Ele já foi persona non grata entre os ambientalistas por defender, no auge da historia em torno das mudanças climáticas, que os governos investissem no combate à pobreza em vez de seguir o que chama de a “estrada velha e falha” do Protocolo de Kyoto. Agora, Bjorn Lomborg, autor do controverso “O Ambientalista Cético”, volta à cena com propostas para combater os efeitos do aquecimento global –o qual sempre reconheceu como “um problema real”, diz.
Entre elas está a criação de um fundo global de US$ 100 bilhões para o investimento em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas realmente competitivas e que haja um pacto mundial para que a energia verde custe menos que os combustíveis fósseis.
Em entrevista à Folha, o premiado professor da Copenhagen Business School defende uma abordagem realista dos efeitos das mudanças climáticas, afirma ceticismo com relação aos resultados da Rio +20 e acredita em um mundo onde consumo, aquecimento global e energia verde barata e de larga alcance convivam pacificamente.
Recentemente, os ambientalistas que acompanham o seu trabalho lhe chamaram de “ex-cético”. O que mudou daquele crítico revelado pelos seus primeiros livros “Cool It” e “O Ambientalista Cético”?
Eu sempre disse que o aquecimento global era um problema real que temos de solucionar. O que argumentei em o “Ambientalista Cético” foi que os nossos caminhos atuais para enfrentar o aquecimento global não estavam funcionando. O Protocolo de Kyoto teria reduzido as temperaturas em imensuráveis 0.004 graus Celsius, no entanto, isso teria custado cerca de US$ 200 bilhões anuais.
Apontar isso, penso eu, foi o que perturbou um monte de ambientalistas. É por isso que muitos deles acreditam que eu sou cético em relação ao aquecimento global. Mas, na verdade, eu sou muito cético é em relação ao caminho atual para combater o aquecimento global por meio de grandes e imediatos cortes de carbono.
Após 20 anos tentando o caminho de Kyoto, até mesmo a maioria dos ambientalistas já estão percebendo que a abordagem atual não está funcionando. Então, na realidade, o que aconteceu foi que a maioria deles passou a seguir mais a minha maneira de olhar o mundo. E é por isso que eles acham que eu seja um ex-cético.
Felizmente, agora, estamos falando de formas muito mais inteligentes para combater o aquecimento global e essas são as opções que delineiam no meu novo livro.
Falando no seu último livro, “Soluçõs Espertas para o Aquecimento Global”, como você chegou ao número de US$ 100 bilhões para um fundo global de combate às mudanças climáticas?
Pedimos a mais de 30 economistas “top climate” do mundo para delinear e pesquisar as melhores formas de combater o aquecimento global. Eles se debruçaram sobre questões que foram desde os cortes padrão de carbono, passando por assuntos como cortes em carbono negro, plantio de florestas, redução de metano, adaptação, transferência de tecnologia, geo-engenharia, pesquisa e desenvolvimento de energia verde, além de uma série de outras opções. Em seguida, pedimos a um painel de economistas laureados com o Prêmio Nobel para priorizar as principais soluções para combater o aquecimento global, com base em custo-eficácia. Eles descobriram que gastar US$ 100 bilhões em pesquisa e desenvolvimento de energia verde era o melhor caminho, no longo prazo, para combater o aquecimento global. Portanto, o número é um produto de pesquisa e foi analisado por laureados com o Nobel.
Você ainda defende a relativização dos efeitos catastróficos do aquecimento global? Depois de tantos desastres naturais em poucos anos, é possível provar que nem todas as mudanças virão para o pior?
Há uma série de reivindicações dos efeitos catastróficos que vêm com o aquecimento global, mas eles não refletem a melhor pesquisa que vem do painel climático da ONU, o chamado IPCC. No geral, o aquecimento global vai piorar as coisas no mundo, mas afirmar que será uma catástrofe é simplesmente exagerar os melhores dados conhecidos.
É bem conhecido, por exemplo, que teremos mais chuvas. Mas quando as pessoas olham para o Paquistão em 2010, quando grandes áreas do país foram inundadas, e dizem que isso aconteceu devido ao aquecimento global, isso negligencia que a maior parte do dano decorreu devido ao fato de que as áreas altas das regiões montanhosas foram desmatadas, levando à aceleração do escoamento superficial. Esse tipo de comentário ignora, também, que a maioria das barragens no Paquistão são mal reparadas e assoreadas, o que significa que elas podem armazenar muito menos água, e que houve neste país uma degradação geral dos serviços de previsão sobre precipitações e gestão da água. Se queremos prevenir futuras catástrofes no Paquistão e em outros lugares, devemos primeiro nos concentrar muito mais sobre essas questões, em vez de enfrentar uma pequena parcela de aquecimento global de maneira incrivelmente ineficiente e cara.
