Por Busani Bafana, da IPS –
Lupane, Zimbábue, 19/6/2015 – Grace Ngwenya, uma artesã do Zimbábue de 77 anos, utiliza folhas de palma ilala para tecer lindos cestos. Ela é meticulosa com “os detalhes, a beleza e a criatividade”. Uma vez que decidiu a forma e a cor do produto, trabalhará durante sete dias seguidos para completar a tarefa. Ao terminar, inspeciona a qualidade do cesto, que é embalado com cuidado e enviado ao comprador, que poderá estar na Alemanha, nos Estados Unidos ou em outro país.
Dessa forma ganha US$ 50 por mês, uma pequena fortuna em um lugar onde antes as mulheres tinham sorte quando conseguiam uns poucos dólares no prazo de várias semanas. Ngwenya vive na aldeia de Shabula, no árido distrito de Lupane, que fica na província de Matabeleland Norte, a região mais ocidental do Zimbábue. Cerca de nove mil pessoas vivem nessa região propensa a secas e com antecedentes de fome.
Hoje, as mulheres rurais de Lupane dirigem uma inovadora empresa de cestaria que gera uma renda digna, preserva o artesanato local e permite que se preparem contra os fenômenos meteorológicos extremos por meio do investimento de seus ganhos em agricultura sustentável. Tudo começou em 1997, quando várias mulheres se reuniram para produzir cestos e outros artesanatos com produtos florestais locais e vendê-los na estrada entre as cidades de Bulawayo e Victoria Falls, uma importante rota turística.
Em 2004, com apenas 14 integrantes, instalaram o Centro de Mulheres de Lupane, a fim de agilizar sua produção. Uma década depois, tem 3.638 integrantes oriundas de todo o distrito. Sua renda média passou de um dólar mensal para US$ 50, e em maio uma das artesãs chegou a ganhar US$ 700 com suas vendas. Para uma comunidade que mal podia conseguir três refeições por dia, é um grande passo para uma vida mais saudável.
“A cestaria mudou minha vida, mesmo na velhice”, disse Ngwenya à IPS, enquanto apontava uma casa de tijolos de dois cômodos, não terminada, próximo de onde estava sentada, algo que neste povoado empobrecido é quase uma superestrutura. “Se Deus quiser, minha casa estará terminada no próximo ano. Já comprei as janelas e eu mesma vou rebocar e pintar”, afirmou. Ela também comprou uma cabra e levantou uma cerca em volta de sua horta.
Em uma competição de cestaria, em 2014, Ngwenya ganhou um arado puxado por bois e recentemente investiu suas economias na compra de uma vaca e algumas ferramentas agrícolas. Considerando que entrou na cooperativa durante a seca de 2008, estará eternamente agradecida por sua recente prosperidade.
Não foi por acaso que essas empresárias surgiram da terra seca de Lupane. A região é o pesadelo de todo agricultor, já que só produz cultivos tolerantes à seca, como sorgo e milho miúdo, e recebe apenas entre 450 e 600 milímetros anuais de chuva, insuficientes para plantar milho.
As estatísticas do Departamento de Agricultura e Serviços de Extensão indicam que Lupane sofre escassez alimentar todos os anos. Este ano, dezenas de pessoas correrão risco de fome, já que a região produzirá somente metade das 10.900 toneladas de alimentos necessários para a população.
As famílias que praticam a agricultura de subsistência terão que comprar alimentos para compensar a queda nas colheitas, uma situação que poderá deixar muitos sem comida, devido às escassas oportunidades de geração de renda. O Zimbábue importará este ano 700 mil toneladas de milho para cobrir o déficit herdado da última colheita ruim. O país consome 1,8 milhão de toneladas de milho por ano.
O Centro de Mulheres de Lupane ataca esses problemas ajudando as artesãs a ganhar dinheiro. “As mulheres assumiram as atividades agrícolas e trabalham junto com os homens para manter suas famílias”, disse Hildegard Mufukare, administradora do Centro.
