A concentração de riqueza é inevitável, mas de tempos em tempos acaba aliviada por uma redistribuição pacífica ou violenta

1A tendência à acumulação da renda e do patrimônio é fato muito conhecido dos historiadores e tema estudado pelos economistas desde o fim do século XIX, quando Vilfredo Pareto (“Cours d´Économie Politique”, 1897) estabeleceu as famosas leis estatísticas que mimetizam a distribuição da renda nas mais variadas sociedades.

Thomas Piketty – autor do recente sucesso O Capital no Século 21 – as utilizou em suas extrapolações. Quem quiser tirar alguma dúvida pode consultar uma ingênua nota publicada há 60 anos sobre a distribuição da renda no Brasil (ADN – “A Lei de Pareto e o Imposto de Renda em 1951 no Brasil”, Revista dos Mercados, agosto de 1953), para testemunhar a qualidade daquela aproximação.

As conclusões de Piketty têm sido abusadas pelas variadas vertentes ideológicas que infestam os estudos da economia. Talvez seja hora de lembrar um gigantesco estudo sobre a História da Civilização, que Will e Ariel Durant publicaram em dez volumes, entre 1935 e 1967. Ignorado pelos historiadores profissionais, impressionaram amadores como foi o meu caso. Em 1968 publicaram um pequeno volume, The Lessons of History onde condensaram o que tinham aprendido tentando entender 25 séculos da caminhada do homem. O capítulo “Economics and history” é muito interessante. Em seis páginas expõem o poder da interpretação materialista da história de Marx e suas limitações. Avançam, depois, um largo quadro que mostra que ao longo da história, nos mais variados regimes e circunstâncias, a concentração da riqueza parece inevitável. Ela é periodicamente aliviada – pacificamente ou por alguma revolução – pela sua redistribuição, mas logo se dá início a um novo ciclo de concentração.

Will e Ariel Durant afirmam, à página 54, que “a experiência do passado deixa poucas dúvidas que todo sistema econômico apoia-se em alguma forma de estímulo para levar indivíduos ou grupos a produzirem. Organizações alternativas: escravidão, coerção, entusiasmo ideológico, mostraram-se improdutivas, muito custosas e transitórias. A habilidade prática difere de pessoa para pessoa e em quase todas as sociedades elas concentram-se numa minoria. A concentração da riqueza é resultado natural dessa concentração das habilidades e aparece recorrentemente na história. A taxa de concentração varia com a liberdade econômica aceita pela moral e pelas leis. O despotismo pode retardá-la. A democracia, que permite maior liberdade econômica, tende a acelerá-la. A relativa igualdade que prevalecia nos EUA antes de 1776 (Guerra da Independência) foi soterrada por milhares de diferenciações físicas, mentais e econômicas, de maneira que a distância entre o mais rico e o mais pobre é agora (1967) maior do que em qualquer tempo, desde a plutocrata Roma Imperial”.

Os governos americanos em 1933-52 (Franklin Roosevelt e Harry Truman) e 1960-65 (John Kennedy e Lyndon Johnson) conseguiram uma moderada e pacífica redistribuição. A classe alta americana reagiu com submissão, mas logo recomeçou a concentração da riqueza que Piketty aponta.

A história ensina que “a concentração pode atingir um ponto em que o poder do número dos pobres atinge o poder das habilidades dos poucos que são ricos. Chega-se, então, a um equilíbrio instável – uma situação crítica – que será enfrentada ou por uma redistribuição pacífica e legal da riqueza ou por uma revolução que distribuirá a pobreza”. Exemplos da primeira foi a reforma de Sólon, da Atenas de 594 a.C., onde prevaleceu o bom senso e a capacidade política e, da segunda, a indiferença do Senado Romano à proposta de Tiberius Gracco (162-133 a.C.) para reduzir a concentração da riqueza, que resultou em um século de luta de classes.

Quem controlou a moeda e o crédito controlou os outros: “Dos Medici de Florença e os Fugger de Augsburg, aos Rothschild de Paris e os Morgan de Nova York, os banqueiros sentaram nos conselhos dos governos, financiaram guerras e papas e, às vezes, revoluções”.

A lição dessa viagem pela história do homem é que a concentração da riqueza é natural e inevitável, mas periodicamente aliviada por redistribuição pacífica ou violenta que só ocorre quando algum fenômeno crítico (uma crise de abastecimento como no passado ou um aumento profundo e prolongado do desemprego como no presente), reduz à miserabilidade parte importante da sociedade e o sistema político parece incapaz de corrigi-la.

* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo e professor de Economia, e foi ministro de Estado e deputado federal.

** Publicado originalmente na coluna do autor, no site da revista Carta Capital.