Solo brasileiro agora tem mapeamento digital

Mapa de solos do Brasil na escala 1:5.000.000. Um melhor conhecimento do solo do nosso país permitirá a execução de mapas com melhor escala
Mapa de solos do Brasil na escala 1:5.000.000. Um melhor conhecimento do solo do nosso país permitirá a execução de mapas com melhor escala

O mapa digital de carbono orgânico dos solos brasileiros recém-lançado pela Embrapa une modelagem matemática e conhecimentos levantados em campo para ajudar em diversos programas de conservação de recursos naturais. Um dos beneficiários imediatos será o Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que poderá utilizá-lo para direcionar práticas de redução de emissão de gases de Efeito Estufa.

Executado pelas técnicas tradicionais, um levantamento similar custaria milhões de reais e anos de trabalho. O novo sistema tem a vantagem de utilizar informações ambientais disponíveis como dados a respeito de solo, relevo, material de origem, clima, associando-os a métodos matemáticos estatísticos para inferir informações em locais não medidos.

“No Mapeamento Digital de Solos (MDS) usamos modelos matemáticos e estatísticos para, com base nas informações de solos existentes, predizer outras que não foram medidas, mas que estão correlacionadas através das variáveis ambientais que determinam a formação dos solos”, diz a pesquisadora Maria de Lourdes Mendonça Santos, da Embrapa Solos, pioneira nos trabalhos sobre mapeamento de solos no Brasil. “O mapeamento digital surge como ferramenta base para a tomada de decisão sobre este recurso natural”, explica. “Não há dúvida que o MDS oferece um vasto campo para a pesquisa e uma oportunidade para a pedologia brasileira que tem, pela frente, um enorme território a ser mapeado”, avalia o professor Alexandre Ten Caten, da Universidade Federal de Santa Catarina.

O mapeamento digital 

Desde os anos 60 do século passado a pedologia (estudo do solo no campo) tem a pedometria, palavra derivada das gregas “pedos” (solo) e “metron” (medida) como importante aliada. Desde aquela época, a união entre a observação do solo na natureza e a aplicação de modelos matemáticos evoluiu muito ao unir unindo o conhecimento prático do pedológo com os dados estatísticos e numéricos da pedologia quantitativa desenvolvidos nos laboratórios. Atualmente, a pedologia é uma ciência que depende das abordagens quantitativas e qualitativas o que exige a participação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento.

A partir da década de 80, com o advento da geoestatística, as informações sobre o solo foram se tornando mais precisas, passando a ajudar de maneira mais incisiva na tomada de decisão. Naquela época, surgiu o mapeamento digital de solos (MDS) unindo geologia, geomorfologia e os fatores que influenciam na formação do solo: clima, organismos, relevo, material de origem e tempo. Graças a ele existe a possibilidade de integrar o conhecimento tácito dos pedólogos sobre as relações solo-paisagem, e a automatização de processos via mapeamento digital de propriedades e classes de solos.

O MDS tem grande importância para responder à demanda de informações no desenvolvimento das atividades humanas. Entre elas, o manejo de solos na agricultura, a execução de zoneamentos ambientais, manejo da água na paisagem e o planejamento de uso da terra.

Em países com menor extensão territorial, como a Dinamarca, o solo já está totalmente mapeado em ótima escala de detalhamento (1:5.000 ou maior). Mas não só os países de menor extensão investem no tema. Os Estados Unidos, por exemplo, com extensão territorial semelhante a do Brasil, possuem um detalhamento de seus solos da ordem de 1:10.000. “É urgente que nosso País invista no conhecimento maior de seus solos sob pena de ficar para trás em alguns desafios globais, como a segurança alimentar, a produção de bionergia, as mudanças climáticas e a própria sustentabilidade da agricultura brasileira. Não se pode planejar o uso da terra, realizar zoneamentos e definir políticas públicas para a agricultura, sem o conhecimento atualizado do recurso solo, que juntamente com a água, devem fazer parte da agenda brasileira de prioridades para o setor produtivo e ambiental”, completa.

