A crise global exige a urgente adaptação dos diversos organismos sociais e a velocidade das transformações questiona o surrado adágio que vê oportunidades ocultas no seio da crise. Os mais preparados podem, sim, aproveitar as melhores oportunidades, mas essa dinâmica não reduz a concentração do poder econômico, nem sinaliza parcimônia voluntária no uso dos recursos naturais. Ainda assim, o agravamento da crise ambiental parece despertar a consciência dos cidadãos, empresas e organizações sociais para criar e aplicar métodos mais eficientes para a transição rumo à sustentabilidade. Esta teia de contradições e soluções foi o centro do debate realizado no dia 21 de novembro, no seminário “A Questão Ambiental – O Grande Desafio do Século 21”, da série Diálogos Capitais, uma parceria de CartaCapital com a revista digital Envolverde.
Na palestra de abertura, “Economia Verde e Justiça Social”, o professor titular de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Ladislau Dowbor, disse que a transição para a sustentabilidade deve enfrentar dilemas críticos, como a necessidade de investir maciçamente em transporte público nas cidades, em substituição ao modelo no qual os governos oferecem às montadoras incentivos para vender mais e garantir empregos, exigindo obras para acomodar automóveis que mal se locomovem pelas vias congestionadas. “É preciso resgatar a dimensão pública do Estado”, sugeriu. “O Congresso tem a bancada das montadoras, a das empreiteiras, a dos produtores rurais, mas não tem a bancada do cidadão!”
Dowbor mostrou a sofisticada versão global da desigualdade, segundo estudo do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica: “Apenas 737 atores, companhias ou indivíduos, controlam 80% das empresas transnacionais. Metade delas, 40%, está concentrada nas mãos de apenas 147 atores. Formam uma poderosa rede, na qual três quartos são intermediários financeiros”. Com tal concentração das decisões econômicas, “prevalece a lógica da ‘desresponsabilização’ na exploração dos recursos naturais com impacto global, já que não há poder regulador planetário, enquanto os Estados nacionais disputam a atração de capitais e, portanto, não têm vontade nem instrumentos para restringir essas megacorporações”. Ele acredita que as soluções estão nas cidades, onde “a sociedade organizada funciona em torno de seus interesses”. Mencionou, por exemplo, o caso da Suécia, onde a carga tributária corresponde a 66% da renda (no Brasil está em 38%), mas são tomadas nas cidades, de forma descentralizada, as decisões sobre como investir 47% dessa carga. “Na média, cada sueco participa de quatro organizações sociais para defesa de seus direitos”, explicou.
Municípios verdes
A participação é fundamental não apenas nas metrópoles. Uma experiência brasileira que confirma esse poder transformador é a de Paragominas, no sul do Pará, uma das campeãs do desmatamento no passado. “Além da ausência do governo na fiscalização, a impunidade era consequência do fato de que não se sabia quem era o dono da terra”, contou Mauro Lucio Costa, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas – município com área maior do que Sergipe. Ele lidera um movimento para fazer o Cadastro Ambiental Rural, que até março deste ano já havia identificado 94% das fazendas com perímetros georreferenciados. Agora, sabendo quem é o proprietário, a Prefeitura e o Sindicato têm a informação necessária para coibir as infrações. “Nosso objetivo é orientar o proprietário, mostrando que para produzir não é necessário desmatar, e é muito melhor aplicar o conhecimento técnico para ter mais eficiência, como estamos fazendo de maneira compartilhada com ótimos resultados.”
Esse esforço tem o apoio da ONG The Nature Conservancy (TNC) e do Fundo Vale, que atuam conjuntamente no Programa Municípios Verdes, do governo do Estado do Pará, para promover a redução drástica e contínua do desmatamento. Criado pela Vale, o Fundo Vale é uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) independente, que coopera com entidades públicas e do terceiro setor na gestão de projetos de sustentabilidade. “Somar esforços é a grande saída, porque o modelo assistencialista não resolve”, disse a gerente do Fundo Vale, Mirella Sandrini. “Monitorar e reduzir o desmatamento é fundamental na Amazônia, que gera apenas 8% do PIB mas é responsável pela emissão de 55% dos gases de efeito estufa do Brasil.” Esse objetivo, segundo ela, é ainda mais significativo diante dos investimentos em infraestrutura previstos para a região nesta década: mais de R$ 200 bilhões para grandes obras, principalmente para transportes e geração de energia. A consequência dessa atividade econômica é a intensificação da ocupação do território, por isso Mirella vê o ordenamento fundiário, a melhoria das condições de vida da população local e o incentivo a atividades produtivas não predatórias como eixos para o desenvolvimento sustentável da região.
O objetivo é desviar da trajetória de erros estratégicos que embalou o sonho da ocupação a qualquer preço. “Até os anos 1990, os governos financiaram a migração de brasileiros de outras regiões para que fossem cultivar os solos pobres da floresta”, lembrou o engenheiro Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), que também colabora com o Programa Municípios Verdes. “O monitoramento a partir de 2003 foi fundamental: o desmatamento anual caiu de 28 mil para sete mil quilômetros quadrados em 2010”, comemorou. Este resultado, segundo ele, proporcionou maior redução da emissão dos gases de efeito estufa do que todos os projetos aprovados pelas normas do Protocolo de Kyoto.
