Há três anos, o gerente industrial Celso Mediato deixou o emprego na cidade de São Paulo e mudou-se para Americana, a 126 quilômetros da capital. Uma oferta de trabalho feita pela empresa de autopeças concorrente e o salário 20% maior o seduziram. Situações como esta estão se tornando mais comuns graças ao desenvolvimento econômico de algumas regiões do interior do Estado, que gera grande número de empregos, e a procura dos trabalhadores por uma melhor qualidade de vida e menores custos de moradia.
“Esses fatores pesaram na minha decisão, além disso, tem a minha idade”, conta Mediato, de 50 anos, que pretende ficar no interior quando se aposentar.
Esta “fuga” da Região Metropolitana de São Paulo está cada vez mais evidente, é o que mostra um levantamento da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Segundo o estudo, a região perdeu 30,3 mil pessoas por ano, na última década. Na capital, a situação é semelhante: 32,8 mil migrantes a menos no mesmo período. Enquanto isso, municípios do interior passaram a receber um fluxo maior de indivíduos. Americana, por exemplo, ganhou 14 mil novos habitantes nos últimos dez anos.
Segundo a doutora em Demografia e socióloga, Cláudia Antico, o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o único instrumento capaz de indicar de onde esses migrantes partiram. “Os cálculos feitos pelo Seade são uma estimativa baseada na subtração do número de nascimentos pelo de mortes. O número que restar é considerado como sendo a população migrante.”
De qualquer forma, o cenário não preocupa o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho de São Paulo, Marcos Cintra Cavalcanti. Segundo ele, os profissionais mais qualificados encontram melhores possibilidades na cidade. “Esse tipo de mão-de-obra tem emprego aqui”. No entanto, admite que, como em diversas regiões do país, faltam trabalhadores especializados. “É notório que não temos engenheiros, até os importamos de outros países.”
Mercado aquecido. A Região Metropolitana de Campinas, composta por 19 municípios, está em franca ascensão. A cidade de Piracicaba, por exemplo, vai ganhar uma montadora da Hyundai, que deve gerar 20 mil empregos diretos e indiretos. “Esta região está crescendo muito, parece o ABC na década de 1960. As cidades daqui também estão todas interligadas, não há mais divisões”, repara Mediato, que mora em Americana, mas trabalha em Santa Bárbara d´Oeste, a 12 quilômetros de distância.
Estes novos pólos industriais no interior paulista se formam com apoio das prefeituras, que, para atrair investimentos, aplicam incentivos fiscais, como isenção total de IPTU e concessão de terrenos. “Devolvemos para a empresa, por dez anos, metade do ICMS gerado ao município pela instalação ou ampliação da mesma”, explica o secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana, Luiz Carlos Martins. Benefícios que a cidade de São Paulo também oferece e, segundo Marcos Cintra, de forma mais agressiva. “Na Zona Leste, proporcionamos dez anos de redução de 50% do IPTU e 60% do Imposto Sobre Serviços (ISS). Além disso, temos um mecanismo que reembolsa até 60% do valor investido pela empresa”.
No entanto, a capital já não tem mais tantas opções de terreno para se expandir. “Podemos crescer mais para a Zona Leste, onde ainda há espaço e gigantesca disponibilidade de mão-de-obra”, diz Cintra. Outro problema são as exigências para se fixar na metrópole, como o controle de poluição e do barulho. “A cidade tende a ser um lugar pouco amistoso para com atividades industriais, o que colabora para que o interior se torne mais atrativo para formação de grandes pólos de geração de emprego.”
A migração das empresas parte também das políticas do governo do Estado, que estimularam, nos últimos 30 anos, uma melhor distribuição do desenvolvimento entre as regiões. “São Paulo está se especializando em produzir itens de maior valor agregado e que exigem maior qualificação profissional.” A cidade ainda cresce em ritmo forte, 12% em 2008 com PIB de R$ 357,1 milhões (dado mais atual da prefeitura), e já gerou 52,7 mil vagas de emprego no ano, considerando a diferença entre admissões e demissões.
