Bogotá, Colômbia, março/2013 – O mundo está comovido com a morte de Hugo Chávez, um dos líderes latino-americanos de maior impacto e projeção nas últimas décadas. E um dos mais controvertidos e difamados do planeta. 

Os maiores ataques vieram da Colômbia, no governo de Álvaro Uribe. Quando Juan Manuel Santos assumiu a Presidência, em agosto de 2010, e o acolheu como seu “melhor novo amigo”, começou uma das melhores épocas das relações entre esses dois países. 

Chávez insistia na necessidade de se conseguir a paz na Colômbia, pois assim os Estados Unidos perderiam o pretexto para se meter em seus assuntos. Nas negociações de paz do governo de Santos com a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) são mencionados acordos, e Santos reconhece que a dedicação e o interesse da Venezuela foram definitivos para alcançá-los.

Há grande incerteza sobre o futuro da revolução bolivariana. Sisudas análises, tendenciosas suposições e simples especulações são apresentadas pelos meios de comunicação do mundo sobre o que poderá acontecer agora que se apagou sua liderança. Se nas eleições presidenciais que se avizinham, seu vice-presidente Nicolás Maduro conseguirá o triunfo, ou se o candidato da oposição, Henrique Capriles, lhe arrebatará a Presidência.

Talvez a imensa maioria dos que lhe deram esmagadoras vitórias eleitorais, e o reelegeu mesmo sabendo que estava ferido de morte, não esteja disposta a mudar.

Seu regime trouxe imensos benefícios ao seu país. Falou do “socialismo do século 21” como meta de seu governo e, diante das críticas dos hierarcas da Igreja Católica, pediu que fossem buscar o socialismo na Bíblia e nos evangelhos.

Além disso, cortou as políticas neoliberais, recuperou o controle de suas riquezas naturais, do petróleo e do consórcio estatal PDVSA, e utilizou seus imensos recursos em suas “missões” em favor dos pobres.

A pobreza caiu de 49,4% em 1999, quando assumiu o comando, para 27,8% em 2010, e a indigência diminuiu de 21,7% para 10,7%. Com a ajuda de Cuba, obteve grandes êxitos reais em saúde e educação, especialmente na erradicação do analfabetismo.

Chávez é responsável pela maior mudança geopolítica continental de sua história: a integração regional.

Propôs a criação de um órgão que excluísse os Estados Unidos. E então o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o apoiou e começou a integração sul-americana: foram criados a Unasul, o Conselho de Defesa Sul-Americano e o Banco do Sul, iniciativa de Chávez para isolar o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, ambos com recordes lamentáveis no continente.

E, em fevereiro de 2010, o encerramento com chave de ouro: Lula convocou a Comunidade de Nações da América Latina e do Caribe, sem Estados Unidos e sem Canadá, com participação de todas as nações da região, incluindo Cuba.

“É a mudança geopolítica mais importante da última década”, afirmou Mark Weisbrot, codiretor do Centro para a Pesquisa Econômica e Política, com sede em Washington.

No campo internacional Chávez foi uma voz de peso. Foi o primeiro a criticar a entrega de sete bases militares colombianas para uso dos Estados Unidos, uma cessão da soberania nacional e uma ameaça para o continente, especialmente para a Venezuela, a qual já está rodeada por bases. Tal entrega provocou um escândalo continental.

Iniciou relações com a China e acordou uma volumosa venda de petróleo para contrapor-se à sua dependência do mercado dos Estados Unidos, do qual a Venezuela é principal fornecedor, embora esta também seja uma relação de benefício mútuo.

Quando o exército colombiano incursionou no Equador para liquidar o número dois das Farc e matou 25 pessoas, na maioria guerrilheiros, Quito rompeu relações com Bogotá e Chávez, por sua vez, congelou os laços com a Colômbia.

Quando o presidente da Bolívia, Evo Morales, expulsou o embaixador norte-americano por intervencionista, em solidariedade Chávez fez o mesmo com o embaixador dos Estados Unidos na Venezuela. Ambos tiraram a agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA) de seus países.

Também atuou em outros conflitos: rechaçou a derrubada do presidente hondurenho Manuel Zelaya e cortou relações com Honduras; quando Israel lançou sua operação Fogo Derretido contra o território palestino de Gaza, causando imensa destruição, milhares de mortos e a rejeição mundial, Chávez apontou esse país como “assassino” e expulsou seu embaixador.

Venezuela, Brasil, Argentina e Equador estenderam suas relações diplomáticas a outros continentes e países, como China, Rússia ou Irã.

Com relação ao Irã, com o qual Washington mantém um conflito desde a ocupação da embaixada em Teerã, a secretária de Estado, Hillary Clinton, ameaçou Venezuela e Bolívia (não se atreveu a fazer o mesmo com o Brasil) e anunciou: “Atenham-se às consequências”.

Barack Obama, que tanta esperança despertou na América Latina, manteve a retórica hostil de George W. Bush contra Chávez e o apontou como um elemento desestabilizador.

Os dois mandatários se encontraram pela primeira vez em Trinidad e Tobago na V Cúpula das Américas, fizeram uso de amáveis palavras e apertaram as mãos. Chávez disse que gostou do encontro, mas acrescentou: “Não se enganem, o império continua vivo e rebatendo a cauda”.

Chávez foi algo mais do que uma pedra no sapato de Tio Sam. Tinha grande acolhida no continente e deslocou a liderança de Cuba, pois contava com imensos recursos econômicos, dos quais Havana carecia, para fazer ouvir sua voz.

Seus pactos petroleiros com diferentes regiões, em acordos de troca, deram acesso ao petróleo a países amigos e com preços preferenciais.

Bush apoiou em 2002 um golpe de Estado contra Chávez, que fracassou, e este intensificou seu discurso crítico contra o mandatário, considerando-o um idiota. Obama herdou e manteve o conflito.

O legado de Chávez em seu país e no mundo é sólido e inquestionável: do capitalismo ao socialismo, uma mudança de vida para grandes setores venezuelanos; e a garantia da independência política e econômica do continente, livre do domínio de Washington. Dificilmente poderão dar marcha à ré. Paz em seu túmulo. Envolverde/IPS

* Clara Nieto é escritora e diplomata, embaixadora da Colômbia junto à ONU e autora do livro Obama e a Nova Esquerda Latino-Americana.