Riscos sistêmicos
As mudanças climáticas representam um dos três riscos sistêmicos apontados pelo empresário Ricardo Young, conselheiro do Instituto Ethos, na palestra sobre “Oportunidades de uma Economia Sustentável”. Ele citou documento do Fórum Econômico Mundial que relaciona os outros riscos: a crescente desigualdade econômica entre países e a ineficácia da governança global (das Nações Unidas), que exige consenso entre Estados nacionais para decisões multilaterais. Young mencionou também o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, para quem a especulação financeira – “que vive do sacrifício fiscal dos países” – está na raiz da atual crise econômica e ameaça a própria democracia. “Vários países da Europa vivem uma situação de suspensão constitucional, um novo tipo de Estado de exceção que não visa a perigosos terroristas, mas, sim, aos cidadãos comuns, seus salários e pensões.”
Na visão de Young, a contaminação global por esses riscos sistêmicos pode, no entanto, ser estancada por tendências opostas, como as novas dinâmicas sociais e políticas (a exemplo das manifestações mobilizadas por redes digitais), a intensificação da inovação tecnológica e principalmente a condição das cidades como “territórios para a transformação sustentável – uma tendência à ‘localização’ em contraste com a globalização que prevaleceu desde os anos 1980”. “No Brasil, principalmente, as grandes oportunidades de negócios sustentáveis estão nas cidades, onde vive 84% da população em menos de 1% do território”, disse o empresário.
Olhar abrangente
É a confirmação dessas tendências e oportunidades que vem provocando mudanças no modelo de gestão das empresas. “Não dá mais para olhar só para a questão financeira; tem de incluir a questão social e a ambiental”, afirmou a diretora de Sustentabilidade da BM&F Bovespa, Sonia Favaretto. A incorporação dessas outras dimensões ao universo empresarial indica, segundo ela, que a sustentabilidade está se tornando uma condição básica para competir, e não mais um diferencial de heróicas companhias desgarradas do mercado.
Essa visão mais abrangente dos negócios é que motiva a rede de supermercados Walmart a integrar em sua estratégia a busca por uma posição de liderança em sustentabilidade e responsabilidade social corporativa, sem prejuízo da meta de melhorar a rentabilidade com crescimento acelerado. “Faz parte do nosso compromisso com o meio ambiente reduzir o consumo de água, de energia e a emissão de gases de efeito estufa na operação das lojas”, relatou a vice-presidente de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade, Daniela de Fiori. Também a gestão de resíduos tem metas de redução da destinação de lixo a aterros sanitários, o volume de embalagens em toda a cadeia de abastecimento, e o uso de sacolas plásticas deve cair 50% até 2013. O compromisso abrange também programas de agricultura sustentável – que já orientou mais de dez mil famílias em 12 Estados desde 2004 – e de logística de transportes, para melhorar a eficiência energética desse elo na cadeia de suprimentos. “Nosso objetivo é ter o maior grau de sustentabilidade de ponta a ponta”, garantiu Daniela, “sem que isso implique aumento de preços dos produtos nas gôndolas”.
O financiamento da economia também pode induzir a adoção de práticas sustentáveis. “A análise do risco socioambiental é um dos critérios para concessão de crédito no Santander”, informou o gerente de Desenvolvimento Sustentável, Nasser Takieddine. O programa de microcrédito, segundo ele, atendeu a 800 mil clientes com R$ 1 bilhão em empréstimos desde 2002. Além disso, o banco é o gestor do Fundo Ethical de investimentos, que reúne ações de 43 companhias eleitas por atenderem padrões de gestão socioambiental e transparência corporativa, e rendeu 30% mais que o índice Ibovespa nos últimos dez anos.
A Dow Química, outra megacorporação, também está trabalhando para alinhar suas práticas. “Atuamos como provedora de soluções, fornecendo matéria-prima para empresas que fornecem matéria-prima para a indústria de consumo. São nove elos na cadeia produtiva antes de chegar ao consumidor”, explicou Christianne Canavero, gerente de Sustentabilidade da Dow América Latina. Para dar conta de integrar a sustentabilidade em operações tão complexas, um ambicioso conjunto de metas foi estabelecido para 2015. Maior eficiência e conservação de energia, redução da pegada de carbono em matérias-primas e inovação contínua na busca de soluções inteligentes fazem parte dessas metas, como por exemplo a produção de polietileno de cana, em substituição ao petróleo. Christianne citou também que a fábrica em Aratu (BA) vai ter 75% da energia fornecida pelo sistema de cogeração hídrica e biomassa até o final de 2012.
O panorama apresentado no seminário Diálogos Capitais confirmou que o enfrentamento da questão ambiental é um desafio para toda a sociedade. Os palestrantes dos vários setores abordaram o tema desde do ponto de vista global, de corporações e governos, até da perspectiva local dos cidadãos, num mundo em constante e acelerada transformação. Em todos os contextos, mostrou-se que sustentabilidade não é um conceito teórico para plasmar um modismo de curto prazo. Planejar uma nova economia, socialmente inclusiva e ambientalmente responsável, é uma questão de sobrevivência não só dos negócios como também da democracia participativa ameaçada pela desigualdade.
*Savio de Tarso é jornalista e colaborador da Envolverde.