As integrantes do coletivo contribuem com US$ 5 anuais para os gastos operacionais do Centro, o que representa 31% do total. Os 69% restantes são obtidos de doadores, entre eles os Serviços de Desenvolvimento de Liechtenstein, mas o Centro aposta em uma maior autossuficiência mediante a instalação e gestão de um restaurante, um centro de conferências e uma fazenda que servirá ao duplo propósito de proporcionar mais alimentos e dar formação à comunidade.
Na medida em que conseguirem mais mercados estrangeiros, não será difícil obter fundos adicionais. Algumas das sócias já vendem seus produtos a clientes na Alemanha, Austrália, Dinamarca, Holanda e Estados Unidos. Os ganhos com a venda de artesanatos triplicaram em dois anos, passando de US$ 10 mil, em 2012, para US$ 32 mil, em 2014. As sócias dividem os lucros e o Centro fica com 15% para cobrir seus gastos administrativos e pagar impostos.
Os cestos têm várias funções, já que podem ser usados como lixeira ou fruteira. As artesãs também planejam fazer ataúdes biodegradáveis, para garantir a sustentabilidade inclusive na morte. Não estão certas sobre a reação dos clientes à ideia, mas a audácia de sua proposta sugere um compromisso com a criatividade que transcende a busca por mais renda ou melhor nutrição.
As iniciativas comunitárias contra as nefastas consequências do aquecimento global são absolutamente necessárias no Zimbábue, país de 14,5 milhões de habitantes que sofre vários riscos climáticos, como inundações e secas. Sem os fundos internacionais necessários, este ano o governo reduziu o orçamento do Ministério do Meio Ambiente para US$ 52 milhões, contra US$ 93 milhões em 2014.
O corte paralisou a capacidade de resposta do país aos desastres naturais, já que o departamento de serviço meteorológico, encarregado das previsões e dos alertas, também recebeu um orçamento menor.
Siduduzile Nyoni, mãe de três filhos que entrou na cooperativa em 2008, contou que o simples ato de tecer cestos a ajudou a se preparar para os tempos de crise. Utilizou suas economias para comprar uma cabra, e também mantém uma granja avícola e uma próspera horta. Quando o teampo ajuda, o plantio alimenta sua família. Caso contrário, recorre às economias para manter os seus até a terra voltar a produzir. “Me uni ao Centro apesar de não saber tecer”, afirmou. Seu marido está desempregado, mas a renda dela é suficiente para os dois.
Outras mulheres aproveitaram os cursos de formação do Centro e se dedicam ao cultivo de batatas, à apicultura, fabricação de velas e criação de gado. A criação de frango também é muito comum porque é fonte adicional de renda e alimento.
As milhares de mulheres que integram a cooperativa são cuidadoras naturais das florestas, pois praticam há anos a coleta sustentável dos produtos florestais. A arte da cestaria de palma, tanto ilala quanto sisal, é passada de geração para geração. Por outro lado, as comunidades locais dependem das florestas vizinhas para seus produtos medicinais, madeira, combustível e frutas, por isso têm grande interesse na proteção destas ricas zonas de biodiversidade.
O Zimbábue perdeu cerca de 327 mil hectares de florestas por ano entre 1990 e 2010, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), e por isso é fundamental empoderar os guardiões das áreas florestais restantes. Com mais de 66 mil comerciantes de madeira, e milhões de famílias dependendo das florestas para obterem combustível, o desmatamento será um tema definitivo para este país na próxima década.
Uma vez mais, as mulheres de Lupane se preparam para o pior e cultivam pequenas plantações de palmeiras ilala para garantir a propagação da espécie, inclusive diante da rápida destruição de seu habitat natural. Envolverde/IPS
* Esta matéria integra uma série concebida em colaboração com Ecosocialista Horizons.