Por Emilio Godoy, da IPS –
Washington, Estados Unidos, 1/10/2015 – A irrupção da fratura hidráulica alterou o mercado mundial de hidrocarbonos, mas a queda de seus preços dilui esse efeito, em uma disputa que especialistas norte-americanos acreditam que os produtores convencionais poderiam ganhar em uma década. A indústria petroleira dos Estados Unidos vivia o que os especialistas denominam de “pico” – quando a descoberta de novos poços e a produção dos existentes começam a cair –, o que colocava o país diante de uma maior dependência das importações.
No entanto, a equação se reverteu com a nova técnica. A inovação tecnológica da fratura hidráulica (fracking) e a descoberta de grandes jazidas de xisto (shale), junto com o maciço aporte do mercado de capitais, levou à garantia de que os Estados Unidos seriam autônomos em matéria de hidrocarbonos na mesma década. Dessa vez, a queda dos preços desativou as previsões.
“O mundo está entrando em uma nova era de incerteza na geoeconomia do petróleo, embora esteja longe de ser certo que o mercado de petróleo, notoriamente volátil, será menos cíclico”, afirmou David Livingston, analista associado do Programa de Energia e Mudança Climática do norte-americano Fundo Carnegie para a Paz Internacional. A consequência da demanda interna dos Estados Unidos será que as companhias “perderão capacidade sobressalente, entre o que podem produzir e o que produzem, o que é importante, porque o mercado é determinado por essa capacidade”, apontou à IPS.
As cotações internacionais do petróleo subiram desde 2003 até chegarem a US$ 140 o barril (de 159 litros) em 2008, quando a surgimento da crise financeira global fez com que caíssem, para se reabilitarem nesta década e ficar em torno dos US$ 100 o barril. Mas, desde o final de 2014, ocorreram novas quedas e sua cotação atual está em torno dos US$ 40.
Isso significa que os produtores norte-americanos, em particular os de gás de xisto, enfrentam preços rasteiros, superprodução, falta de infraestrutura para armazenar o superávit extraído e contração do crédito para os projetos, embora seus custos tenham encolhido. Além disso, a contração da economia chinesa e a paralisação europeia dificultam um aumento da demanda energética.
O desenvolvimento do petróleo e do gás de xisto também colocou o setor norte-americano em rota de colisão com os membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), mais ainda quando entre seus anunciados objetivos está reduzir as importações do bloco. Desde novembro do ano passado, a Opep mantém inalteradas suas cotas de produção, em uma estratégia imposta pelo maior produtor do bloco, a Arábia Saudita, destinada a deixar cair os preços até desestimular o desenvolvimento do setor de xisto, cuja prospecção e exploração é muito mais cara do que as dos hidrocarbonos da organização.
A consultoria norueguesa Rystald Energy calculou, no final de 2014, em US$ 65 o custo de produzir um barril de shale nos Estados Unidos, o que significa que o setor está operando com perda. O custo médio para extrair um barril de petróleo convencional no país fica em torno dos US$ 13, contra US$ 5 no Golfo.
Para Miriam Grunstein, acadêmica do Centro de Pesquisa e Docência Econômicas, do México, o panorama é muito incerto. “Há dúvidas por várias razões. Em primeiro lugar, pelo regime de preços tão baixos”, pontuou à IPS, do México, país que começou a explorar suas altas reservas de gás de xisto. “Apesar de forçar muitas empresas a melhorarem a capacidade de execução, reduzir investimentos e ter maior eficiência, estão em um contexto no qual precisam buscar mercados, na Europa ou na Ásia. Mas para isso é necessário infraestrutura de liquefação, um investimento muito forte”, acrescentou a acadêmica sobre a situação atual dos produtores de gás de xisto.
Em junho, os Estados Unidos produziram 9,3 milhões de barris diários de petróleo, cerca da metade de xisto, segundo a Administração de Informação Energética (IEA). As perspectivas do ramo começam a se deslocar. Em seu Informe sobre a Produtividade de Perfuração, do final de agosto, esse órgão projetava queda na produção de gás de xisto para setembro, a primeira no ano, para 44,9 bilhões de pés cúbicos diários. Cada pé cúbico equivale a 0,3048 metro cúbico. A IEA destacou que a extração de novos poços não é suficientemente grande para compensar a baixa dos existentes.
Para Livingston, a Opep, e em particular a Arábia Saudita, possivelmente emergirão desse novo paradigma mais fortes do que antes em muitas formas. “Com sua nova estratégia, nascida da necessidade, o reino (saudita) está enfatizando cota de mercado, em lugar de preço, ao mesmo tempo em que delega a carga do equilíbrio do mercado petroleiro mundial à indústria norte-americana do xisto. Isto marca uma significativa mudança na geoeconomia do petróleo”, explicou este analista. Dessa forma, os Estados Unidos se converteriam no novo “jogador gangorra” – de conveniência, segundo o movimento do mercado – embora sem conseguir o mesmo poder que os produtores do Golfo para definir seu rumo.
No longo prazo, a produção petroleira norte-americana total tenderá à baixa, segundo as projeções da IEA. Em 2020, a extração de petróleo se situaria em 10,6 milhões de barreis por dia, em 2030 seriam 10,04, e dez anos depois, 9,43 milhões. No caso do gás de xisto, as previsões são favoráveis, mas a preços maiores. Em 2020, o país produziria 15,44 trilhões de pés cúbicos diários, dez anos depois, 17,85 e em 2040, 19,58.
No total, a IEA prevê que o país produzira 28,82 trilhões de pés cúbicos diários de gás natural em 2020, 33,01 em 2030, e 35,45 em 2040. Mas seu preço médio encareceria. Este ano o valor na intersecção distribuidora de Henry Hub – a referência norte-americana para o gás, situada no Estado da Luisiana – foi de US$ 2,93 por milhão de unidades térmicas britânicas (Btu), o calor necessário para aquecer uma medida de água. Em 2020, esse indicador seria de US$ 4,88 por Btu, de US$ 5,69 em 2030 e de US$ 7,8 em 2040.
“A bolha não explodirá, mas desinflará progressivamente. Aos preços atuais, veríamos uma contração relativamente rápida da disponibilidade de capital para o setor do xisto, porque estão produzindo com perdas”, previu Livingston. “O objetivo saudita é impedir que os Estados Unidos se tornem um exportador significativo. Os mercados fortes são os que fazem mais pressão. Na medida em que não houver um aumento da demanda, haverá uma posição incômoda de demanda e preço. Há necessidade de consumo e não vejo de onde poderá vir”, afirmou Grunstein.
Para Livingston, um opção é revisar o veto à exportação dos Estados Unidos, vigente desde a década de 1970, pois, “se aumentar a produção, as refinarias não poderão processá-la” e seriam necessários novos mercados para sua colocação.
O fracking, inimigo público
A molécula do xisto se encontra presa em rochas profundas, perfuradas e quebradas pela grandiosa injeção de uma mescla de água, areia e aditivos químicos, considerados por ambientalistas como nocivos para a saúde e o ambiente.
A tecnologia do fracking que libera ao gás e o petróleo gera maciços volumes de dejetos líquidos, que devem ser tratados para sua reciclagem, e de emissões de metano, mais contaminante do que os gases responsáveis pelo aquecimento global.
Essas características provocaram uma extensa rejeição nas comunidades norte-americanas onde se explora e em prováveis futuros cenários de seu desenvolvimento. Envolverde/IPS