernimento político – ao contrário de Sarkozy – de que todos os Estados da zona euro dependem do futuro da União Europeia, que só pode assegurar uma mudança de política em escala continental. Afirmou com toda clareza que tal é a condição para que o projeto europeu não se encaminhe para a desintegração e uma irremediável decadência.

Finalmente se reconhece em toda a zona euro – e inclusive no Reino Unido – que a austeridade por si só não leva a parte alguma. Somente agrava o sofrimento dos mais fracos. As próprias instituições europeias começam a reconhecer esta verdade. O presidente europeu Herman von Rompuy convocou pela primeira vez uma reunião de cúpula para lutar contra a recessão e o desemprego.

No mesmo sentido, o norte-americano Spencer Oliver, secretário-geral da assembleia parlamentar da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), afirma que “a crise financeira foi provocada pelo afã de lucro de Wall Street” e que para superá-la é preciso, como demonstrou o presidente norte-americano Barack Obama, uma luta firme contra a recessão, o desemprego e a favor do Estado social. E acrescenta: “As críticas devem se dirigir aos sistemas financeiros, aos resgates e aos estímulos que canalizaram ingentes quantias para salvar muitos banqueiros que são os primeiros responsáveis pela atual situação”.

Esta é a hora da esperança, de que a vitória de Hollande se converte no impulso para mudar de modelo e acabar com a crise.  Envolverde/IPS

 *Mário Soares, ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.