Por Franz Chávez*
Sucre, Bolívia, outubro/2015 (Terramérica) – As mãos de mulheres migrantes de zonas rurais cultivam verduras ecológicas em hortas instaladas nos quintais de suas humildes moradias, nos arredores de Sucre, a capital oficial da Bolívia, em uma atividade que melhora a alimentação e a renda de suas famílias.
“Os homens se dedicavam à construção civil e 78% das mulheres não tinham emprego, não tinham ofício, lavavam roupa para fora ou vendiam no mercado”, contou à IPS a secretária de Desenvolvimento Produtivo e Economia Plural do governo autônomo do departamento de Cuquisaca, Lucrecia Toloba.
Enfeitada com chapéu de feltro de aba larga, cabelo penteado em duas finas tranças, pollera (saia étnica) curta e roupa leve para o clima temperado dos vales andinos, a quéchua Toloba é uma educadora que agora administra na região o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana.
Em seu modesto escritório, explica que as mulheres são as protagonistas do Programa, que proporciona o reconhecimento de suas famílias e sua comunidade, diversifica a dieta e dá autonomia econômica a elas, que vendem suas hortaliças ecológicas na cidade, que também se beneficia dessa saudável e diversificada oferta.
A cinco quilômetros dali, na periferia da cidade, as mulheres dos bairros 25 de Mayo e Litoral, integrantes da Associação de Produtores Urbanos de Sucre, receberam a IPS com uma cesta de alimentos cultivados por elas, entre os quais se destacam as cores dos tomates, rabanetes e alfaces.
Um total de 83 bairros da periferia de Sucre participam do projeto que tem apoio dos governos nacional e departamental e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A iniciativa já tem registradas 680 sócias, segundo o coordenador do Projeto de Hortas Urbanas, o jovem engenheiro agrônomo Guido Zambrana.
Uma sopa de verduras colhidas em seus quintais, acompanhada de tortillas feitas com farinha com vários vegetais incorporados, mostra durante o almoço a boa cozinha que obtêm das barracas solares (hortas de estufa) distribuídas pela serrania de Sucre, a 2.760 metros de altitude e 420 quilômetros ao sul de La Paz, o centro político do país. Além de cultivar, elas aprenderam a melhorar a segurança alimentar familiar, destacou Toloba. “Queremos chegar à desnutrição zero”, acrescentou com segurança.
Em Sucre, as temperaturas oscilam entre 12 e 25 graus Celsius, mas debaixo das barracas solares, construídas pelas famílias com apoio das autoridades, as temperaturas passam de 30 graus e isso facilita a horticultura. Às vezes, o calor eleva os termômetros instalados em cada horta e é necessário abrir as janelas das estufas, com tetos de uma lâmina transparente conhecida como “agrofil” e paredes de adobe (blocos amassados com barro e palhas), construídos com a orientação da técnica agrônoma Mery Fernández.
As acelgas e alfaces abrem livres suas folhas frescas na barraca solar de Celia Padilla, que deixou uma comunidade indígena no vizinho departamento de Potosi e, em 2000, chegou a Sucre com seu marido para se instalar em Bicentenario, uma esplanada dentro da serrania que circunda a cidade. No ano passado, ela, também quéchua como a maioria das produtoras da Associação, uniu-se ao projeto com uma horta de apenas oito metros quadrados, e agora já pensa em construir uma com barraca solar de 500 metros quadrados.
Seu companheiro, um pedreiro com trabalhos eventuais na cidade, vê com agrado a possibilidade de ampliar o espaço de cultivo, e juntos descobriram que a horta em casa fornece alimentos nutritivos à família e deixa ganhos consideráveis com a venda de verduras aos vizinhos ou em um mercado urbano. Com o resultado das vendas, “compro leite e carne para as crianças”, contou Padilla ao Terramérica, mostrando em suas mãos algumas acelgas de intenso verde.
A água para a irrigação escasseia, mas um programa oficial doou tanques de coleta com capacidade de dois mil litros, nos quais se armazena água durante a época de chuva para distribuir nos cultivos pelo sistema de gotejamento.
A oportunidade de uma melhora alimentar gerou uma amistosa disputa entre Alberta Limachi e seu marido, ambos migrantes da vila de PucaPuca, a 64 quilômetros de Sucre. Donos de um terreno periurbano de 150 metros quadrados, deviam decidir entre instalar nele uma horta familiar ou usá-lo como garagem. Ganhou Limachi, uma das líderes das produtoras periurbanas, que transborda entusiasmo contagiando suas companheiras produtoras.
“Nos organizamos como mulheres e agora comemos com tranquilidade porque produzimos sem produtos químicos”, disse ao Terramérica, depois de servir, orgulhosa, um refresco de vagem e uma salada de hortaliças. “Já não peço dinheiro ao meu marido e não gastamos com verduras”, afirmou Limachi, satisfeita em ajudar no sustento econômico da família. Sua horta é conhecida no bairro porque oferece alface, acelga, aipo, coentro e tomates, e seus vizinhos a procuram diariamente para comprar seus produtos.
Um comitê formado por associações de agricultores e consumidores fiscaliza a qualidade ecológica da produção e concede a certificação da qualidade dos alimentos, explicou ao Terramérica o coordenador nacional do Programa de Agricultura Urbana e Periurbana, José Zuleta. “As mulheres semeam sem fertilizante, usam matérias orgânicas que podem voltar à terra e tornam a produção sustentável, o que fortalece sua atividade”, ressaltou ao Terramérica o engenheiro agrônomo do escritório da FAO em Sucre, Yusuke Kanae.
Natural do Japão, Kanae transmitiu às produtoras conhecimentos técnicos e práticas simples, como a conversão de embalagens variadas em recipientes improvisados para as hortaliças, que vão desde bolas de futebol até a carcaça plástica de um televisor. “Ainda que sejam 20 bolivianos (pouco menos de US$ 3), ajuda a comprar cadernos e sapatos”, citou como exemplo da importância da contribuição da mulher no lar, em um processo de ruptura de uma dependência que qualifica de “machista” e que também faz as produtoras se reencontrarem com sua cultura original, enfatizou.
O engenheiro também apoia a introdução de hortaliças orgânicas na cidade e já motivou os proprietários do Cóndor Café, um restaurante vegetariano, a comprar a produção com selo feminino. Ali, os clientes desfrutam de substanciosos pratos com as verduras das hortas periurbanas, que combinam cozinha japonesa e boliviana e custam apenas US$ 3.
O responsável pelo restaurante, Roger Sotomayor, reafirmou ao Terramérica o interesse em apoiar a iniciativa das hortas familiares. “Queremos ir a favor do ambiente e incentivar a produção de verduras”, afirmou, destacando que a oferta é de alta qualidade e seu preço é 20% inferior ao dos cultivos convencionais.
Dados sob as barracas
Segundo a FAO, em média, cada barraca solar da Associação de Sucre produz cerca de 500 quilos de hortaliças por ano, em três colheitas, e também, em média, 60% dos alimentos são dedicados ao autoconsumo e o restante à comercialização, em forma individual, coletiva ou por intermédio da associação.
No total, são cultivadas 17 variedades de hortaliças, nove, em média, por horta. As produtoras e suas famílias entram com o terreno e a mão de obra na construção. Além de cultivar e colher, selecionam as sementes e elaboram adubo orgânico, entre outras tarefas, em um projeto comunitário com a marca de sustentabilidade.
Os responsáveis bolivianos pelo programa projetam que cada barraca pode produzir uma renda anual média de pelo menos US$ 660. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.