Essa afirmativa é confirmada pelo professor Alexandre Ten Caten. “A informação espacial sobre classes e propriedades de solos não está disponível para a maioria das localidades do Brasil. O mapeamento digital, por meio das tecnologias ligadas à geoinformação, pode potencializar nossa capacidade em conhecer a distribuição espacial dos solos por possibilitar que um volume maior de informações sobre os fatores de formação do solo seja processado de forma rápida e automatizada”, diz ele.

Éder Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados, no Distrito Federal, aponta que para o futuro do MDS no Brasil, “é necessário desenvolver pesquisas com abrangência nacional. É fundamental o estudo de ferramentas metodológicas e a contínua formação de recursos humanos capazes de aplicar o MDS nas questões nacionais. Um dos desafios, por exemplo, é o desenvolvimento de manejos do solo que permitam a captura de gases de Efeito Estufa, e para isso é imprescindível o conhecimento do comportamento do carbono em solos, o que o MDS pode responder”.

Mapeamento global

No País, o principal fórum de debates sobre o assunto está na Rede Brasileira de Pesquisa em Mapeamento Digital de Solos (Rede MDS), coordenada pela Embrapa, no âmbito do CNPq. O objetivo dessa Rede é juntar os interessados no tema, a fim de avançar a pesquisa no assunto e elaborar projetos em parceria, com ampla abrangência para o mapeamento dos solos. Atualmente, a Rede MDS conta com 70 membros de 20 instituições de ensino, pesquisa e extensão rural nas cinco regiões do Brasil.

No exterior, o consórcio GlobalSoilMap.net é o ponto de encontro dos estudiosos do assunto. Formada em 2009, a rede tem Lourdes Mendonça no grupo coordenando as ações na América Latina e Caribe. Participam também do consórcio instituições como a Universidade de Columbia (EUA), o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA-França) e a Universidade de Sydney (Austrália).

O consórcio alavancou as iniciativas no tema de forma global, propondo avanços metodológicos, especificações técnicas e a harmonização de métodos, buscando produzir um novo mapa mundial de propriedades de solos, usando novas tecnologias e a uma boa resolução. Esses mapas serão completados com opções de interpretação e funcionalidade para ajudar na tomada de decisões em vários assuntos, tais como produção de alimentos e erradicação da fome, mudança climática e degradação do meio ambiente.

“Infelizmente, Dinamarca e Estados Unidos são exceções”, diz Lourdes Mendonça. “De forma geral, há uma escassez de dados de solos no mundo e, quando existem, são limitados, dispersos, desatualizados e difíceis de comparar. Essa necessidade e a crescente demanda por informação sobre os solos têm alavancado o desenvolvimento do MDS”. Agora, para os estudiosos, o desafio maior vai ser o de sistematizar e entender os dados existentes e a eles adicionar os produzidos por novos sensores.

Ano Internacional do Solo

Para aumentar a conscientização sobre o recurso solo e sua importância na agenda de desenvolvimento global, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) lançou em 2011, a Aliança Global para o Solo (GSP). Essa Aliança possibilitou colocar o solo no centro dos diálogos globais, observando as necessidades nacionais e regionais, envolvendo instituições e comunidades locais para melhor se apropriarem do tema e catalisar a coordenação de políticas públicas e investimentos em solos.

Para dar mais visibilidade ao assunto, as Nações Unidas declararam 2015, o Ano Internacional do Solo. FAO e GSP se encarregarão das atividades ao redor do mundo em colaboração com os países membros. O objetivo é aumentar a conscientização sobre a importância do solo para a segurança alimentar e sobre suas funções essenciais para o funcionamento dos ecossistemas.

* Carlos Dias é jornalista da Embrapa Solos.

** Publicado originalmente no site Eco21.