E o Paquistão é provavelmente um dos melhores exemplos de catástrofe. Se você olhar para o alagamento de Brisbane, na Austrália, em 2011, ele foi menor do que a inundação muito mais devastadora de 1974, mas, por causa da maior atenção dada pela mídia, muito mais gente ouviu falar sobre isso em 2011. E, para o medo “da moda” de que furacões mais fortes e devastadores chegassem depois do furacão Katrina, o índice global de energia de ciclones tropicais dos últimos anos nunca esteve tão baixo –o que significa menos e menos furacões prejudiciais. Apenas algumas semanas atrás, o IPCC, em seu mais recente relatório sobre condições meteorológicas extremas, divulgou:
“Há evidências médias e alta concordância de que tendências de longo prazo em perdas normalizadas não têm sido atribuídas à mudança climática natural ou antropogênica”;
“A declaração sobre a ausência de tendências em impactos atribuíveis à mudança climática natural ou antropogênica vale para tempestades tropicais e extratropicais, e tornados”;
“A ausência de um sinal, em perdas, atribuível às alterações climáticas também vale para danos causados por enchentes”
Ou seja, não há nenhuma base para afirmar que as perdas crescentes relacionadas a furacões, tempestades e inundações são devido à mudança climática.
O que está por trás da histeria criada em anos recentes sobre o aquecimento global? Quais foram as consequências disso para a agenda em torno do clima?
Um monte de pessoas de boa vontade –um monte de ambientalistas– querem que façamos algo sobre o aquecimento global. Uma vez que houve uma absorção muito lenta das políticas do Protocolo de Kyoto, muitas dessas pessoas, por razões muito compreensíveis, quiseram nos “dar um empurrão” para fazer alguma coisa. Isso é conseguido frequentemente exagerando um pouco. “Para o bem comum”, dizem. O problema é que assustar as pessoas pode ter provocado uma atenção ao tema um pouco maior no curto prazo, mas no longo prazo é muito prejudicial. Se você exagerar, ou essencialmente mentir um pouco, você acabará perdendo credibilidade. Assustar as pessoas também não parece ser a melhor maneira de levá-las a fazer escolhas políticas inteligentes e voltadas para o próximo século. Motivações muito semelhantes foram usadas para defender a guerra do Iraque, quando as pessoas se preocupavam com armas de destruição em massa exagerado a máxima “para o bem comum” –e que não levaram a boas políticas também.
A histeria que tem caracterizado o aquecimento global na última década ou duas tem, essencialmente, chamado muita atenção para o problema, mas também políticas pobres e credibilidade em baixa. Eu espero que a conversa que eu ajudei a iniciar traga melhores políticas e maior credibilidade para o debate.
Você já declarou que, mesmo se houver grandes mudanças climáticas, os homens vão dar respostas a elas pelo simples fato de serem capaz de se adaptar a mudanças. Para você, como será o mundo em cem ou 200 anos?
Quando você olha para cem ou 200 anos à frente nas previsões do painel do clima da ONU, o que é mais perceptível é o fato de que sereremos fenomenalmente muito mais ricos. Até o final do século, estima-se que um cidadão médio do mundo em desenvolvimento será 23 vezes mais rico do que ele ou ela seriam no início do século.
Compare isso com o fato de que o aquecimento global vai provavelmente significar uma redução do PIB mundial de 1 a 2%, talvez até 5%, até o final do século. Esse será um problema, mas nada em comparação com um aumento de 2.300%. Assim, quando olharmos para trás no século 21 em 90 e poucos anos, veremos um aumento dramático na riqueza e oportunidade humana. E vamos falar sobre uma série de eventos que não podemos prever agora, mas o aquecimento global provavelmente será uma das nossas menores preocupações.
Deixe-me dar um exemplo. No cenário atual, o IPCC espera que o nível do mar suba cerca de 30 cm até o fim do século. Onde está o problema disso? O que sabemos é que a maioria das pessoas, quando pensar sobre os últimos cem ou cinquenta anos, vai falar sobre as guerras mundiais, o sufrágio para as mulheres, a revolução de TI, mas é improvável que elas vão falar sobre o aumento do nível do mar. É importante manter um senso de proporção quando falamos de aquecimento global e todas as outras questões.
As ideias e propostas que abordam em seus livros são quase sempre relacionados a questões como pobreza, fome e doenças tropicais. Porque esta abordagem humanitária para as questões ambientais?
Para mim, o destino da humanidade é sempre central. Na verdade, essa é a forma como se dá a maioria das conversas políticas sobre praticamente qualquer assunto em qualquer lugar do mundo. Quando nos preocupamos com o aquecimento global, não é sobre o que ele vai causar para o planeta (o planeta vai ficar bem, não importa o que fizermos), mas principalmente por aquilo que ele vai causar para as sociedades humanas.
Da mesma forma, quando falamos de gastar enormes quantias de dinheiro para atacar os problemas, ao menos deveríamos considerar se poderíamos gastar melhor os mesmos recursos, concentrando-nos na pobreza, fome e/ou doenças tropicais.
O foco de suas críticas sempre foi a maneira como os líderes mundiais estão lidando com o aquecimento global. Para você, qual deve ser o norte (ou “nortes”) para guiar as decisões em torno da questão?