Investimentos. Em Americana, a fábrica coreana Doosan, especializada em máquinas para o setor da construção civil, tem planos de montar duas mil escavadeiras. A cidade, um dos maiores polos da indústria têxtil da América Latina, está diversificando sua economia. Há empresas do setor aeronáutico, como a Flyer, que monta aviões com valor estimado em até R$ 400 mil, e uma fábrica de pneus da Goodyear. “Nossa localização é estratégica, temos rodovias como a Bandeirantes e Anhanguera. Estamos a pouco menos de 40 quilômetros do Aeroporto de Viracopos, em Campinas”, afirma Martins, justificando alguns dos pontos atrativos da cidade.
Um pouco mais distante de Campinas, os 15% de crescimento ao ano de Araraquara também despertam a atenção. Em 2010, a cidade, considerada a melhor para se viver pelo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (com base em dados de 2007), recebeu centrais de atendimento telefônico da Telefônica e da Companhia Paulista de Força e Luz, que devem gerar mais de dois mil empregos no próximo ano. Além disso, a Big Dutchman – maior empresa de fabricação e comercialização de equipamentos para criação de aves e suínos do mundo – e a Argamassa Fortaleza estão em fase final de instalação. Somados à ampliação da Indústria Lupo, esses empreendimentos vão gerar outros três mil postos de trabalho.
Segundo dados de 2010, do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), foram criados pouco mais de dois mil empregos em Araraquara e quatro mil em Americana.
Mão-de-obra. Para manter o nível de desenvolvimento constante, as empresas precisam de profissionais qualificados, que em muitos setores, como construção civil, estão em falta. A solução encontrada pelas prefeituras de Americana e Araraquara foi estabelecer parcerias com escolas técnicas e de capacitação, além de procurar potenciais candidatos nas universidades locais. Mas as portas também estão abertas para pessoas com esse perfil vindos da cidade de São Paulo. “Os salários estão no mesmo patamar da capital, a região é rica em todos os sentidos e pode bancar esses valores”, diz Luiz Carlos Martins.
Outro artifício utilizado frequentemente para atrair mão-de-obra especializada às cidades polos de desenvolvimento no interior é a bandeira da qualidade vida melhor do que no município de São Paulo. Afirmação que Marcos Cintra contesta. “Temos sim mais violência e congestionamentos. Por outro lado temos melhores atividades culturais e de lazer, oportunidades de capacitação, ensino, aperfeiçoamento e emprego superiores”.
No entanto, cidades do interior geralmente têm índices de crimes graves menores. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, em 2010, a capital registrou uma taxa de 10,6 assassinatos para cada cem mil habitantes. Em Americana, esse número foi de 4,7 e em Araraquara, 4,3. Dados que se aproximam aos de Londres, uma das capitais europeias com menor número de homicídios, com 2,17.
O metalúrgico Celso Mediato comenta que a cidade de Americana é mais tranquila e que “não tem tantos assaltos quanto São Paulo”, afirmação verdadeira, mas os índices de furto são alarmantes. Para cada cem mil habitantes, São Paulo, Americana e Araraquara registraram mais de mil casos deste tipo de crime em 2010 (1.523, 1.091 e 1.289, respectivamente). “Infelizmente a violência está presente em todo o país, porém com a instalação de 25 câmeras de vigilância, já diminuímos as ocorrências de furtos e crimes graves”, explica o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento Econômico de Araraquara, Valter Merlos.
Em Americana, que tem uma frota de carros próxima dos 130 mil, o índice de furto e roubo de veículos se assemelha aos da capital. São Paulo registrou 694 casos para cada cem mil habitantes e a cidade do interior, 646. “Nossa Guarda Municipal é bem treinada e a cidade é calma, mas estes números preocupam”, relata Martins.
Uma pesquisa para medir a percepção dos moradores sobre a qualidade de vida na cidade de São Paulo, feita com 1.512 pessoas pela Rede Nossa São Paulo e Ibope – divulgada em janeiro de 2009 –, mostrou que a população não está satisfeita. Em uma nota de 1 a 10, a média da capital foi 6,5. As reclamações mais apontadas foram violência, criminalidade e trânsito.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.