Tartarugas migratórias mudam de rota para evitar mudança climática

Ondas e águas agitadas engolem as praias do Parque Nacional Cahuita, onde a vegetação perde raízes e termina no mar. Foto: Diego Arguedas/IPS
Ondas e águas agitadas engolem as praias do Parque Nacional Cahuita, onde a vegetação perde raízes e termina no mar. Foto: Diego Arguedas/IPS

 

Parque Nacional Cahuita, Costa Rica, 15/4/2014 – A tartaruga-de-pente, em perigo crítico de extinção, tem poucos santuários no mundo e este é um deles. Em 2012, foram contados apenas 53 ninhos nas areias costarriquenhas de Cahuita. Mas existe um inimigo contra o qual não servem os esforços conservacionistas: as praias estão se tornando cada vez menores. Durante anos, os mais de oito quilômetros de praias de Cahuita abrigaram quatro tipos de tartarugas marinhas: tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), tartaruga verde (Chelonia mydas), tartaruga cabeçuda (Caretta caretta) e tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata).

Mas a erosão da areia e a elevação do nível do mar reduziram o ecossistema para essas espécies e a quantidade de animais que chegam a desovar no Parque Nacional, na província de Limón, após viajarem pelo Mar do Caribe. “Muitas tartarugas agora chegam a praias fora do Parque, em lugares onde não temos controle, o que as torna vulneráveis”, apontou à IPS o administrador dessa área de conservação, Mario Cerdas. Nos três anos em que administra o Parque, Cerdas presenciou uma diminuição de tartarugas que chegam para fazer ninho.

O Parque Nacional Cahuita inclui 1.100 hectares de uma península pantanosa e pouco mais de 23 mil hectares de oceano, onde se destaca o principal arrecife coralino do país. Foi criado em 1970 como monumento nacional e em 1978 foi declarado parque a fim de proteger esses ecossistemas. Os “desvios” são a única preocupação. O sexo das tartarugas marinhas é determinado pela temperatura da areia nas praias de desova: mais frio favorece o nascimento de machos, mais quente o de fêmeas. Com a mudança climática, o calor está aumentando na região.

“Isso poderia ser aceitável até certo ponto, mas se a relação de sexos for ficando muito grande, pode haver problemas para a população”, observou o cientista Borja Heredia, do Secretariado da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS). Esse é apenas um das centenas de casos em que a mudança climática incide nas espécies migratórias.

As secas africanas dificultam a viagem que fazem a cada ano milhões de aves através do Saara, os ursos polares têm mais complicações para conseguir alimento, e o aquecimento global alterou as rotas da borboleta monarca. Para analisar essas consequências e buscar saídas, cientistas e funcionários governamentais de todo o mundo se reuniram em Guácimo, província de Limón, entre 9 e 11 deste mês. O painel foi organizado por um grupo de trabalho da CMS sobre a mudança climática, que inclui especialistas de mais de 20 nacionalidades.

“Estamos vendo como podemos combater os efeitos da mudança climática nas espécies migratórias como baleias, pássaros, tartarugas ou invertebrados”, explicou à IPS o britânico Colin Galbraith, coordenador do grupo de trabalho e conselheiro para a mudança climática da Conferência das Partes da CMS. A equipe deverá apresentar um documento no começo de maio e colocá-lo à disposição dos 120 países partes. Em junho passará por seu primeiro filtro: o Comitê da Convenção o avaliará e determinará sua relevância. A fase seguinte será receber o aval da Conferência das Partes, que se reunirá em novembro na cidade de Quito, no Equador.

Como se prevê que a mudança climática exercerá modificações diferentes nas distintas regiões, proteger de seus impactos as espécies migratórias que passam por elas é um desafio sem precedentes. Para os animais não importam as fronteiras nacionais criadas pelos seres humanos. Por isso, a CMS procura gerar espaços internacionais de conservação para protegê-los em suas rotas migratórias.

Galbraith disse à IPS que o documento se focará em três grandes eixos. “Compartilhar informação entre os países, gerar estratégias para adaptar-se à mudança climática, onde também se incluem mecanismos para criar capacidades de reação nos países, e, finalmente, como se pode comunicar isso ao mundo”, detalhou o coordenador do grupo de trabalho.

Em março, o Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) confirmou a fragilidade de ecossistemas de todo o mundo diante do aquecimento global, no segundo volume de seu Quinto Informe de Avaliação, dedicado a impactos, adaptação e vulnerabilidade.

Nas áreas costeiras, a elevação do nível do mar está pondo em risco habitat como arrecifes coralinos, terras úmidas e praias onde são feitos ninhos. Em Cahuita, por exemplo, se perdeu até um quarto da praia nos últimos 15 anos, afirmou o administrador do Parque. No último evento de marés altas, a água chegou até a casa do guarda florestal, uma estrutura de madeira localizada a cem metros do limite usual das ondas.

“As espécies migratórias enfrentam muitos dos mesmos desafios dos seres humanos: têm que escolher quando viajar, que rota seguir, onde comer e descansar e quanto tempo devem permanecer antes de regressarem à casa”, afirmou o secretário-geral da CMS, Bradnee Chambers, em uma coluna publicada pela IPS. “Essas opções de vida, que são aparentemente tão triviais para os seres humanos, são decisões de vida ou morte para elas”, acrescentou.

O documento do grupo de trabalho reunido na Costa Rica também será examinado pela Convenção Marco das Nações Unidas para a Mudança Climática e pelo Convênio para a Proteção da Biodiversidade, em um esforço para criar conhecimento multidisciplinar.

“As diferentes convenções relacionadas com o ambiente têm que ser encaradas e mais trabalhadas entre elas, cooperando com recursos e pesquisas”, ressaltou Max Andrade, coordenador da Unidade de Políticas Públicas da Subsecretaria de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente do Equador. Como país anfitrião da próxima Conferência das Partes, o Equador buscará dar protagonismo ao aquecimento global, acrescentou. Na última reunião, realizada na Noruega há três anos, decidiu-se criar o grupo de trabalho sobre mudança climática. Envolverde/IPS