Nós deveríamos ouvir o melhor da ciência natural e perceber que o aquecimento global é um problema real que precisamos solucionar. Mas também deveríamos ouvir o melhor da ciência econômica, que nos diz que a forma atual com a qual estamos abordando o aquecimento global, ou seja, por meio do Protocolo de Kyoto e de políticas semelhantes, vai custar uma fortuna e fazer praticamente nada de bom. Em vez disso, deveríamos gastar nosso dinheiro na criação de uma tecnologia verde melhor para o futuro.
Atualmente, a energia verde custa muito mais do que os combustíveis fósseis. É por isso que é muito difícil conseguir com que as nações se comprometam a usar mais energia verde. Mas, se pudermos inovar e colocar o preço da energia verde abaixo do custo de combustíveis fósseis, nós venceremos –todo mundo vai comprar energia verde, não porque eles são ambientalistas, não porque eles são forçados a fazê-lo através de um Protocolo de Kyoto, mas porque é mais barata. É por isso que devemos ouvir os prêmios Nobel de economia nos dizendo para gastar US$ 100 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento em energia verde. Este é de 0,2% do PIB de cada país do mundo —não apenas os países ricos do norte, mas todos. Para o Brasil, com um PIB de cerca de US$ 2 trilhões, isso representaria cerca de US$ 4 bilhões por ano –definitivamente factível e muito mais eficaz do que as políticas atuais.
O tema principal da Rio +20 será, exatamente, a economia verde. Você acredita que podemos sair da reunião com alguns progressos neste campo?
A economia verde é, acima de tudo, uma miragem. Subsidiar tecnologias verdes ineficazes não nos faz mais ricos, mas mais pobres. Subsidiar empregos ineficazes não cria mais empregos, destrói postos de trabalho. Estes resultados são bem conhecidos por meio de análises de artigos acadêmicos, embora eles sejam vistos como uma verdade terrivelmente inconveniente.
Além disso, os bilhões de pessoas que vivem sem comida suficiente, água potável, saneamento, educação, os bilhões que não têm acesso à eletricidade, e cujos filhos morrem de doenças infecciosas facilmente curáveis, francamente não precisam de outra reluzente reunião da ONU falando sobre a criação de uma economia verde. Eles precisam de soluções para questões simples e baratas, mas sem “glamour”, como doenças, fome e educação.
Você vem para o evento? Quais são suas expectativas sobre a reunião em geral?
Duvido que eu vá. E eu duvido que o encontro vai resultar em qualquer ação significativa. Eu gostaria que fosse diferente, mas, enquanto não estamos falando sobre as maneiras mais eficazes de responder às questões mais terríveis primeiro, este será um resultado inevitável.
Como você vê o papel do consumo e consumismo nas mudanças climáticas? Não soa como uma grande contradição que, justamente quando precisamos evitar a todo custo um aumento de 2 graus na temperatura média da Terra, países emergentes como China, Índia e Brasil estão, finalmente, produzindo, consumindo e exportando?
O fato de que todos, no mundo, concentram-se tanto no consumo e querem mais e não menos, só mostra o quão incrivelmente ingênuo é o atual conjunto de políticas que tentam restringir as emissões de carbono. Nós nunca vamos conseguir que as pessoas desejem ter menos. Ao invés disso, deveríamos nos concentrar em inovar o custo da energia verde para baixo, para que possamos ter o nosso consumo e utilizar a energia verde barata sem emitir CO2.
E o que está faltando para isso?
Está faltando realismo. As tecnologias verdes atuais não apenas são muito mais caras do que os combustíveis fósseis. Devido à sua natureza intermitente, elas não seriam capazes de cobrir uma parte significativa da demanda, deixando abandonado nosso futuro energético. Precisamos perceber que, sem inovação, nunca vamos resolver o aquecimento global.
Você é otimista sobre o futuro do planeta?
Sim. Ao longo dos séculos passados, nós temos mostrado que somos uma espécie inovadora e capaz de superar uma série de desafios muito difíceis. Nós vamos encontrar a solução para a mudança climática através da inovação. Minha esperança é apenas que não precisamos perder outro par de décadas percorrendo a estrada velha e falha de Kyoto. Mas que, ao contrário, a gente perceba que o que precisamos fazer é aumentar dramaticamente o nosso investimento em pesquisa e desenvolvimento de energia verde.
Como você trabalha a sua responsabilidade ambiental na vida cotidiana?
Eu pedalo. Nunca tive um carro. Sou vegetariano. Reciclo e uso lâmpadas econômicas. Mas, claro, eu ainda uso aviões para viajar ao redor do mundo, ainda compro comida produzida em outros países com grande utilização de combustível fóssil, e meu apartamento é aquecido, principalmente, com energia proveniente de combustíveis fósseis. Na realidade, combater as alterações climáticas não se trata desses pequenos e simbólicos esforços, como andar de bicicleta ou reciclar. É a criação de inovação global em energia sustentável que permitirá alcançarmos as coisas incríveis que a economia de combustível fóssil tem gerado, mas sem limitar CO2.
* Publicado originalmente no site Prêmio Empreendedor Social/ Folha de S.Paulo.