Internacional

Transnacionais manipulam a ONU, diz estudo

Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Foto: Bomoon Lee/IPS
Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Foto: Bomoon Lee/IPS

Por Thalfi Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 24/9/2015 – A Organização das Nações Unidas (ONU) é manipulada politicamente por empresas transnacionais, algumas das quais violam abertamente direitos trabalhistas e normas ambientais que o fórum mundial defende, segundo um estudo da organização independente Global Policy Forum. O documento, divulgado no dia 22, alerta que a ONU “está iniciando uma nova era de multilateralismo seletivo, formada por paralisações políticas intergovernamentais e uma crescente dependência de soluções empresariais para os problemas mundiais”.

O informe acrescenta que “os padrões mutáveis de financiamento da ONU e de seus fundos, programas e organismos especializados, refletem esstas tendências alarmantes”. E destaca a brecha que há entre a magnitude dos problemas globais e a capacidade financeira das Nações Unidas para resolvê-los, a crescente participação dos aportes complementares e os fundos fiduciários nas finanças do fórum mundial, sua maior dependência do setor empresarial e a terceirização do financiamento e da tomada de decisões.

O estudo de 140 páginas, intitulado Apta Com Qual Objetivo? O Financiamento Privado e a Influência Corporativa nas Nações Unidas, foi publicado dias antes da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que acontecerá entre os dias 25 e 27 deste mês.

Quando a IPS perguntou quem tem a culpa por essa situação, Jens Martens, diretor da Global Policy Forum e coautor do estudo, respondeu que os Estados membros não entregaram fundos suficientes e confiáveis ao sistema da ONU. “Essa situação se agrava pela insistência de muitos anos dos governos ocidentais, encabeçados pelos Estados Unidos, na doutrina do crescimento zero para o orçamento ordinário da ONU”, acrescentou. O resultado é uma dependência cada vez maior do financiamento voluntário e não central, bem como de um número crescente de alianças díspares entre o setor empresarial e a ONU, ressaltou.

O Centro da ONU sobre as Corporações Transnacionais, criado em 1975 principalmente para supervisionar essas empresas, foi desmantelado em 1992. Algumas das iniciativas que obrigam as empresas a prestarem contas ao público começaram na década de 1970, incluídas as discussões sobre um Código de Conduta para as Empresas Transnacionais. Mas esta e todas as gestões posteriores nesse sentido fracassaram devido à enérgica oposição das empresas e de seus grupos de pressão.

Ao mesmo tempo, segundo o estudo, as companhias tiveram grande êxito com estratégias de relações públicas, que ajudaram a apresentá-las como boas cidadãs corporativas que buscam o diálogo com os governos, a ONU e demais grupos de interesse, e também como capazes de cumprir normas ambientais, sociais e de direitos humanos mediante iniciativas voluntárias de responsabilidade social empresarial.

Martens apontou que o secretário-geral, Ban Ki-moon, e os diretores das agências da ONU se converteram em enérgicos defensores do relacionamento com o setor empresarial. Além de considerar essas alianças como uma nova fonte de fundos, as mesmas se baseiam na crença de que as relações com poderosas corporações são essenciais para manter a relevância das Nações Unidas com relação aos desafios globais de hoje, acrescentou.

“Mas vendem a ONU a um preço barato. Enquanto os custos das empresas são muito baixos, os benefícios podem ser comparativamente altos”, ressaltou Martens. As empresas se beneficiam da imagem forte por se associar à ONU, ganhar maior visibilidade e conseguir acesso direto às autoridades internacionais, pontuou. “O que significa essa transferência de imagem para a reputação e a neutralidade da ONU? Não se corre o risco de a colaboração com empresas controversas afetar negativamente a imagem da ONU como intermediária neutra e impactar sua reputação?”, questionou.

Quando a ONU busca ajuda financeira externa, seja para suas necessidades de desenvolvimento ou para defender causas sociais, recorre invariavelmente ao setor privado atualmente, afirma uma fonte do fórum mundial. Ban pediu aos investidores privados que ajudem a ONU a arrecadar a descomunal quantia de US$ 100 bilhões por ano para lutar contra as consequências devastadoras da mudança climática.

O estudo também critica o Pacto Mundial da ONU, considerado a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, que inclui 8.371 empresas de 162 países. Este Pacto Mundial foi decisivo na abertura da ONU para o setor empresarial, de acordo com o documento. “Embora possa ter sido concebido para fazer exatamente o contrário – sensibilizar as empresas sobre o interesse público – também atua como uma plataforma e promotor dos interesses corporativos na ONU”, acrescenta o informe.

Isso é agravado pela dependência no financiamento privado e na excessiva complexidade de sua estrutura de governo, que dá pouco espaço aos Estados membros, enquanto limita a supervisão dos que fazem contribuições financeiras. “De fato, o Pacto Mundial é uma das poucas entidades da ONU que dependem predominantemente do dinheiro privado. Isto pode ter repercussões em como se interpreta e aplica seu mandato”, alerta o estudo.

O financiamento de todas as atividades do sistema da ONU chega a US$ 40 bilhões por ano, afirmou Martens. “Embora possa parecer uma soma importante, na realidade é inferior ao orçamento da cidade de Nova York, menos de um quarto do orçamento da União Europeia e apenas 2,3% do gasto militar mundial”, explicou. Segundo o ativista, “enquanto o Banco Mundial pede à comunidade internacional que passe dos bilhões para os trilhões para cumprir as necessidades de investimentos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as Nações Unidas ainda têm de calcular em termos de milhões”.

Barbara Adams, coautora do estudo, disse que “muitos Estados membros, em particular os grandes doadores, aplicam a dupla estratégia de exigir maior coerência nas atividades de desenvolvimento da ONU, enquanto, ao mesmo tempo, aumentam o uso de fundos específicos, o que favorece a fragmentação. Essa dinâmica seletiva, junto com as restrições financeiras em curso, abriram espaço para a participação do setor empresarial”.

Impulsionada pela crença de que o relacionamento com aqueles de maior poder econômico é essencial para manter a relevância da ONU, essa prática tem consequências perniciosas para a governabilidade democrática e o apoio do público em geral, já que se alinha mais com os centros de poder e se afasta dos menos poderosos, enfatizou Adams. Envolverde/IPS