Washington, Estados Unidos, 19/12/2011 – A oficialização, na semana passada, do fim da ocupação de quase nove anos do Iraque, passou praticamente desapercebida nos Estados Unidos. Mereceu apenas uma cerimônia em Bagdá, presidida pelo secretário da Defesa do país invasor, Leon Panetta. Este ato, no dia 15, foi precedido três dias antes pela reunião em Washington do presidente Barack Obama com o primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-Maliki, para discutir a futura relação estratégica entre os dois países. Também a este encontro ninguém prestou atenção.
Esta surpreendente falta de interesse pode ser explicada pela distração causada pela temporada de férias de fim de ano, a campanha eleitoral pela Presidência ou a má saúde das economias dos Estados Unidos e da Europa. Também pode ser que a população esteja bem consciente de que, apesar de os últimos quatro mil soldados que ainda restam no Iraque retornarem nos próximos dez dias, ainda há mais de 90 mil no Afeganistão.
No imaginário coletivo, esta situação não difere da do Iraque, particularmente porque as tropas foram enviadas aos dois países pelo então presidente George W. Bush (2001-2009) como parte de uma mesma “guerra mundial contra o terrorismo”. Ou, talvez, os norte-americanos simplesmente se esqueçam disto como se tivesse sido um pesadelo, o que o ex-titular da Agência de Segurança Nacional, o hoje falecido tenente-general William Odom, chamou em 2005 de “o maior desastre estratégico na história dos Estados Unidos”.
Poucos dias depois da invasão do Iraque, em 20 de março de 2003, cerca de 70% dos entrevistados nos Estados Unidos se manifestaram a favor, contra apenas 25% contrários. Quase nove anos depois, esses números praticamente trocaram de lugar. Em uma consulta feita em novembro pela rede de televisão norte-americana CNN, 68% responderem ser contra a guerra no Iraque, enquanto apenas 29% disseram ser a favor.
Na mesma data, 67% dos entrevistados pela CBS News também responderam que a invasão do Iraque “não valeu a perda de vidas norte-americanas e outros custos” decorrentes. Apenas 24% discordaram. Isto constitui um eloquente testemunho da profunda desilusão que a maioria dos cidadãos sente a respeito de uma guerra cujos custos não foram antecipados pelos que a começaram.
É que, do lado norte-americano, os custos também foram grandes: quase 4.500 soldados mortos e dezenas de milhares de feridos. Entre estes últimos, os afastados por severas lesões cerebrais e estresse pós-traumático, que impactam suas vítimas pelo resto de suas vidas. O preço oficial da guerra, de aproximadamente US$ 1 trilhão, ignora os gastos indiretos, muito superiores. O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz estimou os custos totais da guerra do Iraque sobre a economia dos Estados Unidos, incluindo cuidados médicos para os veteranos, em mais de US$ 3 trilhões, soma significativa diante da crise que o país enfrenta desde o final de 2008.
Como se não bastasse, os Estados Unidos sofreram uma incomensurável perda de credibilidade no plano internacional. É que ficaram demonstradas que eram infundadas as justificativas para ir à guerra, como os supostos vínculos de Saddam Hussein (1979-2003) com a rede extremista Al Qaeda, a existência de armas de destruição em massa e o desenvolvimento de armas nucleares. Nada disso era verdade. Além disso, a máquina bélica mais sofisticada e poderosa da história não conseguiu eliminar uma variedade de insurgências, incluído o surgimento nesse país de células da Al Qaeda.
Naturalmente, as perdas materiais dos Estados Unidos empalidecem se comparadas com as do Iraque, em vidas humanas e questões materiais. Calcula-se que morreram por causa da guerra mais de cem mil habitantes desse país e outros tantos, incluídas centenas de milhares de crianças, ficaram feridos ou traumatizados por suas experiências.
Os custos sociais tampouco podem ser ignorados. A Organização das Nações Unidas (ONU) estimou a quantidade de pessoas que fugiram de suas casas desde a invasão em cinco milhões, que se dividem em partes praticamente iguais entre refugiados dentro do Iraque e refugiados que conseguiram cruzar a fronteira. E entre estes últimos figura boa parte da comunidade cristã.
Além disso, os vestígios da violência sectária entre as milícias e as forças governamentais lideradas pelos xiitas e por seus rivais sunitas, bem com as tensões não resolvidas entre a população curda do norte e os árabes sobre reclamações territoriais em Kirkuk e arredores reconfiguraram a demografia e a política do país. Também estão amplamente sem solução e, portanto, são potenciais fontes de futuros conflitos, inclusive de uma guerra civil.
No que parecem coincidir as poucas avaliações da situação no Iraque durante este período de despedida é que as tensões sectárias estão novamente aumentando, especialmente após as blitze de líderes sunitas associados com o movimento de “despertar” apoiado pelos Estados Unidos. A evidente fragilidade da paz, tanto na frente xiita-sunita quanto na curdo-árabe, e a possibilidade de uma renovada guerra civil – ou de uma potencializada influência iraniana – estão no centro das críticas à decisão de Obama de retirar todas as suas forças de combate até o final deste ano.
O ceticismo sobre a futura estabilidade do Iraque é muito grande, segundo pesquisa divulgada na semana passada pela rede de televisão NBC News e pelo jornal The Wall Street Journal. A maioria dos consultados disse que, após a retirada dos norte-americanos, uma guerra civil generalizada seria ou “muito provável” (21%) ou “provável até certo ponto” (39%).Uma maioria semelhante qualificou as possibilidades de o Iraque conseguir uma “democracia estável” como “de certo modo improvável” (32%) e “muito improvável” (28%).
Entretanto, os mesmos pesquisadores concluíram no mês passado que 71% dos entrevistados acreditavam que a decisão de Obama retirar todos seus efetivos de combate agora é a decisão correta. Apenas 24% se mostraram contra. Parece que os norte-americanos ficaram fartos da guerra… Mas só no Iraque. Envolverde/IPS