San Sebastián, Espanha, 26/10/2012 – O valor das novas tecnologias para transformar realidades e o protagonismo das mulheres no uso dessas ferramentas para impulsionar processos de mudança se tornaram palpáveis no primeiro Congresso TIC para a Paz. Realizado nos dias 23 e 24 deste mês nesta cidade da Espanha, o encontro teve como tema central “Mulher, Tecnologia e Democracia para a Mudança Social” e destacou seu papel promotor em mudanças sociais, baseado no uso das TIC (tecnologias da informação e da comunicação).
A premissa do encontro foi que as TIC são ferramentas especiais para impulsionar os direitos humanos no mundo e em particular os das mulheres, e foi promovido pela Fundação Cultura de Paz, presidida pelo espanhol Federico Mayor Zaragoza, e pela Fundação Cibervoluntários. Os organizadores do Congresso também partiram do fato de as mulheres “serem as grandes ausentes na tomada de decisões, nos processos democráticos, na construção e consolidação da paz”, uma discriminação que o uso das TIC as ajuda a quebrar.
Manal Hassan, uma ciberativista que participou da revolução egípcia que derrubou o presidente Hosni Mubarak (1981-2011), e Jolly Okot, ex-menina soldado em Uganda que fundou a organização Invisible Children, foram algumas das participantes da reunião nesta cidade basca. Também esteve presente, entre representantes de diferentes regiões do Sul e do Norte, Judith Torrea, jornalista e blogueira que acompanha o cotidiano de Ciudad Juárez, no México, considerada a capital mundial dos feminicídios, ou assassinatos por razão de gênero.
As três integram o grupo de 14 ativistas que chegaram procedentes de quatro continentes para participarem do encontro e falaram à IPS de suas experiências particulares, onde os êxitos e os desafios se misturam em suas histórias, onde as TIC funcionam como especiais aliadas. Hassan trabalha, junto com seu marido, no desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas à mudança social. Assim, não era uma noviça no assunto quando, em 25 de janeiro de 2011, centenas de milhares de egípcios ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo, para forçar a saída de Mubarak.
Ela havia colaborado com organizações não governamentais para a criação de base de dados ou centros de documentação. Também contribuíra para criar uma plataforma de blogs onde diversos grupos políticos hospedavam seus conteúdos muito antes de a Primavera Árabe chegar ao norte da África. “No começo éramos poucos, mas a onda ficou maior e chegou à revolução”, contou.
O uso de redes sociais como Facebook e Twitter se converteu em um dos símbolos da revolução, especialmente quando o regime decidiu bloquear o acesso à internet. Hassan e milhares de seus compatriotas conseguiram romper a censura. Ela, por exemplo, naqueles dias estava na África do Sul. Assim, colhia a informação que recebia por telefone e colocava nos blogs o que acontecia em Tahrir. Servidores conectados entre si para evitar o bloqueio ou um serviço de mensagem por voz que depois se converteria em tuitadas foram algumas das ferramentas utilizadas pelos manifestantes na Praça, para relatar em tempo real o que acontecia ali.
Após a queda de Mubarak, resta muito por fazer, enfatizou Hassan. “Os militares chegaram a fazer coisas piores do que os ditadores”, lamentou, por isso o trabalho dos ativistas “continua sendo muito necessário”, acrescentou. Também destacou um elemento importante. “As mulheres não só trabalham em questões de gênero, como estão implicadas em todas as questões políticas e trabalhistas”, afirmou.
Para Jolly Okot, a infância acabou em 1986, quando foi sequestrada por um miliciano do Exército de Resistência do Senhor (ERS), em Uganda. “Tive a sorte de poder sair dali”, afirmou. Em 2005, começou a desenvolver documentários e criou a organização Invisible Children, que documenta os horrores sofridos por meninos e meninas obrigados a lutar em diferentes guerras. Também promove a educação como saída para as vítimas.
Entre as campanhas promovidas por essa organização, destaca a Kony 2012, com a difusão viral pela internet dos desmandos de Joseph Kony, líder do ERS, com o objetivo de forçar que seja levado ao Tribunal Internacional de Haia. “O grande êxito das novas tecnologias é que, com um clique, milhares de pessoas recebem essa informação. Pode-se chegar aos líderes e fazer com que tomem decisões”, afirmou Okot, que foi indicada para o prêmio Nobel da Paz. Porém, destacou que as TIC são um complemento para a mudança e que a verdadeira ferramenta que mudará as coisas na África é outra: a educação.
“Infelizmente, os jornalistas não têm tanto poder para mudar as coisas, nosso dever é contar e que outros assumam a responsabilidade”, disse a mexicana Judith Torrea, que há 14 anos narra a tragédia que vivem as mulheres de Ciudad Juárez, fronteiriça com os Estados Unidos. Porém, destacou “a importância das vozes alternativas, que relatem de verdade o que acontece”, embora, como no seu caso, se trate de “vozes incômodas” para o poder e suas diferentes expressões.
A jornalista reconhece que os autores de blogs recebem muitas pressões vindas do poder, porque são agentes especiais de mudanças em nível mundial. “Quando diferentes blogueiras, e falo no feminino porque as mais reconhecidas são mulheres, conseguem que se ouça nossa voz, é o momento em que começamos a receber mais pressões, ameaças ou campanhas de difamação”, apontou.
“A todas nós acontece o mesmo, seja na Tunísia, em Juárez ou na Arábia Saudita”, afirmou a jornalista, que há um ano publicou Juárez na Sombra e que recebeu inúmeros prêmios por seu trabalho. Torrea denunciou que o fenômeno “é algo global, porque o poder, quando se sente agredido, reage contra as vozes que geram debate”. A ativista mexicana concluiu com uma frase repetida de uma ou outra forma pelas mulheres que deram seu testemunho em San Sebastián: “Se não sabemos o que está acontecendo no mundo, temos menos possibilidades de haver mudanças”. Envolverde/IPS