Nesta semana, representantes de governo de 195 países estiveram reunidos em Estocolmo, na Suécia, para aprovar o texto final do primeiro volume do Quinto Relatório de Avaliação sobre o Meio Ambiente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O relatório vem sendo elaborado há quatro anos por centenas de cientistas renomados, do mundo todo, e seus outros três volumes deverão ser publicados até meados de 2014.
O IPCC analisa as pesquisas publicadas nos principais periódicos do mundo, com o objetivo de prover informações aos líderes mundiais sobre os efeitos e possíveis soluções para as mudanças climáticas. Desde a publicação de seu primeiro relatório, em 1990, o IPCC tem exercido grande influência nos debates e avanços das Nações Unidas, como na criação na criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (1992) e do Protocolo de Quioto (1997).
E seu quarto relatório levou à conquista do prêmio Nobel da Paz para o IPCC em 2007. Mas ainda assim não foi suficiente para gerar ações dos governos na urgência e intensidade recomendada pela ciência a fim de reduzir os grandes impactos econômicos, sociais e ambientais previstos em decorrência das mudanças climáticas. O novo acordo global, tão esperado na COP15 (Conferência do Clima da ONU), realizada em 2009 em Copenhagen, na Dinamarca, não saiu até hoje. Agora o novo prazo para um acordo global é 2015. Restam-nos, portanto, pouco mais de dois anos para que todos os países que fazem parte da Convenção de Clima das Nações Unidas cheguem a um único consenso – vamos ouvir a ciência e agir.
A grande mensagem do quinto relatório do IPCC é que a situação é cada vez mais crítica, e que, se nada ou muito pouco for feito, entraremos em uma trajetória muito perigosa. A janela de oportunidade para evitarmos o colapso do sistema climático é estreita. As emissões globais têm que atingir seu pico nos próximos anos e começar a serem reduzidas de forma acelerada para evitarmos que o aquecimento ultrapasse os 2°C de aumento médio da temperatura média do planeta, limite que os cientistas consideram como administrável. Mesmo no melhor cenário de redução de emissões, teremos que ter estratégias para lidar com as consequências do aquecimento que já ocorre hoje e que irá aumentar nas próximas décadas, afetando a vida de milhões de pessoas.
O novo relatório aponta um aumento no grau de certeza da influência humana no aquecimento global, agora de 95%. As cidades e o processo de urbanização vêm ganhando cada vez mais espaço nas discussões, visto que até 2030 dois terços da população global viverá em centros urbanos — marca que já foi ultrapassada em nosso País–, que 75% de toda energia é consumida nas cidades e que nessas áreas os efeitos das mudanças serão mais sentidos, principalmente pela grande concentração de pessoas e todos os problemas ambientais característicos das regiões metropolitanas.
Esses resultados estão muito alinhados com o primeiro relatório de avaliação nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Apresentado há pouco mais de duas semanas, o primeiro relatório nacional contou com a contribuição de mais de 300 cientistas e alerta a sociedade brasileira para os grandes impactos socioeconômicos e ambientais que nosso país sofrerá até o final do século, se mantida a tendência atual de emissão de gases de efeito estufa.
Não há opção outra que não a ação incisiva, pois o custo para a sociedade global da inação é impagável. Centenas de milhares de pessoas morrem e são drasticamente afetadas por eventos climáticos extremos a cada ano, e isso tende a piorar, com eventos extremos mais fortes e mais frequentes.
O Brasil conseguiu um feito inédito, que foi o de diminuir concretamente suas emissões com a queda no desmatamento. Porém, o País está pondo em risco esse único e importante trunfo, ao afrouxar as regras de controle do desmatamento, por meio da revogação do Código Florestal, do projeto substitutivo que visa alterar a Lei nº 9.985/2000 (do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação), da tentativa de paralisar a criação de unidades de conservação (PEC 215), e da tentativa de abrir terras indígenas à exploração industrial (PLP 227). Além de tudo isso, o País não avançou em outras áreas de mitigação das emissões em adaptação às mudanças climáticas já em curso.
De 11 a 22 de novembro, será realizada a COP19 – 19ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – em Varsóvia (Polônia). Os países membros estão recebendo da ciência um grande alerta para a urgência do avanço nas negociações para o novo acordo global de clima, a ser aprovado até a COP21, em 2015, em Paris (França). O Observatório do Clima, rede brasileira de ONGs e movimentos sociais sobre mudanças climáticas, criada em 2002, espera que o governo brasileiro adote uma postura mais proativa e mantenha o papel de protagonismo que vem marcando sua atuação desde a criação da Convenção do Clima, no Rio de Janeiro em 1992.
A realidade climática no Brasil é de seca extrema no Nordeste, a pior em décadas, mais uma enchente no vale do Itajaí, um tornado no sul de São Paulo, entre outros eventos extremos. O Brasil precisa reagir para tornar mudanças climáticas tema prioritário para os grandes planos de desenvolvimento do País, em todos os níveis de governo. Hoje temos trilhões de recursos a serem investidos em infraestrutura, planos de expansão da geração de energia principalmente de fontes fósseis (cerca de 70% dos investimentos do País), planos safra anuais e incentivos à indústria, sem nenhuma conexão com a lógica do desenvolvimento de baixo carbono. Temos um conjunto de políticas de clima desconexas, sem coordenação e que sequer tem seus potenciais impactos positivos monitorados; e o Fundo Clima está completamente ameaçado e com recursos contingenciados – fundo esse criado pelo governo brasileiro em dezembro de 2009, que tem por finalidade financiar projetos, estudos e empreendimentos que visem à mitigação (ou seja, à redução dos impactos) da mudança do clima e à adaptação a seus efeitos.
* André Ferretti é coordenador Geral do Observatório do Clima, rede brasileira de articulação sobre as mudanças climáticas, e coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário.