Uma estratégia para humanizar a globalização

Genebra, Suíça, junho/2011 – Nas duas últimas décadas, afirmava-se com frequência que a liberalização comercial poderia ser uma força positiva para o desenvolvimento. Durante esse período, os países menos desenvolvidos (PMD) se converteram em algumas das economias mais abertas. Porém, uma abertura maior dos mercados dos PMD afetou suas populações de modo diferenciado.

Em geral, a liberalização comercial pode ter fortes efeitos redistributivos dentro da economia que potencialmente beneficiem alguns setores e prejudiquem outros. Em um nível menos exigente, tais efeitos podem ampliar ou reduzir as disparidades existentes entre diferentes grupos baseados em gênero, etnia, classe social ou geografia. Em particular, as políticas comerciais podem ter fortes impactos diferenciais em homens e mulheres. O grau de diferença dependerá de uma série de fatores, incluindo os existentes padrões de gênero dentro da divisão do trabalho, as desigualdades econômicas estruturais ou o nível educacional.

Quando consideram reformas comerciais, é crucial para os governantes antecipar como afetarão a distribuição de postos de trabalho e a riqueza em nível setorial, e prevenir o aprofundamento da polarização e da exclusão social.

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) destaca que uma constante das últimas duas décadas foi a desconexão entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Uma era de globalização, que se definiu pela abertura do comércio e dos livres fluxos de capital, deixou muitos países com um aumento da disparidade na renda e uma crescente desigualdade social, mesmo em economias que registraram altos níveis de crescimento econômico. A crise financeira de 2008/2009 mostrou que a globalização precisa ser conduzida por uma agenda de desenvolvimento na qual o Estado tenha um papel mais forte por meio de políticas, regulamentações e instituições.

Além disso, a política comercial deve ser orientada para conseguir outros objetivos de política social, como o de oferecer melhores oportunidades de trabalho às mulheres. Um processo de globalização que deixe para trás importantes segmentos da população não conduz ao desenvolvimento nem, no longo prazo, a um crescimento econômico sustentável.

Nos PMD, as políticas econômicas cujo objetivo é incentivar a integração ao mercado deverão, portanto, ser cautelosamente desenhadas de modo a contribuírem para um desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo. Na prática, trata-se de alcançar um equilíbrio entre os novos e dinâmicos setores exportadores e os tradicionais. A análise da Unctad sobre a projeção das políticas comerciais quanto a gênero, efetuada em diversos países, busca avaliar quem será beneficiado e quem será prejudicado com as políticas de liberalização comercial.

Recente estudo do Butão analisa esta questão, com um enfoque específico na agricultura e na propriedade intelectual.

A agricultura é a principal fonte de emprego no Butão: conta com mais de 65% de toda a força de trabalho e mais de 72% da força de trabalho feminina. Tal distribuição é comum em muitos PMD, onde as mulheres trabalham predominantemente na agricultura. Além da agricultura de subsistência, as mulheres no Butão estão envolvidas na produção de algumas matérias-primas agrícolas exportáveis de alto valor. Cuidadosamente equilibrada e de modo sequencial, a liberalização comercial pode oferecer oportunidades às mulheres como produtoras e exportadoras. Ao mesmo tempo, deve-se prestar atenção na segurança alimentar, como em outros PMD.

A indústria cultural e o setor de serviços podem oferecer a outros PMD uma estratégia para a diversificação de sua base econômica e exportadora, e, ao mesmo tempo, contribuir para a conservação de sua herança cultural. As mulheres podem se beneficiar enormemente desta estratégia, já que estão envolvidas na produção manual de têxteis e outras manufaturas artesanais, bem como em determinados produtos florestais como plantas medicinais. Também trabalham no setor turístico e podem ser estabelecidos vínculos entre a agroindústria e as oportunidades turísticas.

Uma recomendação posterior ao estudo de casos destaca que o Butão, e os PMD em geral, poderiam fazer melhor uso dos Direitos de Propriedade Intelectual para identificar e valorizar comercialmente produtos culturais e serviços. Por exemplo, as indicações de origem geográfica no rótulo dos produtos e as marcas de fábrica podem ser usadas com esse propósito e para proteger os conhecimentos, as técnicas e os recursos locais.

Abordar os desafios e as oportunidades em busca de uma economia mais igualitária e inclusiva, na qual as mulheres possam compartilhar equitativamente seus benefícios, exigirá atenção em uma série de setores. Como mencionado antes, os países devem buscar caminhos para reorientar a globalização de modo a servir melhor às necessidades de todos. Envolverde/IPS

* Supachai Panitchpakdi é secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

 

Uma estratégia para humanizar a globalização

Por Supachai Panitchpakdi (*)

Genebra, Suíça, junho/2011 – Nas duas últimas décadas, afirmava-se com frequência que a liberalização comercial poderia ser uma força positiva para o desenvolvimento. Durante esse período, os países menos desenvolvidos (PMD) se converteram em algumas das economias mais abertas. Porém, uma abertura maior dos mercados dos PMD afetou suas populações de modo diferenciado.

Em geral, a liberalização comercial pode ter fortes efeitos redistributivos dentro da economia que potencialmente beneficiem alguns setores e prejudiquem outros. Em um nível menos exigente, tais efeitos podem ampliar ou reduzir as disparidades existentes entre diferentes grupos baseados em gênero, etnia, classe social ou geografia. Em particular, as políticas comerciais podem ter fortes impactos diferenciais em homens e mulheres. O grau de diferença dependerá de uma série de fatores, incluindo os existentes padrões de gênero dentro da divisão do trabalho, as desigualdades econômicas estruturais ou o nível educacional.

Quando consideram reformas comerciais, é crucial para os governantes antecipar como afetarão a distribuição de postos de trabalho e a riqueza em nível setorial, e prevenir o aprofundamento da polarização e da exclusão social.

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) destaca que uma constante das últimas duas décadas foi a desconexão entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Uma era de globalização, que se definiu pela abertura do comércio e dos livres fluxos de capital, deixou muitos países com um aumento da disparidade na renda e uma crescente desigualdade social, mesmo em economias que registraram altos níveis de crescimento econômico. A crise financeira de 2008/2009 mostrou que a globalização precisa ser conduzida por uma agenda de desenvolvimento na qual o Estado tenha um papel mais forte por meio de políticas, regulamentações e instituições.

Além disso, a política comercial deve ser orientada para conseguir outros objetivos de política social, como o de oferecer melhores oportunidades de trabalho às mulheres. Um processo de globalização que deixe para trás importantes segmentos da população não conduz ao desenvolvimento nem, no longo prazo, a um crescimento econômico sustentável.

Nos PMD, as políticas econômicas cujo objetivo é incentivar a integração ao mercado deverão, portanto, ser cautelosamente desenhadas de modo a contribuírem para um desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo. Na prática, trata-se de alcançar um equilíbrio entre os novos e dinâmicos setores exportadores e os tradicionais. A análise da Unctad sobre a projeção das políticas comerciais quanto a gênero, efetuada em diversos países, busca avaliar quem será beneficiado e quem será prejudicado com as políticas de liberalização comercial.

Recente estudo do Butão analisa esta questão, com um enfoque específico na agricultura e na propriedade intelectual.

A agricultura é a principal fonte de emprego no Butão: conta com mais de 65% de toda a força de trabalho e mais de 72% da força de trabalho feminina. Tal distribuição é comum em muitos PMD, onde as mulheres trabalham predominantemente na agricultura. Além da agricultura de subsistência, as mulheres no Butão estão envolvidas na produção de algumas matérias-primas agrícolas exportáveis de alto valor. Cuidadosamente equilibrada e de modo sequencial, a liberalização comercial pode oferecer oportunidades às mulheres como produtoras e exportadoras. Ao mesmo tempo, deve-se prestar atenção na segurança alimentar, como em outros PMD.

A indústria cultural e o setor de serviços podem oferecer a outros PMD uma estratégia para a diversificação de sua base econômica e exportadora, e, ao mesmo tempo, contribuir para a conservação de sua herança cultural. As mulheres podem se beneficiar enormemente desta estratégia, já que estão envolvidas na produção manual de têxteis e outras manufaturas artesanais, bem como em determinados produtos florestais como plantas medicinais. Também trabalham no setor turístico e podem ser estabelecidos vínculos entre a agroindústria e as oportunidades turísticas.

Uma recomendação posterior ao estudo de casos destaca que o Butão, e os PMD em geral, poderiam fazer melhor uso dos Direitos de Propriedade Intelectual para identificar e valorizar comercialmente produtos culturais e serviços. Por exemplo, as indicações de origem geográfica no rótulo dos produtos e as marcas de fábrica podem ser usadas com esse propósito e para proteger os conhecimentos, as técnicas e os recursos locais.

Abordar os desafios e as oportunidades em busca de uma economia mais igualitária e inclusiva, na qual as mulheres possam compartilhar equitativamente seus benefícios, exigirá atenção em uma série de setores. Como mencionado antes, os países devem buscar caminhos para reorientar a globalização de modo a servir melhor às necessidades de todos. Envolverde/IPS

* Supachai Panitchpakdi é secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).