Ambiente

Desafiando o poder dos 1% e da desigualdade

As mulheres costumam suportar a pior carga dos desastres naturais porque são responsáveis pelo cuidado da casa e do bem-estar de suas famílias. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
As mulheres costumam suportar a pior carga dos desastres naturais porque são responsáveis pelo cuidado da casa e do bem-estar de suas famílias. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

São Paulo, Brasil, 23/4/2015 – Quando é preciso mover um objeto muito pesado, em que se pensa primeiro? Pedir ajuda a outra pessoa, aí está a diferença. O mesmo pode ser aplicado aos movimentos sociais que lutam para transformar a realidade. Em um contexto de crises econômica, ecológica e de direitos humanos sem precedentes, os atores sociais não podem se manter isolados, devendo se unir e utilizar sua força coletiva para superar os desafios.

O Fórum Social Mundial (FSM), realizado entre os dias 24 e 28 de março na Tunísia, mostrou que outro mundo é possível quando se trabalha de forma coletiva para atender as causas estruturais da desigualdade. Foi isso que levou a Associação para os Direitos das Mulheres no Desenvolvimento (Awid) a se comprometer a trabalhar com as organizações ActionAid, Civicus, Greenpeace e Oxfam.

Cerca de  70 mil ativistas se reuniram na Tunísia e participaram de vários painéis sobre modelos econômicos alternativos, entre eles Imaginações Feministas Para Uma Economia Justa, organizado pela Awid. Esse fato, junto com os protestos contra a redução dos espaços para a dissensão e as reclamações por justiça social são fundamentais em um mundo onde as crises econômica, ecológica e de direitos humanos estão interligadas e indo de mal a pior.

A edição da Tunísia foi a 13ª do Fórum Social Mundial e resultou em uma lembrança e um chamado à ação, pois o poder das pessoas é que mudará o mundo. Transformar a realidade, especialmente em relação aos direitos das mulheres e à justiça de gênero, significa reconhecer e dar visibilidade às interligações entre diversos assuntos. Nos últimos 20 anos, foram registrados notáveis avanços nos direitos das mulheres e na justiça de gênero, mas ainda resta muito por fazer.

No centro da atual crise global, há uma enorme desigualdade econômica na ordem estabelecida. Cerca de 1,2 bilhão de pessoas pobres são responsáveis por apenas 1% do consumo mundial, enquanto o milhão mais rico concentra 72% do mesmo. Nem a população mundial nem o planeta podem sustentar o grau de consumo do Norte rico. Ecossistemas inteiros desaparecem e povos e comunidades são deslocados.

Os desafios não só aumentam, como se aprofundam. Muitas mulheres, meninas e pessoas trans e intersexuais continuam sofrendo múltiplas e cruzadas formas de discriminação, além de distintas vulnerabilidades ao longo de suas vidas. Entre elas se destaca o desproporcional impacto da pobreza, o fundamentalismo religioso e a violência contra as mulheres, as crescentes redes criminosas e o maior poder das corporações transnacionais sobre terras e territórios, bem como o crescimento dos conflitos e da militarização, a generalizada violência de gênero e a destruição ambiental.

As mulheres têm sido as cuidadoras do ambiente e produtoras de alimentos durante séculos e agora estão à frente da defesa do habitat diante do avanço da destruição e da extração de recursos cometido pelas corporações. A violência contra as mulheres que defendem a terra se desenvolve com impunidade, justo quando mulheres e meninas também concentram a atenção de vários atores corporativos filantrópicos como motores do desenvolvimento.

A maioria dos compromissos governamentais e institucionais para atender as desigualdades são fundamentais em todas as regiões do mundo, pois, quanto mais se mobilizam e defendem seus direitos, mais fecham o espaço político e da sociedade às elites governantes. A declaração política da 59ª sessão da Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher (CSW59), realizada entre os dias 9 e 20 de março, não é mais do que o último exemplo disso.

A Declaração de Pequim, da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, foi o acontecimento mais progressista em matéria de direitos femininos em seu momento e foi o resultado de 30 mil ativistas de todo o mundo pressionando os representantes dos 189 governos participantes. Mas, 20 anos depois, organizações de mulheres foram excluídas das negociações CSW59, deixando um documento débil que não avança o suficiente para o tipo de transformação necessária para realmente conseguir as promessas de Pequim.

As forças de justiça, liberdade e igualdade se deslocam incansavelmente. É urgente a necessidade de fortalecer nossa voz e nosso poder coletivo para ampliar nossas análises compartilhadas e construir agendas interligadas para a ação. O FSM serve exatamente para isso, e na edição deste ano houve uma diversidade de ativistas feministas que debateram sobre as causas sistêmicas das desigualdades globais de forma inter-setorial, vinculando as novas relações com a terra e o uso desta com o patriarcado, a soberania alimentar, a descolonização e o poder corporativo.

Essas inter-relações fazem parecer que a luta é enorme, mas também permitem a solidariedade entre os movimentos. Como rede global de organizações, movimentos e ativistas feministas e defensoras dos direitos das mulheres, a Awid trabalha há 30 anos para transformar as estruturas dominantes de poder e de tomada de decisões e promover os direitos humanos, a justiça de gênero e a sustentabilidade ambiental. Em tudo o que fazemos, a colaboração é central.

Creio firmemente que não poderemos conseguir uma transformação significativa se não nos unirmos em toda nossa diversidade. Para a Awid, unir-se à luta pela sustentabilidade ambiental, por uma economia justa e pelos direitos humanos é outro passo em uma longa trajetória com e para outros movimentos.

Juntos podemos tomar medidas mais audazes, nos incentivarmos a dar um passo a mais e nos apoiarmos em nosso poder coletivo e nosso conhecimento combinado para amplificar nossas vozes. Trabalhar juntos é a única forma de reverter a desigualdade e de conseguir um mundo justo e sustentável. Envolverde/IPS

* Lydia Alpízar Durán é diretora-executiva da Associação para os Direitos das Mulheres no Desenvolvimento (Awid).