Protocolo de Nagoya: causas e consequências da não ratificação

Mesa discutiu prós e contras do Brasil ficar de fora do Protocolo de Nagoya
Mesa discutiu prós e contras do Brasil ficar de fora do Protocolo de Nagoya

 

A falta de adesão do Brasil ao acordo, que entra em vigor em outubro, coloca o país como espectador de um fato do qual deveria ser protagonista

Dentro de aproximadamente um mês, representantes de 53 países estarão reunidos na Coreia do Sul para a primeira rodada de negociações após a ratificação do Protocolo de Nagoya. O acordo é uma das mais importantes armas de combate à biopirataria, e o Brasil, país detentor de uma riqueza biológica das mais diversas, será mero espectador.

Compreender o que levou o governo brasileiro a ocupar esta posição tão pouco expressiva em um assunto que deveria protagonizar foi o objetivo do debate Ratificação de Nagoya: por que não?, realizado na manhã desta quarta-feira (24) na Conferência Ethos 360°.

Para entrar em vigor, eram necessárias 50 assinaturas de afirmação ao texto. Com a marca de 53, o Protocolo vigorará sem a adesão do Brasil às novas regras, que versam sobre o uso dos recursos naturais , biotecnologia, conhecimentos tradicionais e muitos outros temas que são explicitamente intrínsecos ao país que abriga uma das principais florestas tropicais do mundo: a Amazônia.

A forte atuação brasileira na construção do acordo contrasta com a morosidade em relação à ratificação. “Antes de ratificar, o Brasil escolheu ter uma legislação interna mais clara. É uma prerrogativa do Protocolo que alguns pontos sejam alvo de legislações internas. O processo foi encaminhado em 2012 para o Congresso e está na Câmara (dos Deputados) até hoje”, explicou Beatriz Bulhões, representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A posição do país, de ter antes regras internas mais transparentes, é também impulsionada pelo caráter do Protocolo de não admitir reservas. “Ou ratificamos na integralidade, ou não ratificamos. Não há como excluir pontos”, disse Beatriz.

Segundo ela, aspectos fundamentais não estão claros no texto. “O protocolo tem incertezas e silêncios em seu escopo. Um exemplo é o uso de recursos genéticos para alimentação, que precisa de um tratamento especial, não só pela sua dinâmica mas também por uma questão de segurança alimentar. Além disso, temos recortes temporais. Como ficam recursos genéticos que foram obtidos até antes do Protocolo entrar em vigor, mas que podem ser usados depois? Ninguém sabe como isso vai ser tratado”, comentou a representante da SBPC.

Análise profunda – Estas lacunas foram também lembradas por Marcos Abreu Torres, advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Encomendamos estudo para entender o que poderia acontecer para a indústria brasileira com a ratificação do Protocolo. O estudo aponta um caminho positivo nesta direção, mas trata também das incertezas. As espécies exóticas que foram domesticadas, as commodities, a relação do Protocolo com outros tratados e recursos genéticos em regiões transfronteiriças são apenas alguns exemplos”, relatou.

Para ele, o momento de responder a estas questões já chegou. “Precisamos caminhar com a legislação interna, para o qual o protocolo deve ser um guia. A CNI trabalha para ajudar com o projeto de lei, para que ele realmente possa alavancar e levar o Brasil para a posição em que ele deveria estar hoje, de líder da bioeconomia, a próxima fronteira do desenvolvimento”, enfatizou.

O projeto citado por ambos é o PL 7735/14, elaborado pelo Poder Executivo, que trata de pesquisa científica e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos; e dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre propriedades e usos de plantas, extratos e outras substâncias. A construção desta legislação foi veementemente criticada por Rubens Gomes, presidente da Rede Grupo de Trabalho Amazônico. “As comunidades tradicionais, que são as grandes responsáveis pela preservação dos recursos genéticos do país, não foram ouvidas no processo”, protestou.

Para ele, “há uma análise equivocada de que o protocolo seria um impedimento para acesso à riqueza genética do país. Esse senão provocou um ato irresponsável do Congresso que, ao não ratificar, deixa todo o patrimônio genético que está em coleções fora do país livre a partir de outubro. Isso causa um prejuízo à nação brasileira e principalmente às comunidades tradicionais, que não recebem os recursos oriundos da repartição”.

Eduardo Taveira, superintendente técnico-cientifico da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), foi ainda mais crítico. “Acredito que o Protocolo não foi assinado por total desconhecimento generalizado do que é a Amazônia. Há muito pouco investimento na pesquisa e nos recursos genéticos presentes na floresta. Temos uma população de pobres, miseráveis, sentados naquilo que chamamos de uma grande riqueza de biodiversidade. A Amazônia não é a Amazônia do futuro, é a Amazônia do presente, e a ratificação do Protocolo é fundamental para que essa riqueza genética receba o cuidado necessário. Nenhum país do mundo conseguiu crescer economicamente preservando suas riquezas naturais e o Brasil tem este desafio”, concluiu.

* Alice Marcondes é repórter da Envolverde, especial para o Instituto Ethos.

** Publicado originalmente no site Conferência Ethos 360°.